digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

O escravo da odalisca





















Já te abracei e aqueci os pés. Fiz-te cócegas e rir. Em troca essa mocidade, pueril e inteligente, que invejo e quero perpétua.
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Sonho acordado que sou tuaregue e tu odalisca. Sonho acordado em que a roupa da cama é a nossa tenda no deserto.
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És o meu harém, grupo de desejo de uma só pessoa para uma só pessoa.
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Às escuras. Nunca vi a tatuagem que tens escondida num local discreto. Nem às claras. Só tenho olhos para os teus olhos e boca para te beijar. Mãos para te tocar. Vontade de tocar em tudo. Para que quero eu ver marca superficial cutânea?
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Acordo todas as noites contigo. Só os dois na tenda armada. Eu de tenda armada.
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Quero-te. Não faço parte do teu mundo. Estarás sempre na casa ao lado. Estarei na outra rua.
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Uma vontade muito grande de fusão. Nos meus braços. Nos teus braços. Sem falar. Tu de cabeça para trás em deleite. Eu furioso atleta. Tu por cima, eu por cima. Todos de lado. Até à apoteose.
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Deixasse de sonhar e não seria mais feliz. Se não te posso ter em corpo. Se as almas não se encontram. Sonho-te para que tudo entre nós possa ser diferente do que é.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Tempos do verbo amar





















Amaste-me imperfeito. Desejámos mais que perfeito. Amei-te perfeita. Não amo. Amarei? Talvez, mas nunca condicional.

Rosa-lírio

Rosa lírio. Flor azul de céu. Flor rara na sua quietude e espírito vivo, mais que as de mais. Numa seara cortada é azul sobre ouro e nas rochas é alegria grande em caule frágil.

terça-feira, outubro 05, 2010

Ir, chegar, como se não estivesse

A meio caminho e já estou. Cheguei porque imaginei o salto de baixo até muito acima. Na distracção fiz a pé o que não quis, sem notar o tempo e o esforço. Voar sem levantar voo. Enquanto uns amam as viagens, outros apreciam os locais. Prefiro dormir, só dormir, para não ter de ir a lado nenhum nem estar noutro local que não a minha cama.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Quase ilha

A minha quase ilha de quase névoa. Onde as gaivotas também pousam e o vento traz cinzentos do mar.
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Quase fora do contorno, como se fosse a lápis a paisagem. Quase fora do contorno, com os pés em descanso para que o corpo não caia para lá da quase ilha.
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Está frio, o cinzento. Esta quase ilha de quase sempre Inverno. Quase sempre o mesmo.
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As quase ilhas têm água a toda a volta, como as ilhas.
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São quase, porque delas não se sai. Está-se na quase ilha e pode ser-se num lugar qualquer.
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As quase ilhas são ingovernáveis, por não haver nada para governar. Não são selvagens nem humanizadas. Nem assim-assim.
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São lugares de estar. Estar sempre, ainda que se possa ser em qualquer lugar. Não se explicam. Não há do que se possa explicar.
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A quase ilha tem água fria e pedras de limos e alfaces-do-mar. Tem pedras molhadas e areia salgada.
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No Natal é outro dia. Dia de solidão mais só. Se não há ninguém nas ruas das cidades... Ninguém para avistar no céu. Ninguém à frente até ao horizonte.
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O Natal é outra solidão. Mas há os caranguejos, os mexilhões e tudo. No Natal, tudo fica a preto-e-branco, em contraste suave, no cinzento de quase nada.
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No Natal não há navios a apitar como no Ano Novo. Tirando o dia de Natal é quase sempre Natal na minha quase ilha.
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Lugar de solidão para amarrar os braços às pernas e enfiar a cabeça no buraco do seu conjunto. Cabeça encaixada e ombros encolhidos.
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Tanto faz se a brisa faz voar a melena. Não há ninguém para secar as lágrimas. Nem ninguém para saber se as feridas se lambem.
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Quase névoa e só o mar a bichanar. Como se fosse um chamamento de Deus, que não me quer só.
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Quase não conheço a quase ilha. Na verdade, não consigo sair deste sítio em que a areia se cola aos pés e as pedras os fazem escorregar.
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Não sei o que é a toda a volta. Instintivamente, com o sexto sentido, sei que se cerca de água. Com esse sexto sentido sei que nela não se entra e dela não se sai.
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Mas pode ser-se noutro lugar.
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Habitante único. Pode ser-se outro na minha quase ilha.

domingo, outubro 03, 2010

Mulher-gato

Os gatos não miam assim, são mais subtis. Tal como quando ela não olha para mim. Imagino o calor da boca e do odor da respiração, tão fresco e higiénico. Com patinhas de lã os gatos saltam para cima de quem gostam, como imagino que ela fizesse comigo quando, semi-adormecido, esperasse por ela na cama. Quase sei a temperatura de pele e a forma como se deita. Miau. Sou rato dum gato que não sabe se vai ser caçado, mas que gostaria muito. Gato de cidade não caça, mas gosta de brincar. Basta-me.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Diz-me o que dizes aos amores

