digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, setembro 26, 2006

Noite

Hoje é tão noite. Mas ainda mal fecho os olhos. Tropeço nas horas e no percurso, sigo por onde me ilumina o luar. Afasto-me das sombras, temo-as. Não sei se está frio, se estou frio ou se tenho medo. Desconheço os ruídos, estranho os modos, desconfio de mim. Desconfio das costas. Hoje é tão noite e há luar. Há ainda luar... fosse Lua nova e tudo seria uma quietude, um manto de choro abafado, uma festa por acontecer, um sono prometido. Hoje é tão noite e há o temor do pesadelo e o desejo de que tudo seja sonho. Ainda vou fazer toda a estrada e conhecer o caminho, verei o Sol nascer. Então podereia dormir e descansar.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Um beijo do cimo do Chrysler Building

Não me importava de ter uma janela triangular lá no alto. Será que te veria a acenar-me do outro lado do Atlântico? Que sono se tem no cimo do edifício da Chrysler?
Na escala gigante a art déco até se consome, porque se dilui. Afogar-me-ia nela se me deixasses tê-la. Dá-me um dos teus abraços e não me mando para baixo como um avião de papel.
Não sou gato de telhados tão altos, mas ali poderia tocar na Lua e encostar a cabeça no teu ombro. Lá tão em cima, as lágrimas sobem, em vez de cairem... tenho a certeza. Lá em cima não há tristeza. Lá em cima estaria mais perto de ti. Sei que te veria a acenando-me do outro lado do Atlântico.
Por mim haveria uma carreira de beijos entre o edifício da Chrysler e a Torre de Belém. Entre a minha alma e o teu coração. Do ar para a água. Da realidade para a fantasia. Por mim dormia a sesta todos os dias num quarto com janelas triangulares, depois de te ver acenar do outro lado do Atlântico.

domingo, setembro 24, 2006

Américas














Estou cansado! Voar é belo e fatigante. Os meus olhos estão saturados! Nunca tinha estado no Rio de Janeiro... não conheci os cariocas, por mais que gritasse do alto, ninguém ouve a voz nem entende o sotaque dum português voador. Perdi-me, mas não de amores. Não encontrei o Corcovado! Roubam tudo no Rio de Janeiro!... Encantei-me com as águas e o litoral. Perdi-me nas ruas e espequei sobre uma espécie de ovo, que afinal é um campo de futebol. Tenho de lá voltar, mas com mais tempo... a ver se aterro e percorro as ruas e conheço as gentes. O Brasil é terra simpática.
Em Nova Iorque encontra-se tudo! Até a Estátua da Liberdade!... Ela não foge nem deixa que a roubem... onde está também não é o Bronx... Não me fiquei na desolação da ilha mínima e fui ao centro, mas as vertígens mandaram-me de volta. Não é cidade que se mire de cima!... Mais vale ser pequenino em baixo!

sábado, setembro 23, 2006

As minhas cidades
























Não aguentei mais a espera e levantei-me. Despedi-me de todos aqueles a quem devo afectos e abalei sem as malas, porque o meu peso já basta como carga. Esbracejei para voar e encantei-me, como se fosse a primeira vez, com o Terreiro do Paço... e como doem os olhos por o ver há tantos anos feito estaleiro de obras!... Não há luz como a de Lisboa! Não há! E junto ao Tejo, rio quase mar, a praça é tão feliz!
Ainde consigo orientar-me em Paris... cirandar junto à Torre Eiffel, subir os Campos Elíseos e indecidir-me na Étoile... Não há lazeres como os parisienses!... Nem discussões! Que belo trânsito! Que massa compacta de veículos em velocidade e manobras arriscadas! Que quase susto agradável!
Colónia é uma casa... e há quanto tempo não entrava. Estou sempre bem. O Reno, a ponte, a catedral a cerveja kolsch da Frü, o perfume 4711 e a gare ferroviária. Estou sempre bem.
A calma de Viena é o encanto da perdição. Perdi-me. Não me perdera nos passos, mas visitando do ar... Contudo, provei os bolos dos cafés, fabricados com o melhor chocolate. Não há gordura mais emproada e faustosa do que a vienense! Há primor! Há aprumo! Repeti os bolos de chocolate... entrei em todos os cafés.
Edimburgo é uma rua. Entre o castelo e o palácio. É uma rua torta que não se chama rua e que vai dum passado a outro e atravessa o presente e traz fantasmas. Edimburgo é um rio ausente e uma brisa marinha. É o mar ao lado sem que se veja. Edimburgo é um agasalho. Edimburgo... Edimburgo não mostro, porque é lá onde guardo o coração e poderia - ia de certeza - mostrar onde o guardo.

