digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, dezembro 31, 2017

Maresias

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Escritas na água e no sal, as palavras não duram.
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Cada onda traz o linguajar dos poetas e dalguns marinheiros que acenderam os cigarros nas velas.
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De cada ninfa vem a escuridão e a febre escarlate do desejo.
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Por cada onda chegam as palavras claras, do clímax escrito em sal.
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Palavras vagas.

Inalcançar

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Sabes muito mais dos vermelhos do que.
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Sei dum desejo e do falecimento do indevido.
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Como mentir se as palavras me desobedecem.
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Se apenas calasse se as letras não teimassem.
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Escrevi e fechei o envelope. Papel de essências e pétalas para enganar.
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Fiz o que devia, contei-te. Não enviei.

Beijo de granito

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Constritora do coração e do sabor mortal.
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Se pudesse seria teu culpado na vez de ser somente condenado.
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Se pudesse morreria na tua boca na vez de intoxicado.
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Flor, sou o teu jardim – só em mim.
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Jardim onde me deixas afastado.

Feitiçaria

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Queria escrever-te um poema que gostasses e fosse de amor.
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Dos teus olhos comovidos e coração calado.
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Não te minto, o meu suspira, é generoso e infiel.
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Digo-te, com verdade, o sabor terno da lembrança da euforia do engano.
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Imagino-te voando, enquanto a ilusão me prende na crença dos impossíveis.
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Feitiço de impossível.

terça-feira, dezembro 26, 2017

Incalma

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Há coisas fora da calma.
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Desconheço se alguém me pode explicar ou se esta febre é única.
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Se fosse sexo ou amor.
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É um calor inexplicável, como se pudesse deitar-me com todas as mulheres.
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Vê-las secretamente.
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Desejosas por intuição.
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Ser-lhes um arrepio de água morna e lábios quase mordendo os lábios.
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Elas sem castigo – eu sem o martírio na tortura – de arrependimento nem de pecado, qualquer coisa da natureza e dos lençóis.
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Por isso, elas querendo-me e eu desobrigado. Ainda assim:
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– Querendo-as sóbrio ou ébrio – sem escolha demais distante do momento.
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Repito: sem sonho ou obrigação:
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– Não sei se na memória ou no esquecimento.
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Não sei clarificar.
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Nem de acalmação.

domingo, dezembro 24, 2017

Segredo de notícias

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Ela escreveu:
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– Traz-me notícias de mim.
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Não pediu, ordenou.
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Eu, como fosse até aí triste e afogueado, amando-a de improviso.
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Disse-lhe num papel:
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– Não sou correspondido, como não o és.
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Pudesse, o Inverno seria outra coisa. Um tempo qualquer, antes e depois da janela.
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Como dar-te notícias de ti? Não tas tenho nem o que suponho que as possa reunir.
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São notícias de segredo.
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Por isso, não as tenho.
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Se as tivesse, quebrar-se-iam os mistérios.
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Em desânimo ou em euforia, terias de inventar novas.
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Possivelmente, eu precisaria doutra dor, para que escrevesse novamente sobre ti

Retribuo quando

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Irritável como um cão de guarda.
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Triste como um gato molhado.
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Só me importa o Natal porque o fazem de importância.
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Porque não o entendo de pai e mãe.
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Basta um dia, único.
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Tombo desamparado em terra dispensada.
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Não tenho autorização para me retirar.
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Ainda menos de esquecer e não ir nem ficar.
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O Pai Natal ganha a vida a rir-se. É tudo o que aceito.
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Retribuo quando.
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Contudo, o Natal é indiferente se, não me obrigarem a festejar

