

Senhores, pequei! E gostei! Voltaria a pecar! Não foi a primeira vez! Certamente voltarei a pecar!
Todos os argumentos contra a tourada são, muito provavelmente, verdadeiros, válidos e aceitáveis. Não contesto. Resumo: a tourada é bárbara! Contudo, gosto!
Não contra-argumento, porque o que conta não é saber se o animal sofre muito ou pouco. Sofre. É quanto basta. Não desvalorizo, não finjo, não escamoteio: há um animal que sofre involuntariamente. E isso basta. A tourada é bárara! Contudo, gosto!
Fui ao Campo Pequeno ver seis touros (seis) da ganadaria da Herdade das Pégoras, cuja divisa é azul e branca. Estava calor, muito mais do que na rua... que triste ideia a da cúpula amovível, que não se mexe de três quartos para trás! As águas esgotaram e apesar de não se poder fumar em recintos fechados, ou semi-fechados ou em espaços para espectáculos, fumou-se na Monumental de Lisboa, quase cheia de gente, muita dela que não sabia comportar-se numa festa de toiros. Que calor! Cavaleiros: Joaquim Bastinhas, João Salgueiro e Vítor Ribeiro. Forcados: os Amadores de Lisboa. O primeiro toureiro continua a ser um espalha-brasas! Todo ele é espalhafato! Admira-me não ter preferido a carreira circense ou adoptado um traje de luzes!... Não há paciência. Gosto do estilo de João Salgueiro, esteve sereno e seguro, sempre com música, mas sem grandes deslumbramentos. Em grande esteve o mais jovem cavaleiro, e nas suas duas lides, que acabou a dar uma volta à arena e a sair da praça em ombros. Os forcados não foram felizes. A corrida foi agradável, calma, média e sem tédio. Fui ao Campo Pequeno ver seis toiros (seis) que, não sendo de grande bravura, não se portaram mal e deram algumas boas lides.
Antes de ir para a praça tinha já decidido fazer o meu voto de culpa. Pesa-me a consciência. Sinceramente, custa-me gostar de tourada... e essa é uma das razões porque não vou mais ou porque quase não vou. Contudo, gosto! Gosto, porque a tridimensionalidade da tourada é diferente de qualquer opinião contra. A maioria das pessoas que é contra só o é porque nunca entrou num redondel para assistir ao espectáculo. Lá dentro a cabeça muda. Os pensamentos alteram-se, invertem-se... ainda que a lógica possa ser discutível, ilegítima e indefensável.
Contudo, gosto! Gosto, porque os cavalos rodam as orelhas para prestar atenção ao touro e ao cavaleiro. Gosto, porque há confiança da montada no homem que a monta. Gosto, porque o touro é duma enorme nobreza. Gosto, porque há uma beleza de movimentos naturais de músculos de touro, de cavalo e de homem e gestos encenados de equídeo e cavaleiro. Gosto, porque tem cheiro. Gosto, porque tem pasos dobles tocados ao vivo. Gosto, porque tem tensão... e na tourada a tensão é de sangue, a tensão é de morte... o nosso maior medo é o de morrer... um touro mete muito respeito.
Gosto da tourada à portuguesa. Os espanhóis desdenham-na e apelidam-na de «numero del caballito». A nossa é mais antiga e tradicional, a deles é que foi adulterada. Só a nossa permite que uns bravos se atirem para a frente do toiro. A minha preferência não se deve a nacionalismo. Gosto da tourada à portuguesa, porque é mais bonita. Gosto da tourada à portuguesa, porque ela dá, talvez, a única razão válida para justificar o nascimento desta arte: o treino para a guerra, para cavalo e cavaleiro. Se é que a guerra é uma razão válida...
Senhores, pequei! E gostei! Voltaria a pecar! Certamente voltarei a pecar! Lamento, mas ainda não estou aperfeiçoado para não pecar. No entanto, só aceito as críticas de quem já foi à tourada.
Adenda: Custa-me também que não se encontrem boas imagens de tourada à portuguesa na internet. Já me bastavam os problemas de consciência e as dificuldades em expressar as contradições em mim... agora ainda me vejo forçado a fotografar com o telemóvel... safa! Isto é demasiado!