O salto

Ainda dou o salto, se é que não pulei já. A morte é só um passo. Depois é que vem a vertigem e o peso.
Saltei uma vez. É um horror. Tudo treme. Até à concentração. Até ao silêncio. Até ao passo. Até ao salto. Vem tudo à mente. O passado todo e toda a gente.
Saltei uma vez. Fui-me de dor por duas criaturas canalhas. No entanto, não vomitei todo o veneno que me deram traiçoeiramente. Saltei da realidade abaixo crendo num mundo onde estivessem os dois amigos à minha espera, acordei na terra onde duas sinistras velhacas congeminavam mentiras, urdiam sinistras maquinações e doentias palavras. Saltei deles para fora. Mandaram-me deles abaixo. Ainda vomito o veneno que me deram dissimuladamente a beber.
Ainda dou o salto e já vou cansado de saltar e prometer novas quedas para vidas novas. Saltei uma vez. Na verdade saltei duas. Se quiser contar a verdade, foram três. Ainda dou o salto e já vou cansado de saltar e prometer novas quedas para vidas novas. Só não se morre. Não se morre, porque a morte não existe.

sexta-feira, setembro 22, 2006

A carta

Não vivia numa casa de cartas. Nem mesmo num castelo de cartas. Talvez vivesse, se a isso me habituasse. Poderá ser intimidatório encarar diariamente com a Rainha de Copas todos os dias... ou com a de Paus, Ouros ou Espadas... ou com as quatro. E o que dizer do ar severo dos Reis, para mais de espada desembainhada? Além dos rivais, os valetes? Que rumores não dariam na vizinhança!...
Saio de casa para jogar cartas. Vou para o poker e nada me detém a personagem cordial, mas implacável, docemente fria, que encarno quando estou à mesa. Não aposto muito. Nunca aposto muito e vou sempre a jogo. Em casa não gosto de jogar poker, parece mal... tenho tantas intimidades, que todo o meu bluff, táctica e estratégia se revelariam aos olhos dos jogadores atentos e competentes. Não jogo poker em casa. Por estas razões, nunca perdi dinheiro.
Dentro do meu espaço, e em qualquer lugar, prefiro a canasta. Tem perfume este jogo argentino! Cheira-me a gin, cheira-me a chá, cheira-me a sexo, cheira-me a ternura... este é o meu jogo. Entro em confidências sem importância e conheço por dentro quem jogo. Tenho sorte com as fulminantes e maravilho-me sempre.
Paciência! Viveria a fazer paciências se não me desse a ninguém. O meu coração, largado e escondido numa caixa em Edimburgo, faz paciências para passar o tempo. O meu corpo de tédios faz intermináveis serões de paciências, e segue as regras, faz batota, inventa passa-tempos e falcatruas. Aborreço-me sempre. Não tenho muita paciência.
Já vivi numa casa de cartas e correspondi-me diariamente com uma menina que tanto poderia ser Alice como ter outro nome qualquer. Vivi demasiado tempo numa casa de cartas. Fugi! Foi há muito tempo e, contudo, ainda sonho em fugir daquele espaço, ainda me desejo lá dentro. Se pudesse voltava, nem que fosse para voltar a fugir. Ainda me lembro dos pesadelos com cartas e de Alice, que poderia ter outro nome qualquer. Quando fugi levei as cartas que ela me escreveu. Não fugi sozinho.
Jogo paciências com as cartas que me escreveram, e por vezes comovo-me. Abro as portas da casa onde vivo e deparo-me com cartas de jogar, mesmo não vivendo numa casa de cartas. A minha vida é um jogo e aposto. Aposto no limite, no risco. Juro que não sei o que estou a fazer.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Indo

