digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sábado, julho 29, 2017

Os círculos desenham-se à mão

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Pode um homem de quarenta e sete anos enternecer-se? Não se diga que há uma criança em nós, não é verdade – só quando chorar é inevitável e há gente a ver.
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Não me sinto o Rei que perde o reino. Sinto-me o condenado quando pode, para sempre, ter sol. Foram oitenta e dois anos e três meses e finalmente se fecha a porta, não da casa, mas da família ao sítio.
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As casas têm felicidade e sombras. Aquela pesa em tantos e em mim. Para mostrar diria a minha vida toda, que levaria igual tempo a falar.
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Só antevendo uma meta se compreende circular, linha que não se faz num dia. Finalmente tomei o meu último duche, depois tirei as loiças e recolhi as roupas – últimas peças de intimidade.
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Não choro mortos e alegro-me com os reencontros, venham desta vida ou regressem da morte – no reaver daquela forma de bater do coração, difícil de explicar, diferente e particular para cada amigo.
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Invisível, mas não insensível, tantos anos, quase tantos quantos os que vivi naquela casa – só mais um. Não me lembro se andava perdido quando deixei a infância, aos vinte e quatro anos.
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Vinte e três anos é uma vida. Reencarnou no dia em que trouxe as loiças e as roupas e tem ainda os braços abertos.
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Pode um homem de quarenta e sete anos enternecer-se? Pode, quando reencontra o seu urso. Não se diga que não sou uma criança.