Diz-me o que dizes aos amores para que saiba se quero que mo digas.
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Dá-me beijos e não palavras, as mãos, a boca e a pele. Dá-me o abraço que se dá quando se quer abraçar. E o olhar de quem não sabe o que vê.
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Toma-me e descansa-me. Afaga-me a cabeça e adormece-me com conversas que não interessam. A sonhar escutar-te-ei poemando o amor que nunca se chega a fazer.
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Não prometo acordar a tempo de ainda ser dia. Nem noite. Não prometo pérolas nem uma vida sobre o mundo. Não prometo a miséria e o amor eterno e infinito. Juro que serei amante e que te prometerei tudo o que queiras, tudo o que se quiser e até mesmo o que prometi não te prometer.
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Uma guerra de almofadas, um sumo de laranja. A cama entornada de suores. A janela aberta e a porta fechada por engano. Podemos inalar a tarde, onde acordamos, o que acordamos fazer. Quando acordarmos.
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Inspirar e soltar um vendaval.
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Jogar o corpo um contra a pele. Teremos a pele viciada. A boca marcada na barriga, nos seios, nas costas, nas pernas, na boca.
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Quando me dou às cartas de amor por ti, quando sonho que te tenho, quando finjo ser correspondido, juro que te amo e sou amado. Não é ilusão. Amo-te e com todas as juras de amor. As juras duram o tempo duma loucura. Nada de falsidade, apenas o pulsar dum quasar.
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Declaro-me assim. Tenho as mãos trémulas e a voz indecisa na força e no tom. O coração bate angustiado e a cabeça pensa muita coisa só tendo uma coisa em mente:
- Diz-me o que dizes aos amores para que saiba se quero que mo digas.

sábado, setembro 11, 2010

Rever o coração





















Em Edimburgo, há dias, revi o meu coração, mas não o trouxe. Deixei-o estar onde é anónimo e onde não tem olhos para poder amar nem boca para poetar. Que viva feliz para sempre.

Na ponte

A miúda intangível está sentada numa ponte com os pés a levitarem no ar. A brisa desenha-lhe os lábios em posição de sorrir. A paisagem ilumina-lhe os olhos e o rio reflecte-se-lhe no nariz e maçãs. Os cabelos como sempre são indisciplinados, mas não insolentes.
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Não passa duma miúda. Tem na cabeça todo o espaço preciso para uma vida. Por enquanto só guarda felicidades simples e descobertas dos primeiros amores.
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Como um rio, já saiu do leito, mas ainda sem as angústias de dilúvio que um só lenço não chega para saciar. Dores talvez, mas não as tem como quem herda afluentes de tristezas.
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Ainda tem o curso tão curto e sóbrio, que um velho navio não o pode navegar. É rio de cascata. Rio de cama. Rio de desejo, semente dispersa em pele e lençóis.
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A vê-la, cá de baixo como quem venera uma deusa, imagino-me tocando-lhe os pés suspensos no ar. A minha boca voa até onde a roupa já não tapa, percorre-lhe pernas e seios e fonte. A sua boca em êxtase que espere pelos beijos e gema pedindo que a tome.
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Não me vê. Não me sente. Não me quer. E eu, contudo, tão perto imaginando-a minha. Tenho inveja do Sol, do vento, da água e de tudo o que lhe toca. Ela voando e eu aterrado.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Verbo ter, conjugando sem ter

Tenho na pele e nos lábios a sensação de ter tido por uma noite. Uma só noite. Uma só bastou para que saciasse a curiosidade e me enganasse os afectos. Uma festa de carne pode transformar-se numa ilusão.
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Já noutra noite sonhei-te. Completamente nu perante uma rua de gente anónima. Declamava amor em poemas e tu ainda vestida ouvias-me sem corar. Estava envergonhado e contudo indiferente aos terceiros.
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Aflito percorri caminhos-de-ferro a pé, fugi de hordas que me assaltavam. Fugi para chegar ao pé de ti. Embarquei em comboios por terras estrangeiras, contornando curvas de rio e de nível, vi declives com vinhas. Cheguei a ti numa gare escura, de noite, numa cidade desconhecida. Mas cheguei a ti.
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De tanto te querer… desencarnei por minutos e entrei em ti. Tão profundamente em ti que trago nos cabelos o teu cheiro. Nas costas as marcas das tuas mãos suadas. Amei-te corpo e conheci-te íntima.
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O meu peito não tem coração, mas memória. Marcados a ferro, os monogramas de quem amei. Há arranhões de esgrima dos afectos. As cicatrizes ainda doem. Quero-te em desesperança.
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Como pude ter-te por uma noite se não sei amar? Só faço amor amando. Não me fazem sem mo dar. Não o faço de coração cerrado. Tive-te, porém, denso e quente. Pesado e húmido. Animal em ternura.
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Como pude?

sábado, setembro 04, 2010

A nova musa

















Tenho uma musa nova. É pequenina, porque é pequenina. Tenho um amorzinho pequenino como um bonsai. Um dia a árvore será centenária, mas não sei se será ainda bonsai.
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Quando estou só com ela dou-lhe banho. Embrulho-a numa toalha seca e macia e deito-a confortável na cama. Depois, como antes, envolvo-a num desejo cordato no gesto e infernal na alma.
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Toda a força da minha abstinência está concentrada na fogueira do meu novo amor. Os incêndios nascem das chispas. Os meus do luzir inapropriado e inoportuno, do desassossego. Toda a minha abstinência faz amor com a nova musa.
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Sou feiticeiro aprisionado num corpo que não me deixa voar. Como um vampiro preciso de força vital para viver. Esta minha nova musa, tão tenrinha e feliz, é água doce na torreira do desejo. Mas também gasolina em incêndio.
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Não são suspiros que me traz, mas a fantasia dum namoro e cama. Quero-a como cordeiro sacrificial. Sempre que escrevo tenho-a nua querendo-me, de corpo quente e boca húmida.
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É um amor pequenino. Um prado com mimosas. Nele me estico e adormeço, acordo saciado e penso morrer. Queira um dia o consiga, partilhando os mesmos lençóis.

