digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, março 31, 2017

Como o lacrau

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Tenho horror ao vazio de retornos. Há pessoas estranhas e sou uma delas, soberba e acanhamento. Isso dói, não é problema, uma doença sem cura que tem de ser, um determinismo voluntário como o perverso lacrau.

A tragédia é invisível

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Escrevo ousadia tímida de descuido e arrogância, desenho no silêncio do gato, só sou tudo, morreria de infância se visse antes de ter, sem da precipitação à foz. Nunca se desafie um suicida, desenfadam-se ainda que escolhendo o ridículo e uma mão encarnada de instantes-eternos duma pintura pré-histórica, rosto-máscara de ânimo – é trivial e neutral. Quem consegue saltar tem dois lados para o fazer, uma adoração de beijos e dramas.
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Letra P


Letra S


quinta-feira, março 30, 2017

Acerca da Primavera

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A Primavera é uma chatice. Em nome das alterações climáticas, suprimam-na, que o ano seja Verão, Outono e Inverno.

quarta-feira, março 29, 2017

Horizonte

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Passou julgando ser eu correndo. Vi acontecer pensando que viajava. Perdi, a vida parou e a ida está longe, panamá, el dorado, boreal, fundo do mar. Nem voando nem no tempo da luz nem imaginando até lá, sequer volta ou o tempo se inverte. Digo ânimo para intuírem para iludir e medito.

sábado, março 25, 2017

Corredor

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Se não morrer antes será depois e devia ter sido. A vida do lado tem mais futuro. Sei onde pus as chaves e o lugar da passagem.
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Tenho na cabeça uma casa com jardim em crescimento perpétuo, número incerto de gatos e de corvos, só um cão, preto e mudo.
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Aí é tudo de mim. Há gente, quase só fantasmas. É ter o querer quando fora não existe.
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A angústia é só, percorro corredores que só eu vejo, só vejo de luz-néon intervalando o invisível visível.
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Tantas vezes morri de amor e reencarnei e isso passa, por pudor os resguardo – todos sabem. Não é por isso agora. Qualquer coisa, tanto faz, é assim a morte-viva da minha vida.

sexta-feira, março 24, 2017

Granita, Lioz e infotocopiável

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Há onze anos foi sexta-feira e comecei o infotocopiável. Não pensei no dia de hoje nem nos milhares de palavras. Há treze nasceram a Granita e a Lioz, duas pessoas de quatro patas, tiradas prematuramente da mãe e a quem amamentei a biberão, obrigando-me a todos os cuidados. 

Letra T

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Aos onze anos, o infotocopiável muda novamente a obra que lhe serve de fundo. Sai uma pintura de Tenesh Webber e entra outra.

quarta-feira, março 22, 2017

Chovendo luz

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Sou sala de velório em noite de vigília, fogo que não se apaga e fogo sem começar, odor grave das flores e as fitas roxas com letras de ouro.
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Na solidão de ser-se só, recluso e melancólico, traído e sem vingança, na vida desmoronada, nem o sono é mãe.
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Vejo um piano que toca, sem ninguém, mãos de me apertar sem segurar, a angústia. Na casa de negrum espesso não há portadas para rasgar nem gatos.
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O tocar de valsa lenta, esmorecida de texto viúvo declamado em tino insensato, esse pairar dos olhos fechados, inebria como o vinho em jejum.
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Indiferente é mentira. Seria saciado, desencarnado por desejo, se obedecesse à transgressão, não me faltasse o instante e já o tempo é demorado.
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Disseram-me da tepidez do céu azul e do frio que enrijece o carácter. Uns silabaram e outros mansamente, se fosse vontade a melancolia e a angústia, o pulsar para o fim, se cobiçasse açoitar com a aflição.
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Se eu fosse mentira e não isto. Em felicidade leviana disseram-me que chove luz. O coração-cérebro-fígado é um calabouço.

Túnel

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Acordei um metro no centro da Terra, fiz um túnel, sem respirar ou aleijar os dedos, dei por mim a um metro no centro da Terra.

segunda-feira, março 20, 2017

Guerra

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Vi na tevê coisas feias, longe e sem ninguém, bonecos sem cheiro a quem não ouvirei a dor. Dizem que é a guerra, mas não sei como saber, adormeço na cama e acordo na minha dor.

domingo, março 19, 2017

Estação central

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A solidão não muda por silêncio de alvoroço nem por tumultuo de quietude, sejam horas, espera ou futuro sem horizonte. Dito, é tudo, desde sempre ao fim do mundo. Calado, é tudo, do fantasma ao cadáver.

