digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

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sábado, outubro 10, 2015

Tiro

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Tiro no coração directo à cabeça. Nu no palco dum teatro barroco completo de fantasmas boquiabertos sardónicos incrédulos vingados. As pesadas flanelas de azul lindo, pleonasmo, de cena orlado de retorcidos dourados sem se fecharem nem pano de encarno-escuro escarlate de tensão e tragédia cair. Diante cair e não cair no fosso da orquestra que ausente tocava uma solene e melancólica sinfonia te Deum réquiem e desejava sinos de finados onde já não estivesse senão o corpo. Uma procissão de almas de negrume segurando tochas como estrela polar dando passos cinzentos-negros no silêncio molhado outonal e basaltos luzentes, num cantochão para o defunto nu no palco dum teatro barroco.

domingo, maio 18, 2014

Não diga quem não sabe

Os poetas não sabem dizer poesia.
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Os poetas não sabem dizer poesia.
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Repitam todos comigo:
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- Os poetas não sabem dizer poesia.
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Modelos não são actores.
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Os actores nem sempre sabem dizer poesia.
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Poesia é difícil.
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A poesia é difícil de ouvir fora da voz interior.
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A poesia às vezes é difícil de ouvir pelo que diz.
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A poesia às vezes é ainda mais difícil pelo que sugere.
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Os poetas não deviam destruir o que escrevem.
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Os poetas deviam resistir ao apelo do pecado do brilho da voz.
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Os poetas fazem poesia.
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Os sapateiros consertam sapatos.
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Nota 1: Vem isto a propósito das declamações de José Luís Peixoto no sítio do Jornal de Notícias. É clicar aqui para se ouvir. É doloroso. Dá vergonha alheia. Não me pronuncio pela qualidade dos poemas.
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Nota 2: Todas as excepções têm regras, tal como as regras têm excepções. Façam o favor de pôr em marcha o não-vídeo, em que o que talvez seja o maior poeta português vivo pronuncia com toda a alma e conteúdo o seu poema. O bicho-do-mato Herberto Helder, no poema «A minha cabeça estremece», completado com a música de Rodrigo Leão - não é ilustração ou acompanhamento, não é poema musicado, é uma obra de arte feita por dois artistas de ofícios diferentes.
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domingo, novembro 08, 2009

Casa de luz tão triste



Casa de luz tão triste. Chuva tão triste lá fora. Corações cinzentos. Duas solidões. A memória dum tempo que se não viveu. Há muitos anos, há muitos anos. Cinquenta anos de vida cinzenta, de nuvens escuras e fotografias sem vento.
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Casa de luz tão triste. Duas vidas numa mesma cidade. Lago de lágrimas contidas na fonte, o coração encharcado. Pensamento em repetição circular. Mãos de desejo. Mãos esquivas.
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Chuva tão triste lá fora. Quarto tão pesado. Luz tão escura. Frio húmido. Solidão tão seca. Memória fúnebre. Amor tão vivo. Amor desolado. Adormecer para enganar a dor. Acordar para matar a ânsia.
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Casa de chuva. Ar pesado. Luz fúnebre. Quarto sem retorno. Passos sem volta. Memória sem avanço. Armazém de tristeza.
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Janela sem vista. Luz tão mole. Coração de subcave. Vida de subcave. Luz de subcave. Amor sepultado vivo. Cadáver sem odor. Desfalecimento interrompido. Amor suicidado.