digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, julho 31, 2008

Enfim, angústia (5)

Tempo de ir. Acertar as horas com o Sol. Franzir os olhos e deixar que venha a memória das tardes antigas, de quando se era criança. Lembrar o pai que não partiu como se tivesse partido. Ternura. Todos os abraços e beijos que se não deram. Despedida precoce. Enfim, angústia.


Nota: Sim, a pintura é pirosíssima, mas lembra-me um amigo de infância que tinha um cartaz dela no quarto. Enfim, angústia.

Enfim, angústia (4)

É fim de Julho sem saber o que fazer à vida nem o que esperar de Agosto. Não ter horizonte de vida e apenas uma projecção duma precoce velhice. Há temores pela doença, mas ainda a vontade de sono eterno, até ao dia último.
Ser um cristo ausente da cruz, distante do dom e de bondade ausente. É fim de Julho e o céu não diz nada. O ego projecta importância que se não tem. Solidão das tardes findas, do chá por tomar. Solidão das tardes limpas.
No fim do dia, a mesma tarde, todos os dias. Não no tempo, mas no tempo que se faz. Enfim, angústia.

quarta-feira, julho 30, 2008

Enfim, angústia (3)

Não ter o que fazer. Os olhos voltados para o passado por não se ter ninguém a quem a amar. Desperdício de tempo a viver. Desejo de sono. Profundidade de sono. Intemporalidade de sono. Triste acordar. Enfim, angústia.

Enfim, angústia (2)

Estar entre poetas. Junto da razão fingida de sentimento. A soberba ou o receio de humilhação. Depois da síntese, o poema. Nem anjo nem demónio, o poeta. O poeta é só. Enfim, angústia.

Enfim, angústia (1)





















Estar entre portas. Entre o passado e o futuro. A certeza e o desejo. O salto ou o remorso. Depois da síntese, a hesitação. Nem anjo nem demónio podem saber, só o mesmo pode decidir. Enfim, angústia.

domingo, julho 27, 2008

Aforismos

O aforismo faz-se com palavras que saem pela boca afora.

A minha voz















A voz vai além de mim. Vou além do corpo. Vou acima de mim. Sonho acima da vida. Ouço-me como se fosse outro. Vejo-me no lugar do outro. Sinto-me em mim e fora da carne. Não sei o que fazer da vida. Não sei o que fazer de mim. Estou sem voz.

Poeiras

Na minha vida há poeiras doutras vidas. Resta-me a erosão dos meus amores. Tudo somado amo alguém indefinível. Amo quem não existe.

Visível

Desapareci e, contudo, não deixei de me ver. A meus olhos sou o inverso do invisível.

Noite e dia

Em todas as manhãs desejo a noite. Em todas as noites desenho a noite. Em todos os sonos desejo o sono. E nos sonhos desejo o sono. No sono não desejo sonhos. Sonhar é para de dia.

Meia vida

Saí a voar, a meio caminho da queda. O meu pairar só depois do sonho. O sonho de voar. Cair do sonho abaixo. Tenho uma vida de meia vida e sonhos para vida e meia.

Velocidade

Mais rápido do que a luz é o pensamento, mais veloz só a vontade de Deus.

Esperança

Deixo-te cem palavras em herança. Na verdade, só uma, repetida à centena. Amor. Assim repetidas, deixo-te sem palavras. Espero.

Coração

O coração é o músculo do sofrimento. Por amor. Por viver, porque viver é triste. O amor é triste.

Hãmor

Hãmor é um amor que ninguém percebe.

Amor sem préstimo

Ninguém aprova o meu amor por ti. Nem mesmo eu.

Grandes amores

O grande amor vem antes da morte, cura-se com suicídio ou com um tiro certeiro no outro.

Tempos

O amor mede-se em meses e anos, a zanga em dias e a ira em minutos.

sexta-feira, julho 25, 2008

O quarto

Era talvez o tempo em que os ossos estão lá fora ao frio e a carne quente na cama. Era talvez o tempo de Inverno calmo, na cama macia e na solidão. Foi talvez nesses instantes de perene paralisação que se pensou pela primeira vez na vida depois. Depois do dia, depois das horas, depois de tudo o que se conhece, depois do que se espera nunca acontecer.
A cama tinha vista para a janela. A janela não tinha vista para mais do que uma triste rua de pedras molhadas. Nem azul nem verde. Não havia rio nem montanhas, mas um sossego incomodativo. Todavia, os olhos não iam além dos lençóis e cobertores. Havia a rádio a passar músicas introspectivas.
Nunca depois da vida. Nunca antes da vida. As palavras todas por dizer. Não havia a quem dizer. Não havia por que dizer. Se houvesse uma pessoa na rua talvez tivesse valido a pena levantar e falar-lhe da janela. O soalho de madeira corrida não conheceu os passos. A mesma inércia.
A mesma inércia por tempo indefinido. Até ao momento, quiçá distante, em que se acordou longe do céu nublado e já com os pés de fora, prontos para pisar. O quarto de tédio chegara ao fim.

quarta-feira, julho 16, 2008

Volta

Todos as viagens têm uma volta. Os dias voltam. Voltam passos, voltam vidas. Mas, por favor, não vás já, que ainda não voltei a ter coragem para dizer o quanto gosto de ti e quanto sentirei a tua falta se voltares, para lá.

Sina

Todas as linhas da minha mão decaem. Um mar de futuro sem passado. Porque, os dias estão tão diferentes que não sei se o meu futuro pertence à mesma vida que o meu passado.

Folhos

Consigo produzir frases piores do que vindo do intestino. Tenho nos folhos do cérebro uma incrível parecença com as contracurvas da tripa. Só isso explica a fraca qualidade do que aqui se lê.

Tourada

Um avança para todos. Todos têm medo. Como numa tourada. Virilidade e sagesa. O touro é o mais poderoso. Aplaudir.

Brisa

Tenho a vida colada a mim e não estou colado a nada. Pairo entre mim e o espaço vago. Que a brisa me vá levando e não me deixe cair.

Fugir

Fugir é o meu verbo. Para não fugir da vida, ir contra a morte, fujo para o ermitério. Do ermitério fujo por entrar em mim. Do coro fujo por não me ouvir a mim. Fujo de nada, só de mim.

A chama

Que a Luz me ilumine para que possa eu iluminar o papel. Não tenho papel nem luz, tenho a chama que as solicita, a dor. Chamamento.

quinta-feira, julho 03, 2008

Na cozinha





















A curiosidade morde e tenho medo do que posso comer. Escondo a personalidade atrás dos ingredientes e envergonhado tapo-me curioso. Se estou nos meus cozinhados, dou-me a todos; que me provem e saibam quem sou. Estou com o colestrol elevado e nem por isso ganho medo, porque medo só de me descobrirem numa cozinha sem todos os apetrechos. Preciso de tralha para que possa pôr toda a minha tralha e a possa servir.

Dúvida íntima

Estou confuso porque tenho uma vida numa confusão ou tenho a vida confusa porque sou confuso?