Aqui

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Segurado aqui por noutro não conseguir. Não agora nem prazo, sou deste lugar e sou aqui.
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Nas horas cinzentas e nas azuis, nos dias de chuva e nos azuis, no tempo da melancolia e no do azul, na fome e no enfartamento, entre a lucidez e a luz do vinho, sou aqui.
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Desde a infância e não pressinto. A praça é a mesma, Lisboa desta luz, a fala e o vigor, do rijo e do brando.
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Não invejo viajante, o meu verbo ir é o voltar.

sábado, março 18, 2017

Campo de Ourique, Tunísia

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Pela rua quando jasmim e memórias dum sítio onde talvez não regresse, certamente não desejo. Hoje das lembranças quero pouco mais do que o jasmim. Digo deste cheiro não ser igual como se soubesse tudo do jasmim. De tão súbito passou, no voltar estava e tão súbito passou.

Letra H e Letra M

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Nota: Homenagem a Man Ray.

sexta-feira, março 17, 2017

Há muros mas escadas

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Do nada chegou com um fósforo. Sem lhe ter pedido lume, acendeu-o com a palavra sincera como a sopa quente quando somos um rio. Grato e envergonhado, quando me secar dou-lhe uma fruta de Verão.
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Nota: Há amigos que se revelam nos nadas. Surpresas como as do Natal de antigamente. 

Cidade de ser e voltar

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Lisboa tem ánima de Greco e de Liechtenstein. O Tejo é os céus de Matisse e Rubens. Desejoso de partir, não vejo o segundo de retornar.

Rio de sossego

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Conformado em mar revolto, um rio de sossego de corrente inversa me afogou e reencarnei no jardim das flores de olhos, de flores de luz, e se fez o Reino de Sete Amores, sem súbditos nem prisões.

Génio de lâmpada

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Nem todos os dias há a claridade duma alma guardada. Tê-lo e saber-lhe o sabor de subtileza e vigor. Fantasma, vai deambulando na igreja, é aparição de videntes e assombração dos coitados.
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Grandjó 1925.

Fotografias

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Não é vício nem sina, nem teimosia, escrever-te é a obrigação ao ver-te a provocação do corpo e a sensualidade-maior dos lábios.
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O alvoroço da praça cheia em dia de mercado e a curiosa melancolia das tardes vagas de domingo, sua preguiça e frenesim de campo de batalha.
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Cativo da predadora dos olhos lentos, aspirando sacrifício ou glória, searo branco e surdo.
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Da adivinhação sei, lido na bola e na grande-roda, de nunca ter. Nenhum curandeiro conhece achamento de remédio para o meu incêndio.
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Esta tristura sem piedade de mim. Deste desconsolo, contenta-me saber do doce do limão.
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quarta-feira, março 15, 2017

Nem complicado nem denso

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Não contemplo o horizonte esperando regresso. Sem lágrimas lembro-me e será sempre assim até ao dia do reencontro. São dias da singeleza das determinações da vida. 

terça-feira, março 14, 2017

Clareira

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Sobre mim qualquer clareira, qualquer nuvem. O jardim é mudando os dias e sem medo.
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É azul e só se vê dos meus olhos, levito como banhando-me sob a cascata do lago, donde começa o rio, como quando a Eva se desocultou da vigia.
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A nudez fogo-de-artificiou, esgotando-se ao esgotar-se, renascendo-nos na água, fósforos extinguindo-se sem fim, acolhidos da árvore-do-conhecimento-do-bem-e-do-mal, ingénuo e nu perdi a candura e ganhei talento e malícia.
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Neste jardim de mundo fechado qualquer nuvem passa sobre clareira. Sem hora, esconde-se o Sol e os mitos das florestas perdem a acanhação e se assomam.
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Onde começa e acaba, sem instante se desencarna e reencarna, partindo por qualquer coisa, a mesma lucidez de se chegar.

segunda-feira, março 13, 2017

A caixa de claridade

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Tenho elixir que faz do esquecimento uma fotografia e do retrato uma lembrança dum tempo sem ter existido. Quando me calam e não oiço, sei de estar e feito, um consolo tão longe, como aos dezasseis anos o primeiro sentir dum peito de menina. O que fizeste e dei é como esse dia, não fosse a memória uma utopia. Soprando levantam-se as pétalas, o tremor da paixão ardida no escuro sem ter tido a luz. Um dia, no engano involuntário do carma, abre-se a caixa das surpresas e nasce a claridade.