quarta-feira, dezembro 20, 2017

Tenho um pequeno atlas de locais onde sou

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Em Lisboa quase tudo é luz, do chão ao Tejo. Se pudesse ser outra pessoa, achar-me-ia também nesta cidade.
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A vista da catedral e a ponte ferroviária que se lhe antecipa são um momento de passado e hoje, como uma lembrança num álbum de fotografias com familiares desconhecidos. Do primeiro patamar, olhando verticalmente o templo, imagina-se o que terá sido Babel.
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O meu coração ficou enclausurado, por sortilégio, na escuridão de Edimburgo. Cidade de pedra e céu, de anos sem dias.
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O campo é tão grande que se diz pouco e basta: Alentejo e Escócia. Uma só fotografia.
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Não são os socalcos nem o sangue nem o vento baralhado de qualquer lugar: o Vale do Douro e entremontes e rios em sua roda, como o Rei e sua corte, não são o lar.
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O Douro é um afecto diferente. Lindo, de aprumo e alinhação, mas não o amo de peito nem pelos olhos, mas pelo estômago-vida – isso não é menos.
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A natureza é de odores diferentes, mas parentes. O xisto, a esteva e o azinho. O tomate e a laranja. A oliveira e a vide.
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Amo-o pelo vinho e o azeite, por isso todo como ele é – só à mesa se nos podemos achar, não há vida sem ela.
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Não troco nenhum destes lugares por qualquer outro nem deles prescindo nem opto entre eles. A saudade é uma dádiva, enfim, a ubiquidade seria um milagre para a banalidade.
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O Douro é um assombro, por mágica de alguém.
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terça-feira, dezembro 19, 2017

Escuro

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O escuro de fora não é medonho. O de dentro rói-me em impaciência. Quando vai do fígado ao espírito desassossega-me até ao túnel da viagem.

Gatejar

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Gatejo. Entre o salto e as mantas. O primeiro dá-me vida e cansa-me. Depois usufruo da conquista e repouso até ao fastio me obrigar ao pulo.

sábado, dezembro 16, 2017

Época festiva

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Passo o Natal em Ílhavo, a passagem-do-ano numa indiferença e o aniversário em fogo-de-artifício inverso.

Morfina

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Sossega-me as veias e larga-me como se fosses a morte. O reflexo perfeito na água quieta onde flores claras se detiveram. Peço-me pagão para que.
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Esta dor de ser só dor, escarlate-negro das palavras indizíveis.
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Esta dor dos lábios azuis, mordidos até onde chega em carne, da frieza do entardecer invernal.
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Sossega-me as veias como imagino a morfina.
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Ou leva-me para onde me podia levar.

Como em menino

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Encalhei num verbo reflexivo, confundo interrogações com afirmações quando e esqueço-me que as palavras existem no fim das frases.

segunda-feira, dezembro 11, 2017

Redução de carbono

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A ciência é humana, garanto.
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O desânimo sem ânimo adormece-me. Há pudor e agonia agarrando-se à memória. A aversão à derrota é vaga de Inverno.
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As inquietudes – ansiedade, vergonha e medo – não me acalmam plenamente nos açúcares.
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Aparo as unhas, barbeio-me e vou cortar o cabelo.
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Exorcismos para os dias cínicos

Estive a pensar

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Há uma lua de sábado. Estive a pensar.
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A índole não se apazigua no quatro mágico. Há outro quarto, invisível e sentível.
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O sábado é naturalmente ungido.
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O sábado é naturalmente perverso.
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O outro quarto, sem nitidez – nem permissão – a quem não se deixa acreditar.
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Quase terra, para quem se tolera – o labirinto prolífico das palavras na cabeça.
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Nem lua nova nem lua cheia. É outra lua, aquela do avoar das bruxas e do entusiasmo dos bichos recusados.
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Lua sem papel.
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A lua sentível ao pagão e ao sacerdote.
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A lua da extravagância dos gatos.
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A lua de quem baptiza de lua o gato.

domingo, dezembro 10, 2017

A alma das

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Finalmente, é Outono. Inócuo como o Inverno, a Primavera e o Verão. Se houvesse outra estação – como o escondido décimo terceiro signo do zodíaco – haveria outra conversa, entre quem passeia os cães ou se sublima com a lua dos gatos.

Vento

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Como expulsar-se no vento – com garantia de não haver ressurreição nem reencarnação – do desarrumo da casa?
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Agora, do centro para fora. O invés desiludiu-me no sucesso e foi-me insucesso do insucesso.