A minha rota tem linhas de vento e de marés. Penduro-me nos meridianos e salto nos paralelos. As terras são todas partidas e poucas chegadas. O tempo é só viagem e Sol batendo nas pálpebras. O espaço todo serve-me de estrada e não me preocupa o rumo, o destino encarrega-se disso.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Mercado das pulgas

Hoje é quarta-feira e não há feira da ladra. Hoje não vendo emoções em segunda mão nem as minhas bandidices ronfeiras. Amanhã já é quinta e faltará um passo para sábado. Se acordar cedo irei dispor pela calçada as intimidades que não me servem e outras que finjo terem menos precisão.
Nos murmúrios das madrugadas, entre cafés e galões da manhã e imperiais pela tarde regateio e baixo os preços das minhas inutilidades que podem servir a alguém ou compadecer generosidades. Se não as vender voltarei noutro dia com o preço inicial posto a fingir.
As minhas quarta-feiras são tristes e de vazio, são um rosário de relembrar e uma espera para nova esperança. Este meio caminho é um sítio nenhum onde não gosto de estar. Sinto a ausência do ruído do mercado e a falta do trato. Deito-me à espera e espero apenas que passe. Ainda assim, não desgosto das quarta-feiras. Não faço nada nelas.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Confusão no divã

Não tenho rumo para a vida, mas quero mandar no mundo. Penso-me Deus muitas vezes, não julgando os meus actos despóticos. Outras vezes sou manso. Na verdade, tenho humus nos pés e raízes por todo o corpo como se fossem tatuagens. Por isso finco-me e não vou, estou. Contudo os meus braços partem e chegam a todos os lugares, vão para a luz e fazem sombras e penumbras. Em vez de brincos tenho flores em botão e estou em constante renascer. Faço tudo para viver, mas não sei levar a minha vida e, porém, quero conduzir o mundo.

Do castelo para baixo

Fecho-me na parte de fora do dentro e vomito as memórias para não ter passado, quanto mais as dores. No cimo da torre faço vertigem e imagino-me em suicídio para ver morrer-me longe dos braços e esquecido, prepotente na vontade e egoismo.
Fecho-me na parte de fora do dentro e ainda que chova e me molhe não deixo de estar dentro e só. Corro pelas muralhas e deixo-me cair nos tropeços e espreito pelas ameias para a paisagem vazia ou indiferente. Abro-me para o espaço do dentro onde nada é diferente do quero.
Fecho-me na parte de fora do dentro e encosto-me à pedra tão fria quanto à que está do lado de fora. Encosto-me e deixo-me cair para sentir a rugosidade da morte, as lágrimas e a solidão da morte. Grito onde ninguém me pode acudir, porque estou no lado de dentro do eu. Estou onde quero e onde não sei sair.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Lava o amor

Não há nada que lave os males do meu coração, que é ardente como a lava dum vulcão. É tão quente que o tirei, porque me queimava a alma e matava antes que me matasse a sede, que me dava o calor que me causava. O amor não lava o ódio que tenho ao amor, porque me causa náuseas e tropeções na vida, insónias e desejos impronunciáveis. Tenho um amor por dizer e não há nada que me leve daqui o coração... ainda que o tenha já daqui posto para fora, ele daqui não me sai e insiste em por amor bater. Nada lava o coração nem lhe arrefece o calor.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Menti-te