As papoilas

Espero que tenhas gostado destas flores que não te enviei, por saber que a língua das flores fala duas línguas, a de quem manda e a de quem recebe.
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Mandei-as por a paixão inviável mo determinar. Mandei-as sem ter mandado pela certeza de nunca as desembrulhares com o mesmo sentimento de quem as envia.
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As flores não são um espelho da alma, mas o sussurro dum amante que não sabe o que dizer. Se soubesse não mandaria flores, mas escreveria um bilhete.
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Depois há os dândis, que, à falta de cultura, banalizam qualquer coisa e, por não saberem escrever, mandam rosas. Quem diz dândis, diz outra coisa qualquer que signifique o mesmo acerca de quem é embrulho de qualquer coisa sem relevância.
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As flores que não te mandei não têm grande aroma, porque são de estufa. Se ainda o não fossem talvez tas mandasse.
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Prefiro ir um dia contigo mostrar-te as papoilas e, no meio da vegetação, experimentar a origem do mundo.
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Antes e depois um piquenique que retire a animalidade aos animais que se querem. Um arrebatamento de civilização que se pode fazer com um só copo de vinho. Partida e chegada de compostura. Origem de sorrisos e rubores.
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Se me prometeres vir comigo experimentar a suavidade das ervas e os cantares naturais, prometo oferecer-te flores das verdadeiras, das que cheiram bem e mal, apanhadas à beira da cama onde se faz amor.
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Prometo não contar a ninguém que não sabes o que são papoilas. Só direi que conheces rosas.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Estrelas





















Se me acreditasses quando te digo o que penso das estrelas olharias o céu com outros olhos. Não te prometo a abóbada celeste, mas apenas uma nesga de luz distante. Há dias em que o azul-negro do céu tem mais luz do que um dia de Sol. Basta acreditar numa revelação. A palavra certa levanta um véu invisível e toda a luz possível ilumina o que há para dizer. Tudo mais selo com a certeza de que as estrelas não caem do céu.

A namorada





















Preciso duma namorada com quem não tenha de namorar.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Alma de Sol e chuva





















Alma de Sol e chuva. No ribeiro. As pedras também dormem, mas ao olhar fingem. Entre as ervas verdes e o frio. São seixos, dizem. Às vezes aprisionados em casas sem campo, às vezes secas. São como as águias e as lebres, as pedras. Penso, não juro, que as flores não se chegam perto. Pelo menos as papoilas, não me lembro. Sob as árvores descansa-se bem. Dos pés doridos do andar sobre os seixos, no caminho do banho bravio. No Inverno, com certeza também no Outono, até na Primavera e em alguns dias do Verão, as águas, que lhe vêm, vêm também do céu. Por isso, alma de Sol e chuva. As pedras não mentem; quando estão molhadas, estão mesmo molhadas. Os seixos não choram, mesmo quando aprisionados em casas sem campo, quase sempre secas.

terça-feira, agosto 31, 2010

Sou da carne

Duvido da existência de Deus mesmo quando oro com empenho e verdade. Se há fé que não é cega é a minha. E tantas provas e iluminações depois. Nasci rebelde de espírito, mas facilmente amansável. Teimoso na descrença, estúpido na compreensão. Senti Deus quando o percebi pela lógica. Porém ainda não o sei amar. Deus é uma espécie de parente afastado.
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Não tenho altares sacrificiais. Apesar, sacrifico-me ainda que querendo queimar outrem. Sacerdote empenhado e descrente. Sacerdote comprometido, mas ignorante.
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Sou mais da carne. Tanto que insisto em comê-la, memo sabendo que toda vem dum animal. Não sei de para Deus um animal vale menos do que o homem. Não mato. Mas não condeno quem mata. Infantilmente, chego a desejar uma morte vingadora, mesmo sabendo que a morte não existe. Não mato, mas mato baratas, moscas, formigas e rastejantes de toda a ordem. Será que Deus os ama menos?
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Sou mais da carne. O meu coração ama mulheres. Amo os amigos. Chego até a comover-me com as pessoas. Amo as minhas gatas e os cães, cavalos, texugos… uma data deles, quase todos. Não agrado a Deus quando não os amo a todos. Mas perdoa-me.
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Sou mais da carne. E dos olhos. Mesmo sabendo que há coisas que não se vêem e outras que se vêem e não são verdade. Concordam, crentes, agnósticos e ateus. Porque vi a luz, acredito em Deus. Acredito em Deus porque vi a luz. Duvido porque em mim há negrume.
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A dúvida não abate Deus. A resposta confirma-o. Digo isto porque vi a luz. Mesmo tendo-a visto, duvido. Ainda que ore com muito empenho. Ele perdoa-me.
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Se amo, acredito em Deus. Ainda que se não acredite em Deus, amar é um luzir divino. Pode amar-se sem acreditar em Deus, mas sem amar não se pode acreditar.
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Deus tem a vantagem de ser o criador. De amar todas as suas criaturas. De ninguém o ver. De muita gente o sentir ou acreditar. De ser justo e bom.
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Duvido de Deus não por duvidar da sua bondade ou obra. Porque cada um tem um caminho. Porque muitas são as vidas que nos tornam iguais. Porque diz quem sabe mais. Maravilhosamente mais. Escuto com atenção. Mas sou mais da carne.
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Sou barro a moldar-se. Obra imperfeita porque incompleta. Quando estiver pronto terei fé. Por enquanto, vou orando a Deus, empenhado e duvidante.
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Sou mais da carne. Acredito em belas mulheres deitadas nuas numa praia. Na febre da sedução. Na cegueira do desejo. Sou da carne. Mas sou de Deus.