Rio de duas correntes

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Há o sonho e os sonhos, às vezes o mesmo. Assim a mentira e a verdade quando desejar e não querer são do medo e da coragem temerária.
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Se soubesses, conheço-te o corpo todo, por mãos e boca, e de mim tens tudo. Há o espelho mágico por onde vens e vou, à noite, para fazermos amor e dizermos.
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Antes do Sol nascer, antecipando o desadormecer, fugimos. Fica um país entre nós, a linha de montanhas, a floresta cobrindo a luz e um rio de duas correntes, da água espelhada, por onde nos chegamos.

Nem nos poetas nem na Fada dos Dentes

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Se não te tivesse escrito poemas todos os dias, ou se tos tivesse escrito, não me querias mais do que agora, não te despiria tanto e, por todo o corpo, em espírito te tomando.
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Imagino-nos no resto duma noite, num jardim florestal e exótico, no frio orvalhado tremendo, de olhos vermelhos incapazes de ver o amanhecer, ficando o abraço e os lábios, conclusão da transgressão e das palavras.
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Acordo antes de saber e sinto vergonha por te dizer. Por isso escrevo-te poemas, ninguém acredita em poetas.

domingo, março 12, 2017

Do entardecer à luz da manhã

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A música e o vinho vieram de noite, até ao primeiro beijo de transgressão entre os ébrios.
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Uns caíram sem loucura e outros como os salmões nos ribeiros. Nem todos adormeceram, descalços na pedra dos degraus ficaram esperando alguma coisa.
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Ainda sem luz e o já perdido o escuro. A fruteira dá fruta todo o ano e a videira trepa pela parede. Vêem-se as montanhas para lá da floresta e o jardim demora-se a acordar.
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Descalços na pedra dos degraus quietaram-se hipnotizados, em esforço de ficar ou dormir.
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Do vinho e do amor à ressaca e ao arrependimento. O frio subtil anuncia a hora. Logo mais tarde.

Dias de depois

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A solidão do amor que resta, sem dono nem liberdade, não passa nem depois dos lençóis se lavarem e a janela ter soprado o suor. Os passos finais não deixam pegadas, mas as paredes guardam segredo e silêncio. O fantasma sem cadáver assombra além do medo de se perder o perdido. Quantas palavras ficam por dizer e tantas mais se inventam. Não há noite nem dia.

sábado, março 11, 2017

Saudade da casa

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Ah! O cão… chegar a casa, donde se esteve longe por um dia ou um minuto, é tê-lo feliz, doido de alegria, genuíno de amor e entrega, o mimo generoso que espera correspondido por um simples afecto. Louco de amor, corre para contar da chegada e segura numa lembrança e brinca, como se fosse fogo-de-artifício.
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Melhor do que a recepção do cão só há a do gato.
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sexta-feira, março 10, 2017

Outra casa

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Anteontem da semana passada ao acordar para a insónia, abri uma porta fechada sem me lembrar. É outra casa, igual e vazia, aberta bastando rodar a maçaneta.
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A vidência mostra ser soalheira no Inverno e fresca no Verão. O pó do vazio molda as horas, desce a luz e arrefece.
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A dormência no lado de dentro da cabeça, como se eu fosse imóvel de mármore, quase me desencarna.
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Cruzo paredes, reconheço o meu quarto, a cortina, a cama e a porta. Rodando o puxador chega-se ao sono.

Ao luar

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A fantasma, nas noites frias e livres, assinala-se deixando-se iluminar. No limite da floresta e do jardim, onde o horizonte dista como o céu. Aguarda sem saber do corpo deixado nem dele, que, partido e ido, por outro lado vive.
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Nem o sinal assobiado dum vento de assombração a alerta. Amando completamente se desvaneceu e de tão grande não feneceu.
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Dele nem sinal, irá talvez a galope sem deixar sopro nem pegada ou esteja acorrentado numa ilha ou esquecido numa torre.
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Não se sabem os anos nem os seus nomes ou as suas falas e juras nem as flores secretas.
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Por hábito volta e de amor regressa. Seja a eternidade onde for, estará para o receber e ele a ter ao chegar.

quarta-feira, março 08, 2017

A angústia

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A angústia desce da garganta, onde se segura e se não desprende, para apertar o estômago, quase ao vómito, à fome e ao fastio. As mãos tremem e o cérebro diz acelerado e o coração respira lentamente.
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Para que servem as pálpebras? Para se fecharem, para os olhos não vejam nem vejam – cegos uns dos outros, como o gato escondido.
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Para que servem os outros? Para alguma coisa, mas não para desangustiar.