Arranquei-te um beijo ao fumo do coração e deste-te nua, porque não sabes fazer doutra forma quando te dás.
Ainda te vi presa ao que eras e onde querias estar e disse-te ser o amor da tua vida. Não sei se acreditaste ou se fingiste, mas saiste do marasmo inútil em que sonambulavas.
Menti-te! Não és, não foste e nunca serás o amor da minha vida. Houve outra. Haverá outra. Haverá sempre outra. E muitas mais mulheres para descolar da parede e arrancar beijos com sabor a fumo ou a coração.

quarta-feira, setembro 13, 2006

A minha mulher

Há tempos que não te vejo ler. Na última vez cruzavas os olhos nas linhas e misturavas-te nas palavras, diluias-te no enredo e assumias as cores da prosa e a luminusidade deixada entrar pela janela. Gosto de te ver na quietude dos dias das primeiras águas, ainda que o teu gato não te salte para o colo. O fumo incomoda-me menos à vista e aos pulmões do que ao olfato, mas alegra-me a memória por ter-te sorrindo nas manhãs e tardes de cigarro na mão, concentrada em livros ou dispersa em afectos descomprometidos. Encontrei, não há muitos dias, um retrato teu em que sorrias numa nuvem de fumo com um livro pequenino a cair-te dos dedos: és tu! És mesmo tu em todos os teus dias, em todas as lembranças, desejos, prazeres e cumplicidades. Hoje não passo sem te dar um beijo e pedir que poses lendo para mim.

terça-feira, setembro 12, 2006

Vivó Douro!

Ainda ontem abri uma garrafa de Vinho do Douro. Foi assim que festejei os 250 anos da demarcação da região vinhateira. Dizem que é a mais antiga do mundo. Dizem, mas não é bem verdade. No papel não o é, mas é-o na terra de xisto.
Ainda ontem estava de apetites simples e feliz por existir. Sentei-me à mesa e pedi arroz de cabidela, sem ironia com o folhetim com os batoteiros de Barcelos. Que bem me calhou a galinha com um despretencioso Quinta de la Rosa de 2003. Penso que não há forma melhor de se celebrar o Douro do que beber os seus vinhos.
Como bom português, o meu sangue é um rio com afluentes nascidos em muitas nascentes. Não venho dum só lugar. Pelo menos gosto de pensar assim. Se viesse viria de Lisboa, donde tenho um costado com várias gerações; sou dos poucos. Mas também do Alentejo. Lá de cima, atrás das montanhas das Beiras, não consta que tenha sangue recente. Porém, é do Douro o vinho que mais prazer me dá beber. O vinho também é sangue e as gentes durienses recebem-me tão simpaticamente como se fosse família.
A demarcação do Douro aconteceu porque andavam a assucatar os vinhos e as exportações ressentiam-se. O marquês de Pombal estabeleceu regras para produtores e comerciantes, em nome da qualidade e do comércio. A lei previa que os mixordeiros pudessem ser punidos até com a pena de morte. Coisa séria! Felizmente hoje já não se faz vinho a martelo, mas há ainda aldrabões no vinho, e até no Douro... há gente a fazer vinho que era preferível produzir batatas.
O Vinho do Porto do tempo da primeira demarcação era semelhante ao actual Vinho do Douro e só mais tarde a diferenciação veio a acontecer e a acentuar-se. Hoje, a região divide-se em Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior... está vasta e generosa, linda com os seus sucalcos, vales de reentrâncias, sombreados e inclinações, com a natureza bravia a querer furar a paisagem humanizada. O Douro é uma festa para todos os cinco sentidos.
Penso que uma lista dos melhores vinhos do Douro, tanto de tintos como de brancos, fortificados ou de pasto, dá um poema, seja qual fôr a forma da sua ordenança. Ainda que em escala e tamanhos diferentes, tenho no paladar e na cabeça prazeres feitos de Vale Meão, Maritávora, Poeira, Pintas, Redoma, Charme, Barca Velha, Chryseia, Vallado, Grantom, Gouvyas... Achou que poemei!...