segunda-feira, agosto 30, 2010

Tímida declaração de amor a uma miúda morena

Para falar verdade, ainda tremo como um adolescente, apesar de morto para a vida que um adolescente deseja. Tremo quando um brilho mínimo alumia meio grão de nada. Tremo por pensar que ainda posso viver qualquer coisa que quis deixar. Sou viciado numa vida que renego. Como um monge, tenho a perversão da abstinência.
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Há dias que os trinta e nove graus à sombra e a luz ao Sol abanam as certezas dum homem. Na indolência própria dos dias de tamanha calma, uma loucura assalta as vontades. Como um incêndio antes de se descontrolar. Há qualquer coisa de cinematográfico num dia assim.
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Não há água de mangueira que acuda, porque o calor está mais dentro do que fora. Não é o coração e talvez nem seja a cabeça. Mas os pulmões e a sua vontade insaciável de respirar. Inalar tudo e sentir o aroma da carne subjacente à pele que se quer tocar.
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Nos dias de estio bruto não são precisas bebidas que escalam cabeças para que a boca diga disparates ou que as mãos os escrevam. Só há tempo para verter segredos, mal escondidos, perante aquela que se quer resguardo.
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Aconteceu-me hoje. Não fossem tão mundanas e terrestres as palavras e teria dito poesia. Não fossem tão cautelosas e tímidas e teria grunhido sexo. Nem uma coisa nem outra nem meio caminho. Apenas uma infantilidade.
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A provar que os mortos estão mortos, mas os que se querem mortos não estão. Sem cilícios, penitencio-me renegando tudo o que lhe disse. Cobarde, sim. Mas com palavras de fora já se não é tão inconsequente. Ainda que este amor não corra como um rio, mas que fique quieto como um lago.
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Afinal também tem a sua beleza. Um amor não correspondido nem accionado. Telepaticamente falhado. Sexualmente imaginado. Nudez de fantasia. Mas nado morto. Havia de ser bonita outra coisa.
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Por estar voluntariamente morto não me choro nem me doou. Não me ardem as feridas que não tenho. Tremo, sim, porque em alguns minutos senti viver. Em loucura de um salto quis novamente voltar a morrer, antes que ela me matasse de amor ou desgosto.

sábado, agosto 28, 2010

Vou sair logo à noite

Não me deixo de recordar dos amanheceres de Junho. Não me deixo de recordar dos amanheceres de Janeiro. A luz clarividente e a púrpura. Alguém me dá as manhãs e eu, agradecido, acordo nelas. Mas prefiro deitar-me, depois de esperar o raiar, brindando a vida, mas recebendo depois em troca a sensação de dia perdido, de luz desperdiçada.
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Hoje acordei num momento ambíguo, nem cedo nem tarde. A aquela que já foi miúda acordou-me e desvaneceu-se ao abrir dos olhos. Logo a mim, que tenho uma cama deprimida e solitária.
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A outra rapariga, a que conheci há dias, não me desperta muito, apesar da sua beleza e escultura. Prova de que olhos de negro profundo e sorriso aberto não são sinónimo de fantasia. Não a quero como mulher nem como objecto.
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Neste tempo em que se percebe a despedida do Verão não há já as esperanças do começo do estio. Tudo é já certeza e a juventude dos dias deu lugar à maturidade das horas. Quendera os amanheceres de Junho.
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Ainda não é amanhã que vou à praia. Custa-me ir tão longe para ter prazer ou tão perto para ter cadinhos. O Sol esgota-se desde que nasce e desde que começam os dias. Nasce, morre e renasce antes de voltar a morrer. Lá para Dezembro é fugidiu, em Junho é magnânimo.
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Tenho uma certa inveja da sua vida. Eu que tenho uma plana e deprimida. O Sol quando tem de se queixar desaparece. Eu tenho que aguentar toda a fraqueza à frente do mundo. Ele resplandece e ninguém repara na minha alegria.
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Espero hoje ter a largueza de ver o luar. O Tejo, sempre o Tejo, à vista ou adivinhação. Que a luz da noite prometa tanto quanto as dos amanheceres de Junho e Janeiro. Logo mais saberei.

sexta-feira, agosto 20, 2010

Meu amor, meu amor

Meu amor, meu amor, estou apaixonado por ti. Um dia vou sorrir das tuas tiradas infelizes e sentir saudades dos teus ciúmes disfarçados.
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Os dias de pensamentos e as noites de acção. Meu amor, como és bela na escuridão e sob o Sol mais luzente, na penumbra e no crepúsculo, ao lusco-fusco, das velas e do entardecer, das manhãs violáceas. Do frio que cortas as manhãs, da chuva que empapa as tardes e de todo o Sol do Verão.
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Sonha comigo, meu amor. Que nos sonhos nunca entardece a vida. Nos sonhos não se dorme nem se desperta. E os beijos vão da pele ao átomo.
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Meu amor, meu amor, que saudades já tenho e ainda não me afastei de ti. Abraçar-te até o meu corpo te absorver e o teu me diluir. Tenho o olhar encadeado e a boca sorrindo pedindo-te mais um beijo. Diga-se o que se disser é como não dizer. Não há palavras certas, só desejos.
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Agora deito-me e junto a mim a tua presença em ausência. O teu corpo sinto-o e abraço-o no ar que sobrevoa a cama. Sonho contigo, porque nos sonhos não se envelhece. Toda uma eternidade para amar. Do princípio até ao acordar.

quarta-feira, agosto 18, 2010

Alma

Fotografia de alma inteira. Uma espécie de ramalhete nas mãos. Tem tudo, corpo espectral de luminescência variável. Não ter medo de se ser só alma, não ter medo de ter perdido o corpo que a ela estava agarrado. Saber correr com o pensamento. Não ser uma pessoa só, ser muitas. Muitos corpos para uma só alma. Não ter medo de dizer, a quem souber ouvir, o que vai na alma. Não ter medo de surgir nas fotografias. Aparecer de corpo inteiro, com o corpo que as almas têm.

segunda-feira, agosto 16, 2010

Antes de deitar

Deus é aquém de alfa e além de ómega, imagino eu. Mas duvido, porque é mais do que uma viagem de circunavegação infinita num alfabeto e mais depois. Duvido, porque Deus é todas as coisas pequenas. E todas as grandes. E as partes pequenas das pequenas. E as grandes das grandes. Duvido, não sei se é tudo, porque tudo é o universo. Sei que não é nada, porque há tudo. Não sei o que é Deus. Sou pequeno para saber, mas sei que é grande para nela caber. Os meus olhos não o vêem, o coração pressente-o e a alma sente-o.

