digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, maio 30, 2019


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É a esquina, a paragem para a vista e conhecer que as estradas são rios e o caminho obrigatório não é das marés e das correntes, é do que tem de ser.
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O resto são o beijo da chegada e o abraço da partida. Tanto faz.

quarta-feira, maio 29, 2019

Dela cair


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Bebi do copo na fonte e da boca e deixei-me molhar no tempo dela cair e da geada se formar.
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As pedras cinzentas banais do coração molhado são-me do que quiserem e não as querendo.
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A água é ponte daqui lágrima e dali vida.
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Se a água é parda e o pesar manda por si.

Gatos porque os vi ao Sol


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Um dia voltarias, assim o Verão chegasse no minuto quando entra a primeira brisa levando as cortinas de finura translúcida e o gato a recolher-se como doutra vez igual ou diferente.
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Falavas-me da Lua e dos gatos, das Luanas e da Lua, das Lunas e da Lua e dos gatos da Lua, como todos os gatos.
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Sabes como sei da luz e dos incensos, da magia mística junta a folhas de plantas esquisitas e outras, acolhidas nas caixas de madeira e embutidos de osso, não escondidas e sim recatadas.
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Sabes dos cheiros do que não fumámos.
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Sei desse ímpeto, coisa de bichinho perfurador e hoje sei explicar como sabia e ainda. Recordo-me da minha sombra na areia e do frango junto à estrada da volta.
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Dos gatos tibetanos bebendo nas taças e a luz forçando as cortinas na entrada com o vento nas tardes infinitas até às noites.
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Como breve se foi sem nada ficado como os gatos na luz e no luar. Sem te amar foste e no ficares foste amada. Saíste como chegaste como os gatos do telhado à luz e ao luar e ainda mesmo nas casas.
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Sabia que voltarias sem que te amasse e esquecida me lembrasses dos gatos, da Lua, das Luanas e das Lunas, das taças tibetanas, dos incensos e disso tudo que unidos nos separaram.
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Não por isso e ficamos assim numa sombra na praia, estéreis.
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Estéreis mudos esquecidos por só por lembrar se lembra, estéreis. Se não ficou foi para não ficar, só centelha por causa de ver um gato ao Sol.

terça-feira, maio 07, 2019

No Museu de Santo António


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O meu pai não pintou muito temas religiosos, quase nada. Talvez por ser lisboeta ou por ser do mundo, Santo António ficou bem no coração do mestre e este é um dos raros trabalhos nesta temática.
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Hoje libertei esta pintura a petróleo, que encontrou casa no Museu de Santo António. Situado junto à Sé Patriarcal de Lisboa, é uma reunião pequenina, tratada com rigor e agrado. Quem quiser pode ser rápido ou demorar-se.
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Agradeço a disponibilidade e o acolhimento de Pedro Teutónio Pereira, responsável pelo Museu de Santo António.
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Nota: A fraca qualidade da imagem não se deve ao pintor, mas ao fotógrafo (eu).

Estrela da Sé, por causa do Santo António


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Comi a melhor musse de chocolate. Quase aos cinquenta, o doce das crianças é-me, sem qualquer memória daquela, qualquer coisa que, não o sendo, é luz, por falta duma banal palavra – acontece falhar um termo no conceito-língua. Como pude esperar. Aguardei porque há o dom da ignorância e do privilégio do conhecimento.
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Não pergunto, sou claro: como pude esperar. Graças – a quem ou quê, na falta doutra coisa-ser – ao dom da ignorância e do privilégio do conhecimento.
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O resto já sabia. É comida do sempre, da Lisboa do meu pai – a minha mãe não é daqui. Dá tanto trabalho explicar, muito mais do que dizer. Vagamente, guardando por pirraça, sedução ou impaciência.
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Se não sabem, leiam a cidade inexistente – ainda antes dos turistas a ocuparem –, passem os olhos pelas ruas fixadas na verdade das fotografias e na infidelidade dos traços.
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Se não sabem é porque foram morrendo, movendo-se para a borda da terra e sem vergonha de perderem a aldeia da foz do Tejo – todas as aldeias definham, assim Lisboa.
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Perto da Sé, só não conhece o milagre da sobrevivência quem não olha para cima nem para baixo, apenasmente para uma coisa qualquer que nos livrinhos e cibernáticos se lêem.
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A Estrela da Sé existe, não está escondida, não foi devassada e é uma verdade, porque não é quem não é. Não finge o passado nem se nega a qualquer vento de feição que possa soprar para a tal-coisa-que-preguiçosamente-se-chamará-luz.
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Há as ceboladas, os bacalhaus, as veganices e a musse de chocolate.
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A musse tem segredo à vista como a casa de pasto. Não se esconde nem se exibe. Só não vê quem.
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A Estrela da Sé é o que é e tenho a certeza de quem ama o que faz – e com a chave da porta da mina de ouro – é fiel, não se vai embora, porque pertence à cidade.
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Só quem não leu a cidade pode incompreender.
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Nota 1: voltei hoje ao Estrela da Sé, por milagre de Santo António, taumaturco com o menino que o meu pai pintou e ficou para o Museu de Santo António – ali juntinho à Sé Patriarcal de Lisboa.
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Nota 2: A qualidade da imagem é péssima, não por culpa do pintor, mas do fotógrafo (eu).
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Espelho

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Se voltasse voltava para não voltar a sentir-me assim como me sinto, volta-não-volta, por me voltarem, à cabeça, dias que estraguei.
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Que vergonha!
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Como me posso vestir sem ver ao espelho? Como me posso ver com a memória? Porque, não há volta a dar. Como me posso vestir sem ver ao espelho. Como me posso ver com a memória.
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Disso tudo, saboreio as canções. Do resto.
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Resta-me saber o bom e entristecer do mal.
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Sinceramente, não se ralam – quase certezo.
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Sei, lembro-me e envergonhado.
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Não há volta a dar.