Nota: Já sei que devia ter divulgado este texto a 10 de Setembro, data exacta do decreto do marquês de Pombal. Contudo, nesse dia não me apeteceu celebrar a efeméride nem abrir uma garrafa.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Uma visão do fim do mundo

O que quer que seja que se escreva, quando estas linhas forem lidas muito terá sito dito, muito haverá para dizer e quase tudo para pensar. Contudo está tudo quente, e as palavras não saem para outro lado. Ontem ( e enquanto tiver memória) foi um dia em que tive vergonha de pertencer à espécie humana. Por mais que pense nas crianças que nasceram ou nos beijos que se deram, o que se passou nos EUA foi muito mau para ser verdade.
Não quero saber quem cometeu este conjunto de atentados nem ouvir os motivos que os suportam. Nem vou ligar ao que podem representar como símbolo os alvos, nem que balear os EUA no peito é uma ameaça à democracia, porque não é. Quero lá saber das ondas de choque nas economias. Quando estas linhas foram escritas ainda o pano não tinha caído sobre a tragédia, mas a dada altura não é a quantidade de alvos o que mais importa. Um atentado é sempre condenável, sobretudo contra alvos civis, porque é um acto de cobardia e vilania. Aquilo foi alarvidade. Choca a bestialidade, espanta a «facilidade» do absurdo. Como é possível haver num dia barbaridade tão concentrada? Talvez seja só comparável aos anos do nazismo.
Os EUA são a maior potência e por não terem adversário clássico, só parecem ser vulneráveis por golpes baixos. A espionagem e a defesa não foram capazes de saber ou de travar estes episódios. Agora, os EUA não devem apenas lançar um plano de eliminação de criminosos e de aplicação de justiça, mas parar para pensar.
Quem vai à guerra dá e leva. Os EUA podem não estar em guerra, mas os seus interesses chocam com outras vontades. A Terra não é apenas um planeta de recursos e coberto de países, que são amigos ou inimigos conforme os interesses. As políticas externas traduzem sempre conveniências. Não sei quem são as bestas que planearam e realizaram os atentados, embora possa desconfiar. A política externa dos EUA nunca se pautou por valores morais e George W. Bush tem mostrado ser desatento e até desastrado.
Bush ficará na História não pelas suas argoladas, não por ser desastrado na política externa, mas como o senhor que estava na Casa Branca quando os bárbaros atacaram a América. Dizer que o presidente norte-americano semeou o pesadelo que ontem colheu é um abuso. Mas a sua política acicatou canalhas em vez de acalmar. Não gosto de Bush, mas espero que seja recordado como o homem que soube pensar e tirar conclusões sobre o que deve ser uma superpotência no mundo.

Nota: Esta crónica foi escrita, a quente, a 11 de Setembro de 2001, quando tudo era incerteza, e publicada a 12 no jornal «A Capital». Esta sua republicação pretende evocar aquele dia em que o mundo mudou e também as suas vítimas, em Nova Iorque, Washington e por todo o mundo, nas réplicas bélicas e terroristas do atentado. Infelizmente, George W. Bush não desfez a imagem que tinha dele.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Audiências televisivas

Não se vive sem televisão e não sei o que seria a vida neste país sem os «Morangos com Açúcar». Não compreendo a «Floribella» pela sua formatação para sopeiras. Tenho saudades do «Batatoon» e da palhaça robótica que me descompensava as hormonas.
Desligo-me em frente ao aparelho todos os dias e sei que sou deixando de ser. Fico-me, existindo só respirando. As notícias do mundo são quase frias quando chegam pelo ecrã. As notícias do mundo são quentes quando se lêem no jornal. Fico cheio nos documentários que trazem conhecimento e irrito-me com a falta de cultura dos jornalistas portugueses.
Não vivo sem televisão e gosto de adormecer com o peso das imagens nos olhos. Nos dias das dificuldades, houve alegria nos programas tristes. Não se vive sem televisão!