terça-feira, março 07, 2017

Os olhos da mãe

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Por aí, pela espiral de Oz ou para o buraco das Maravilhas. Aqui não apetece, este tempo ou qualquer rua onde more ou rosto para retribuir olhar. Falando engano e custa-me como engolir com a garganta inflamada, por aquela obrigação.
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Há locais onde não há nada.
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O corredor da casa antiga, a janela aberta frente ao céu, o armário que guarda o urso de peluche, a noite antiga onde apenas a chuva, a praia no Inverno.
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Quando a mãe se ia embora, dizia-lhe adeus lá de cima e ela acenava-me antes de desaparecer atrás dos prédios. Via umas bolas com um rendilhado, talvez floral, translúcidas, quase invisíveis, pairando – chamava-lhes andorinhas. Na parede do terraço estavam penduradas andorinhas de loiça. Na Primavera vinham as andorinhas. No princípio do Verão chegavam as joaninhas.
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Mas hoje.
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Tenho a infância guardada para não a perder, tem menos tristeza e memória. Se abrisse a gaveta talvez se corroesse vorazmente a fragilidade.
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Para Oz e Maravilhas, vai-se olhando para um espelho virado para cima. Todos os lugares existem, nalguns não há nada e noutros guarda-se tudo.
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Cresci tanto quando atei sozinho os atacadores dos sapatos e hoje sou pequenino.
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Hoje sei da despedida dos últimos olhos da mãe. Ainda antes de o saber senti-me menino e quis as andorinhas de volta.
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Nota 1: O filme «Alice no País das Maravilhas», rodado em 1903, foi realizado por Cecil M. Hepworth e Percy Stow. O elenco é formado por May Clark, Cecil M. Hepworth, Blair, Geoffrey Faithfull, Stanley Faithfull, Margaret Hope McGuffie (Mrs. Hepworth) e Norman Whitten.
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Nota 2: O filme «O Feiticeiro de Oz», rodado em 1939, foi realizado por Victor Fleming. O elenco principal é formado por Judy Garland, Bert Lahr, Frank Morgan, Jack Haley e Ray Bolger.
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segunda-feira, março 06, 2017

Diminutivo

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Pode mais um diminutivo? Pode, pois estar fartinho é mais do que farto. É um momento de necrose e desejo. À volta, a vida e na rua corre o sussurro da tentação.
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Muitas vezes vou por onde apenas e os outros não existem nem as coisas, sei do céu, vento ou árvore, sei de mais cheio além da pele que o guarda, sei ter fechado as esperanças no quarto da infância, sei do fingir do esquecimento, sei de muitas dúvidas e sei dum dia, por fim.
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Quando o mundo vai fechado, penso no fim, já vão as vidas das incertezas e das certezas, na de agora juntam-se e fico fartinho.
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Quando se está farto basta um berro. Quando se está fartinho, venha o que vier, porque, se uma distracção não chegar, dá-se o berro.

domingo, março 05, 2017

Azulejo

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O azul e o branco é uma só coisa. O azul e o branco não é tão bonito como o azul só, é-nos consolante e língua portuguesa. O azul e o branco é do nascimento à morte, do céu do Verão, do mar à frente, do azeite e do vinho. O azul e branco é da casa da avó e do Palácio de Sintra. Se dizemos azulejo é porque o azul é mais bonito do que o branco.
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Nota: Este texto é para a Isabel Colher.

sábado, março 04, 2017

Casa

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O conforto é estar tépido sem datas. O aconchego é ter a mãe nas coisas. A infância volta no silêncio de não ter horas para saborear a mãe. A mãe nunca morre e olhando-a nos olhos há o seu conforto.

quarta-feira, março 01, 2017

Letra A


Vénus dos pesadelos

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Diante do harém fantasma fiquei como estátua de carne-mármore. Da multidão veio a Vénus dos pesadelos, não lhe sobrevivi, assassinado de suicídio.
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Foi a aranha negra e escarlate, da pele macia e do calor sobrenatural do prazer e do sofrimento, de humidade para a sede, no quarto da esperança e do desespero.
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Sinais do espaço derrubaram o nosso avião e sobrevivendo condenados à tristeza dos desencontros. Detido, por pudor na cama improvisada, suspirei por repetir o peito e o resto, pela primeira e última vez, depois de segredos, enganos e encontros que esquecemos.
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Como espectros deixámo-nos, restando-nos um agitar das cortinas durante o sono.

Letra O