Rio de angústia

É como um rio que nasce e corre, cada vez mais caudaloso. Rio de Inverno, ganhando corpo e força. Perigo de transbordo e afogamento.
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Angústia ao acordar. Às horas úteis do dia. Ao deitar. Até amanhã. Acordar numa vida que não se quer. Ver a chegar a vida que não se quer. Ser quem não se quer. Angústia nas horas mortas, nas horas de sono e em todas as outras horas.
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O corpo sempre em tremor. Um lugar de esconder que não esconde. Um sono que não é eterno. Por que teimam em passar todas as horas em que se dorme? Por que pastam lentas as horas de olhos abertos?
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Rio que corre e traz sedimentos de qualquer coisa que se desconhece. Rio que traz angústias para a esperança. Rio de lágrimas. Rio dos que se querem mortos. Angústia em todas as horas.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Nada por tudo

Invejo os filósofos e os físicos teóricos, não têm de provar nada... e também os escritores que não querem provar nada... e os gastrónomos que querem provar tudo.
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Nota: Como não é nada óbvio, eu explico... mas só uma vez... o quadro chama-se «A lição de filosofia». Ficou giro, não ficou?

O melhor bolo de chocolate do mundo





















Farto-me de rir (irritado q.b.) quando me vêm dizer que a coisa é a melhor do mundo. Perdoo nas conversas informais, mais ou menos sérias. Aprovo na paixão ingénua. No deslumbre da coisa nova. Não tolero no auto-elogio.
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Registar um bolo de chocolate como o melhor do mundo pode ser um bom número de marketing. Mas maior é a parolada de tal afirmação. Só acredita o patego, o crédulo estúpido, o ignorante distraído.
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O «melhor bolo de chocolate do mundo» é banalíssimo, desinteressante, desimaginativo. É uma fraude. É ridículo. É parolo. É estúpido. Nem para saciar a fome de açúcar é competente.
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Podem afirmar ser o melhor bolo de chocolate do mundo, mas não deixará de ser uma acusação injusta e infundada. Prefiro o bolo de chocolate do Pingo Doce.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Amor, do zero ao infinito ou o seu oposto
















Quero desapaixonar-me. Abdico destes tremores e gelatina no abdómen e pensamentos obcecados. Comigo não são borboletas no estômago, são aves brincando no ar.
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Amo ninguém, mas amo. Derramo amor pelos lençóis em que durmo. Sem fazer amor, suo noite fora, desejando uma pessoa inexistente.
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Não amo uma ausente. Amo a infinidade do zero. Sonho com arranjos florais sem destino. Enlevo-me com todos os olhares de doçura. Os toques suaves de pele, os silêncios de encantamento.
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Deitar fora todo este temor. Abandonar todo este tremor. Estou capaz de cortar os pulsos por desassossego. Não aguento os suores, as esperas, as efabulações, os receios, os desejos, as angústias, as horas, os sonos, os sonhos, os momentos felizes passados, os momentos felizes por vir, a primeira noite, a outra a seguir, e a outra, e a outra e a outra.
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Há quem ame e não seja correspondido. Há quem deseje. Há quem seja correspondido no amor. E na paixão. Há os que amam viúvos. Há os que amam fantasmas de pessoas vivas. Amo ninguém. Desejo ninguém. Mas, mesmo assim, amo.
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Amo de loucura como todos os apaixonados. Fervilha-me o sangue e sinto ansiedade pelo momento em que, por fim, estaremos juntos. Não tenho paixão física. Nem tão pouco espiritual. Não tenho enlevo intelectual. Paixão: infinito ama zero. Zero não pode amar infinito.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Derrame

Derramado, luto para que as próximas horas não sejam a dormir. Preguiçoso ou cansado, demoro-me pendente de alguma coisa que quero que aconteça, mas que não tenho coragem para fazer acontecer. Como se estivesse muito bêbedo.
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Muito bêbedo, deitado, abraçado pelo colchão. Os sapatos tirados a sopapo com os pés. As calças abertas para saírem, mas ainda a meio-rabo, pesado como um hipopótamo. A camisa aberta, sem sair, esmagada pelo torso. Os óculos esquecidos algures, ao alcance duma das mãos, que não se sabe qual. Duas mãos, duas pernas, quatro membros, nenhum se move com o outro. Movimentos independentes. A cabeça desencaixada.
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Como se estivesse muito bêbedo, debruçado sobre uma almofada quente, quase a escaldar, mas donde não se sai. Esforço. O esforço de não fazer esforço de sair de tamanha letargia.
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Há esperança num objectivo. Algo que convença a cumprir a vontade de cortar a dormência e anular horas de sono de tédio e ócio. Que objectivo? Vontade de dormir sobre o assunto. Decisão sempre adiada.
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Não pensar mais. Um longo suspiro e um gesto brusco, como um salto suicida. Levantar. Upa! Já está. Já não há corpo debruçado no parapeito da preguiça.
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Momento indeciso. Pendente. Balanceado. Cai, não cai. Para a frente não cai. Ânimo. Vitória. Orgulho. Descanso. Cair para trás.
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Derramado, caído por terra num leito. Desejo que as próximas horas de ócio não sejam de dormir nem de tédio. Como se estivesse muito bêbedo. Duas mãos, duas pernas, quatro membros, nenhum se move com o outro. Movimentos independentes. A cabeça desencaixada.

terça-feira, agosto 03, 2010

A ilha





















Só mais além. Acabou-se. O destino só não tem fim, porque sempre se pode voltar para trás. Ter coragem para ficar, ter coragem para retroceder. Se ficar não tem futuro, voltar só tem passado. Para além, nada mais.
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Precipício e eu sem asas. Um monte alto, escarpado, ilha agreste. Tanto faz silêncio, tanto faz vento. À volta, o mesmo céu mais que negro ou o Sol matador. O mar revolto, armadilha para corajosos. De lá não se volta.
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Nem frio nem calor, mas solidão. Dias de diálogos de mim para comigo. Noites agitadas de ansiedade. Pequeno demais para ser um reino, de um homem só. Agulha de vento rodeada de nostalgia a toda a volta. Ilha dos medos e das certezas.
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Além desta circunferência tosca não há nada. A esperança é o sonho, a realidade é de vento, granito e salpicos de sal. Voltar, só para o centro deste reino de um homem só. Para além, nada mais.

sexta-feira, julho 30, 2010

Tempo de calor. Calor de tempo.