quinta-feira, setembro 07, 2006

Desabafo de éter

O pior da telefonia não é uma rádio má, porque essa nem se sintoniza. O problema está nas estações quase boas, nas que apetecem ouvir por uma razão e desligar por outra... ou mesmo destriur o aparelho. Anda a acontecer-me no carro pela manhã, pela tarde e até à noite.
O pior da telefonia é a dicção amadora da Oxigénio (102,6 - Lisboa) e os erros de fonética da TSF (89,5 - Lisboa) e da Antena 1 (95,7 - Lisboa)... e as muitas asneiras de português em todas elas e mais os jeitinhos irritantes de voz..
Pior ainda ... porque há pior do que tudo isto ... é o desequilíbrio. O meu pesadelo é não haver uma rádio perfeita. Os meus arrepios maiores fazem-se com os noticiários da Oxigénio e os espaços musicais da TSF. A O2 dá notícias de desinteresse, mal construídas, mal montadas em noticiários mal estruturados, a outra agride os ouvidos com canções passadas e estafadas, de mau gosto, porque ninguém naquela casa percebe ou gosta de música nem compra um disco há vinte anos. Ai, se juntassem as partes...

Nota: Estou-me nas tintas se esta minha generalização é injusta em algum momento da programação das duas rádios que mais oiço.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Pirosada das 15 horas

Sou um piroso! Um gordo danado à solta nos céus e cada vez que poiso numa nuvem faço-a chover. Em cada montão de água há pequenos seres de pele branca, olhos muito grandes e verdes e belos sorrisos. Faço-os saltar sempre que os encontro. Parecem felizes por me verem, mas fogem-me aos pulinhos de água suspensa em água suspensa. Se apanho um dou-lhes esfregas de beijos e abraços... mas acabam invariavelmente por soltar-se e partir sorrindo em galhofas. Persigo-os e quando bato com os pés nas nuvens chove. Lá em baixo, as flores e as árvores agradecem.

Degolado

Gostava de me chamar Amor e de ser um traste intratável. Se me degolassem far-se-ia justiça. Então haveria ódio pago com ódio e os derrotados venceriam.
A minha cabeça pensaria mesmo desligada do corpo, não precisaria dele. Seria um egocêntrico concentrado. Seria a minha cabeça e proclamaria poder viver sem corpo. Poderia existir mesmo sem sangue e até sem cabeça.
Quando me tirassem a cabeça iria espirrar sangue de forma embirrenta e atingir na boca todos os que se julgassem satisfeitos. E também sobre os outros. Seria um traste!
Gostava de me chamar Amor e ser falso e dúbio como um Luís que conheço. Gostava de mentir e ser intrigar como uma Susana que cá sei. Se me cortassem a cabeça haveria de jorrar verde da peçonha e do pus. No cadafalso mijaria de desdém sobre a assistência... se me chamasse enganadoramente Amor e vivesse entre paredes de espelhos que me confundissem os dias e os passos.
Às vezes desejo-me bombista e sinto o humor mórbido nascer em mim... tenho vontades de me igualar à canalha. É quando estou nessa sarjeta que penso em degolarem-me...

terça-feira, setembro 05, 2006

Luz na cabeça

Não sei que fedor deixaria sair se me abrissem a cabeça... tenho algumas ideias muito porcas! Tenho outras de enternecer cordeirinhos. Se me retalhassem o crâneo e os pensamentos escondidos se aclarassem o que se veria?
Gatos aos pulos, muitas garrafas de tinto e algumas de branco, pneus de carro de Fórmula Um, galhardetes do Belenenses, pontapés nas costas, vómitos em sessões solenes em cima de alguns notáveis que não gosto, muitos beijinhos de muitas formas, feitios e dedicatórias, gordura a perder, petiscos a adicionar, viagens por fazer, percursos realizados, memórias felizes (as infelizes dissolvem-se na luz), embirrações contra os mal-educados, abraços e abracinhos, colecções variadas, brasões por inventar, dragões e bestas feras, fogo frio, o coração largado numa caixa em Edimburgo, diferentes cores de olhos, fato do Diabo, trajo de cardeal, uma confusão de músicas, as minhas namoradas todas e todas as palavras doces que não lhes disse a tempo.
Julgo que seria tudo.