Nem este calor detém o tempo. As chamas invisíveis do Verão não vão além da pele, mas quendera me consumissem a alma até à existência.
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Os amores antigos já foram verdes e maduros, já caíram no chão, apodreceram e foram hoje seiva nova. Em árvore velha não nascem frutos.
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Queria que o tempo parasse até que fosse tempo de tempo novo. Vida em suspensão, na ânsia de um beijo volátil, com toda a beleza do que é efémero.
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E se só eu parasse, expectante e curioso, suspenso também no ar, a ver a vida em trezentos e sessenta graus, com seus degraus, correrias, arrelias e sorrisos, noites de tudo e dias de nada?
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E se eu parasse, por um instante, inquieto com a não paragem do tempo? Que doces frutos poderia então trincar. Entre o maduro e o verde, vivos de água. Sem culpa, respiraria.

sexta-feira, julho 23, 2010

O arbusto





















Se não sou de ferro é porque suo. Mas suando tanto não chegarei a ser, um dia, de ferro. Serei erva alta que se dobra com o vento, que espero não se vergue, mas apenas dobre. Não serei árvore, que é dura como um castelo, mas se quebra. Não quero ser arbusto, forma mínima de ser árvore, que se verga e quebra. Quero ser cabelo que voa pendurado ou nada dançando. Ou nada. Nada disto. Não ser nada, não existir: sem vergar nem balançar nem ir nem ficar. Pairar no éter como uma medusa, coisa entre o vivo e o não vivo. Entre o fantasma e o médium. Ser de plasma e alma de sentimentos e sem perdas. Entre o vivo e o não vivo.

domingo, julho 18, 2010

Esperança de estar quase a brindar





















Não há como. Seja Verão ou quaisquer outros dias, não vejo o momento em que possa voltar a beijar as águas tranquilas de sono e vida. Se agora algum Sol entra pela minha janela, não esqueço que o céu está ainda escuro e que são precisos muitos dias soalheiros para que me sequem as lágrimas. Ainda assim, tudo é ainda uma esperança, que espero não seja mais uma que se vai numa chuvada súbita. Muitas luas de tristeza, de sonhos acordados e outros desejos. Muitas horas numa sauna a pensar nos dias que se querem de abundância e na felicidade que o dinheiro pode comprar. Espero que este Sol fique como o Verão e perdure por longos dias longos. Que venham mais dias e dias e dias de felizes horas, em que possa ter mais do que pão.

sábado, julho 17, 2010

Mãozinhas

Deviam de me dar umas mãozinhas de madeira, para pôr nas outras mãos, para que não escrevesse nada que não devesse ser escrito, ou que, se escrevesse, não escrevesse, ou que, se escrevesse, não tivesse escrito.

sexta-feira, julho 09, 2010

domingo, julho 04, 2010

Sexo oral


Parece-me que não há palavra bonita para uma coisa tão boa. Mesmo quando mal feita, essa «coisa» é prazenteira, como o sexo oral… aquele em que uma boca abocanha, cabeça e corpo da piça... não sei se se escreve piça ou pissa, mas a coisinha é a mesma e, neste termo, refere-se normalmente ao seu estado erecto.
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Mas o que chamar? Broche é barrasco, tipo cuspir no chão. Mamada não é menos, é alarvidade leitosa. Chupada, acho que nem ouvi, mas padece de falta de gentileza.
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Felácio é uma intelectualização, uma evocação do termo latim – duvido que um professor de latim o diga ou uma académica o faça usando tal palavra. Mesmo querendo ler um livro enquanto o fazem, o alegre beneficiário não conseguirá concentrar-se nas letras ou na boca que lhe torna a piça em chupa-chupa. Não passará de pesporrência intelectualóide:
- Querida faz-me um felácio…
Ou melhor:
- Faça-me um felácio.
Mal se pronunciasse o vocábulo, a parceira perderia toda a tesão para fazer, caso não rebentasse a rir ou a chorar.
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Tomás Taveira, no seu impagável vídeo de final da década de oitenta ou início de noventa do século passado, falava ao telefone enquanto lhe faziam a pregadeira. A avaliar pelas imagens e pelo tom de voz, ou não estava a gostar do que lhe estavam a fazer ou não estava a ligar grande coisa ao brochedo e à chamada.
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A propósito de chamada, no caso a propósito da chamada de Tomás Taveira, há quem lhe chame chamada para Tóquio. A expressão não evoca nada de oriental, mas lembra um título de filme… imaginem um filme negro, com Humphrey Bogart, chamado «Chamada para Tóquio». Parece-me plausível.
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Mesmo pensando num idioma que não é o meu, a coisa não é fácil… blowjob… blowjob? Trabalhinho de soprar? Trabalho de operário vidreiro. Pipe em francês, cachimbo?
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Voltando à língua de Luís de Camões, de Fernando Pessoa e de Herberto Hélder… Quanto a bico… bico? Fruto do aguçar da glande? Coisa piramidal? Angulosa e fria? Bico, não. Não pode. Além de não ter, à primeira vista, grande lógica.
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O tanas, é que não tem grande lógica. Os linguistas que o dizem nunca pensaram na arte da mamada, do broche, da chupada, da chamada para Tóquio, da pregadeira e do bico. Pensemos um pouco: Em galego, nossa língua ou nossa língua-avó, conforme preferirem, bico quer dizer beijo. Ora, o que é uma mamada do que um valente, guloso, sensual e prolongado beijo? Para mim, bico ainda é a melhor solução.
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Mesmo assim, não há palavra ou expressão que diga tão bem o bom prazer. Há falta de melhor, uso as palavras todas em forma de pedido. Já ia um!

quinta-feira, julho 01, 2010

Gata, gatinha, canalha, que não voltas




















Tive uma namorada, nos dias mais fáceis, que era uma gata. Por causa dos olhos verdes, pela expressão serena e inteligente, pelo maneirar gato, em imitação perfeita dos seus banhos, pelo desapego sentimental aparente. Um dia abri-lhe a janela e saiu com a natural leveza das patinhas. Não lhe perguntei onde ia nem se voltava. Como gato livre, foi-se pelos telhados. À Lua viverá, sem dúvida, enquanto eu fico no beiral frente ao vento na esperança de ver o seu salto delgado e ágil. Como gato que abandona o dono, a minha gata já nem olha para mim.

terça-feira, junho 22, 2010

Vento-jasmim


Tenho a cabeça cheia de vento e deles vem o aroma de árvores-jasmim. Serão umas quatro da tarde e há quietude nas ruas orientais da cidade. O Tejo espreita atrás das casas seguintes e os comboios de Santa Apolónia sossegaram-se por momentos. Lembro-me de alguma coisa que não sei definir. É uma sensação de qualquer coisa que não sei dizer. Não é aperto nem absolvição. Serão palavras, certamente serão palavras. Palavras que me querem dizer coisas, mas que não oiço ou não entendo. O vento que tenho na cabeça leva-as e traz-me o cheiro do jasmim.

Alemanha





















As luzes da Alemanha a chegar à velocidade possível dum bus. A Alemanha presente do ataque de fúria e auto-comiseração num apartamento de Essen. A Alemanha quase toda na torre mineira de Bochum. A Alemanha toda vista sob a catedral de Colónia. As saudades que tenho tuas são maiores do que todos os ciúmes que tivemos um do outro.

Ir desta

Deve-se morrer devagarinho, não se vá tropeçar e tombar, batendo com a cabeça e chegar morto ao outro lado.
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Nota: Esta pintura chama-se «Nunca viajo, só sonho».

sexta-feira, junho 11, 2010

Factos e certezas

Aos dez anos sonhava. Não em ser astronauta, mas ser qualquer coisa feliz. Aos vinte tinha traçado o destino e estava feliz. Aos trinta já não tinha ânimo para mudar de vida e ainda acreditava na felicidade, já ausente. Aos quarenta tornei-me cínico, desacreditando que a minha vida possa um dia ser feliz. Aos cinquenta estarei bêbado. Aos sessenta ficarei amargo, confirmando as certezas dos quarenta. Aos setenta continuo a pensar na morte e na inglória. Aos oitenta estarei resignado ao falanço da vida. Aos cem espero já cá não andar, sob pena de maior catástrofe.

quarta-feira, junho 02, 2010

Peso

Sob a bebedeira, abro os braços e deixo cair todo o peso e sensualidade. Na cama, sobre mim. Se isto se prolongasse ligar-te-ia amanhã pela manhã. Como é loucura passageira, desgraço tudo com prematuras juras e promessas.

segunda-feira, maio 31, 2010

Verão





















Agora as árvores têm os braços abertos. O azul celeste não esconde o pouco vento atropelado pelo calor.
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É tempo dos amores, ou das paixões, melhor dizendo.
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Numa sombra derramo para dentro a limonada, a mais desejada. Logo irei estar feliz por este momento. Prolongamento feliz da visão, do que ficará na memória. Esta sombra é o ócio, o tempo com tempo para ser tempo. É dádiva de deuses pagãos.
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Tardes destas são as terras mediterrânicas, das oliveiras e das figueiras. O vinho para o entardecer suave e ébrio.
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Reza-se pelos amores que hão-de vir. Reza-se pelos que foram.
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À sombra, com uma limonada, aguarda-se, sem pressa, a noite quente, dos terraços e das praças. O pôr-do-sol diante dos olhos e os dias longos. A fauna em festa dia fora. Tempo de felicidade.

domingo, maio 23, 2010

O amor é complicado

Mesmo que o amor fosse espelho, a esquerda de um seria sempre a direita do outro. Não há hipótese, nunca se é igual. Por isso, por vezes, o amor acaba. Por isso, por vezes, um amor começa. O amor é complicado.