Fava-rica

Seria incapaz de te abrir numa página certa e recuso-me a querer conhecer-te o fim da página. Reconheço a minha curiosidade sobre o fim do livro e o desconhecimento quanto ao seu início... Conheço-te, óh livro, ainda antes de te ter na mão e de te ver.
Protesto-te contra a guerra e uso-te com ironia profunda, com pessimismo mordaz, com recusa de lógica certa... as coisas mundanas talvez não façam sentido. As vidas dos outros não me cabem nem te servem.
Abri-te ao calhar na página começada por «dada» e desde então és o meu cavalo de brincar. És Pegaso e levas-me a voar sobre o sonho e acima da vida. Todos os dias a ternura pode mais do que a rotina. Encontro poesia nos teus defeitos e nas palavras espalhadas pelo teu corpo. Se um dia me deres um filho que seja um conceito.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Coimbra

Subo à Alta e perco-me na Baixa e enlevo-me com o românico da Sé Velha. Sento-me na escadaria e espero... espero ouvir um fado cantado com a alma e os bofes, muito grave e redondo, muito doente e triste.
Passeio junto ao Mondego e bebo vinho do Buçaco no Hotel Astória. Estou à varanda em contemplação do entardecer. Estou na margem em admiração das vidraças da estação e do «palace».
Cruzo a ponte e vou a Santa Clara a Velha. Regresso: cruzo a ponte e vou a Santa Cruz. Quero estar em toda a parte... Na Sereia e no Botânico, debruçado no Choupal e repousado com vista para a Cabra.
Há quanto tempo não te vejo!... Há muito mais que não te sinto... Gostava muito de voltar a fazer amor em ti.

domingo, setembro 03, 2006

Lisboa

A minha cidade é quase tão bela vista de cima como olhos nos olhos. Porém, prefiro fitá-la para me enamorar dela e perder-me de encantos. É mais especial com os lábios próximos dos dela, porque de cima muitas cidades parecem belas. A minha Lisboa já não está pequenina nas fronteiras do seu concelho e já não tem, por isso, só sete colinas... e eu que tanto a digo amar não sei o nome dos sete cerros da cidade e muito menos conheço todos os encantos das ruas. Sei que não me canso da luz nem do Tejo.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Cabidela

Degola-se um galináceo e verte-se-lhe o sangue para um recipiente, juntando-se três colheres de sopa de vinagre para que não coalhe. Numa panela põem-se a refogar uma cebola e dois dentes d'alho em azeite, aos quais se juntam, quando estiverem loiros, bocados pequenos da ave, incluíndo as suas miudezas, mais toicinho, loiro, pimenta e sal. Fica tudo isto a estufar em lume brando um bom pedaço de tempo e depois cobre-se com água quente para que coza e torne as carnes macias e apuradas. Em separado a estas elaborações acertam-se as proporções, para que fique três de água para uma de arroz, cereal que é junto ao refogado assim que o caldo levante fervura. Quando os bagos começarem a querer deixar-se trincar adiciona-se, então, o sangue avinagrado e o galináceo. Está quase, é só deixar apurar.
A cabidela fica bem depois duma partida de cartas ou dum jogo de batota. Não há volta a dar, a cabidela pode ser exportada e até já há gente que vá ao estrangeiro explicar a cabidela e se reúna com o Governo para trocar receitas.
Em Portugal a cabidela come-se de Norte a Sul e, cá para mim, acompanha bem com Mateus Rosé... embora haja quem diga que é retinto.

Nota: O autor não confirma nem desmente que este texto evoque o «Caso Mateus» e as batotas do Gil Vicente F.C. contra o C.F. «Os Belenenses».