Capacidade de amar

Sei que vai parecer estúpido ou inteligente, em sentido literal. Parecer burlesco ou deprimente, quando deduzido. Lamechas ou arrogante, conforme se quiser. Piroso ou tocante… Mas vou escrever à mesma.
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Gosto de pessoas. Como poderia não gostar de pessoas? Paternalismo? Soberba? Um afecto que me esburaca por dentro quando me comovo. Comovo-me com facilidade. Dizia-me uma namorada que eu sou uma mimosa, forma mais imaginativa de flor de estufa. Não sou sentimentalão, sou sensível.
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Estava eu no Facebook e vi uma fotografia, de alguém que não conheço, e senti vontade de conhecer. Porque me pareceu ser bom homem. Porque atrás daquela fotografia tem quem o ame. Quem não o ame. Tem sonhos e tristezas. Alegrias e enganos. Já foi mais novo e não se sabe até quantos chegará.
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Gosto tanto da espécie humana como, às vezes, a odeio e mostro profundo desprezo. Mas amo. Porque não se pode viver sem amar: as pessoas, os animais, a vida, as flores, as grandes árvores… tudo pode ser amado. Digo que amo tudo, até o que não amo. Esquizofrénico, ambidestro mental.
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Odeio o mal que há nas pessoas. Repudio a mesquinhez, a soberba, a falta de princípios, a boçalidade… mas não deixo de gostar das pessoas. É amor e não paixão. Não é um amor grande como o de Cristo. Mas é amor.
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Tenho amor ao mesmo tempo que tenho desavenças, intrigas, sofrimento, pânico, depressão, cinismo, hipocrisia, mentira, premonição, predefinição, preconceito, interesseirismo. Tenho essas coisas todas e mais outras que não me ocorrem.
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Gosto das pessoas. A velhice dá-me ternura, apesar de saber que um velho não é sinónimo de boa pessoa. Gosto da maternidade. Gosto da paternidade. Gosto da irmandade. Gosto da amizade. Alegro-me com os sorrisos, mesmo quando estou triste e, até mesmo, com lágrimas. Revolto-me com muitas coisas, mas quase nunca ajo… muitas vezes para, depois, não me comover mais. A infância dá-me ternura, pelos olhares do progenitores, familiares, amigos e todas esperanças, embora saiba que muitas criancinhas serão, um dia, filhos da puta.
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Não há amizade interesseira. Ou há amizade ou não há amizade. Pode haver traição, acabando ou fazendo perigar a amizade… mas interesseirismo não combina com amizade, são antónimos.
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Tenho medo da doença. Afligem-me os doentes, enterneço-me com a morte. Não uso luto. Razão provável da minha dificuldade em fazer o luto dos amores passados e da amizade que deixou de o ser. Quero amar toda a gente, ser amigo de todos… acredito que é possível. Sou mortal e pecador, longe da angelitude, longíssimo de Cristo… a muitas eternidades de Deus.
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Amo todas as minhas ex-namoradas. Não deixo de amar nenhuma. Estão todas arrumadas na sua gaveta. Como estão os amigos. Quando as recordo sinto todos os bons momentos que tivemos e aí volto a ama-las. Depois distraio-me com qualquer coisa e volto a não amar ninguém.
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Também amo os animais, a comida que me alimenta e o vinho que me alegra. Há o amor maior de todos que é o da mãe… que é tão grande quanto o de sua mãe, porque era mãe da mãe. De lá para cá, há a reciprocidade da parentela. De lá para cá há o amor de Cristo que é maior do que o dos homens, que ama mais do que o amamos. Há ainda o amor de Deus, que é maior que o amor maior de todos.
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Ainda não estou em momento em que pense na minha salvação. Deixo que outros sejam anjos e conformo-me com a minha mundanidade, com o tamanho pequenino da minha alma. Preocupo-me ainda mais com o corpo do que com a alma. Mas amo, já sou capaz de amar e amo muito, amo muitos e quero amar mais.

Que caminho seguir?

O destino é um livro escrito por nós. Confesso que dou muitos erros ortográficos e faço muitos enganos gramaticais.

terça-feira, maio 18, 2010

quarta-feira, maio 12, 2010

Quando deixei de rezar não me senti mais só. Quando deixei de rezar foi por uma revolta por Deus não me dar o que quero. Deixei porque todo o egoísmo pode caber numa oração. Porque toda a gratidão deve existir nas palavras da fé.
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Quando deixei de rezar não me orgulhei disso. Apenas abandonei Deus, como ele nunca mo fez. Abandonei-me, pois. Deixei de pedir, porque não vi satisfeitas as minhas preces de pedinte.
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Na verdade, sou um homem de pouca fé e muito egoísmo. Por orgulho deixei de pedir até aquilo que todos desejamos… o amor, a saúde e a amizade. Já agradecimentos, pouco os fiz.
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Sou um homem de pouca fé. Sou um ateu dentro dum crente. Ou um ateu crente. Agnóstico sei que não. Porque o meu umbigo é o centro de todo o universo e os meus pedidos ordens.
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Deixei-me em pausa com Deus, mesmo sabendo que me ama. Merdifico todas as relações, corroo todas as teias. Como um lacrau que não resiste a picar-se, matando-se. Assim, mato-me aos poucos, estrago o que me dão, mas exijo ainda mais.
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Incinero-me nas chamas dos pecados, por um gozo estúpido que não gosto e digo não desejar. É um impulso forte para o salto sem rede sobre o precipício. Vontade suicidária, antecedendo o choro e a auto-comiseração ingrata, laudatória e cínica.
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Sou um poço de negrume, fantasma deambulando no Purgatório, desejando o Inferno. Não pertenço a nenhum lugar. Quero-os todos e desisto. Deus dar-me-ia o consolo e o equilíbrio, mas como um lacrau, suicido-me... aos poucos.

terça-feira, abril 27, 2010

Quietude

A fonte dos enganos tem água límpida, disfarça-se melhor na transparência. A água que brota em sobressaltos é mais justa do que a tranquila, porque não se deixa morrer nem desmaia, desistente. Luta, porque tem de viver. Beija-se melhor na companhia do borbulhar do que na pasmaceira e do chilrear pequenino. Mas sou cinzento e quieto, descuidado desfaleço, aprontando a morte na tristeza dos nevoeiros. Não beijo, apenas junto dos lábios e humedeço os outros.

Fonte temperada





















Numa fonte de temperada Primavera, deixo-te em segredo as palavras que sempre te quis dizer. Nada de muito complicado, a simplicidade das coisas grandes, os afectos de todos os dias. Palavras por embrulhar, depositadas apenas nos seixos que orlam a água limpa, brilhante. Doces, de atrair os pássaros. Doces que os pássaros bicam, mas não comem. Em segredo deixo-te poucas palavras, que conhecerás a minha revelação no primeiro instante em que as leias.

sábado, abril 17, 2010

Até já

Nada a dizer. Nada a acrescentar. A minha voz está muda e os meus ouvidos tapados. Prometo voltar. Até lá vou contando dias e horas de tédio. Juro que prometo jurar amor eterno. E fidelidade absoluta.

quinta-feira, abril 08, 2010

Como o Mondego

O meu pai ensinou-me que se chamava bazófias ao Mondego. No Inverno é caudaloso, mas tímido e magro no Verão. Assim estou eu na paciência escrita, nas ideias, no esforço... magro como o Mondego.