Colesterol

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A vida­ vida é uma sucessão de vírgulas e de erros de gramática. Nem a rasura nem o apagamento disfarçam ou remedeiam os enganos.
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Quando as orações se confundem entre as vírgulas e a história não faz sentido usa-se o ponto final.
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Vivo a desordem, contenho as vírgulas talqualmente as comidas gordas por sapiência inversa.
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Porque a vida é complicada, irrompa o caos e a desordem da invenção que nos chegaram com a vida.
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A liberdade do ponto-final-parágrafo.

domingo, dezembro 03, 2017

Olhava para algum lado

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A professora da primária quase me chumbou na segunda classe, porque olhava para algum lado.
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A professora da primária quase me chumbou na quarta classe, porque olhava para algum lado.
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A professora de Português escreveu que não tenho imaginação e cumpria os mínimos e olhava para algum lado
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A professora de Educação Visual escreveu que não tenho imaginação e cumpria os mínimos e olhava para algum lado.
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Depois, tão longe, a professora de Educação Visual só não me dava a nota máxima, porque estava marimbando-me para a disciplina e porque olhava para algum lado.
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Depois, tão longe, a professora de Geometria Descritiva deixava-me fazer tudo à mão, qualquer mina, lápis sem ponta afiada, sem compasso, sem régua e sem esquadro, desde que definisse o correcto, porque estava marimbando-me para a disciplina. Não me chumbou, porque estava a olhar para algum lado.
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Depois, tão longe, a professora de Português só não me dava nota a máxima, porque olhava para algum lado.
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Depois, tão longe, o professor de Português só não me dava a nota máxima, porque olhava para algum lado.
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Depois mudei-me, a professora de Português só não me dava nota a máxima, porque olhava para algum lado.
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Escrevi poemas inocentes, medíocres e parcialmente plagiados, da adolescência fazendo-se culta, e estava a olhar para algum lado.
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Desenhei alguma coisa, inocente, medíocre e parcialmente plagiada, da adolescência fazendo-se culta, e estava a olhar para algum lado.
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Depois fotografei, porque estava a olhar para algum lado.
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O tempo tem sido-me de tédio e de olhar para algum lado.
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O tempo é-me quase indiferente, esperando quem se atrasa e quem não vem.
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Frequentemente, esqueço-me do amor-próprio, porque quero olhar para o lado e estou a olhar para algum lado.
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Escrevi um romance de cavalaria.
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Escrevi um romance.
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Escrevi um livro de coisas-estórias.
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Escrevi um romance de cavalaria para crianças.
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Não sei respirar sem desenhar.
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Não sei respirar sem escrever.
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Não consigo parar a cabeça, porque está a olhar para algum lado.
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Perco as chaves, quando estão fora do sítio, porque estou a olhar para algum lado.
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Alguém está errado. Possivelmente eu, porque estou sempre a olhar para algum lado. A minoria tem sempre razão, está nos livros de História.
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Esqueci-me que olhava para algum lado quando disseram que não tenho imaginação.
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Quando olhava para algum lado, li as palavras no ciclo preparatório. Confesso que doeu e não consigo olhar para algum lado.
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Magoaram-me, já invisíveis na lembrança. Bastas de ali ter sido. Esquecidas, porque olhei para algum lado.
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Na verdade, vejo-me em dois caminhos – permanente reais e fantasmas – coisas desconhecidas, negações duma imprecisa certeza e inesperada lei, menos da intuição selvagem.
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Olhei para algum lado, não e sim pela janela do palpite.
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Alguém se enganou e isso doeu-me na memória.
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Uma dessorte de olhar para algum lado que não o para onde ou talvez.
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Nota: Tão boquiaberto e triste que o texto vai infantilmente chegado à direita.

sábado, dezembro 02, 2017

Os nados-mortos

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Tantas vezes parti os dentes em lábios que os posso desperdiçar. A derrota não me mete medo, sou eu na minha vida.

Belém

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Há Lisboa, também a cidade onde só vai a luz e o rio se esquece e ainda a espraiada assim-assim como noutros lugares. Tão longe, Belém e sua cama na Ajuda, outra vida.

Belenenses

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O Belenenses não é um clube. É azul. Nada fica acima do azul.

Oração

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Depois de ditas, as palavras deixam-nos, não voltam e, se houver juízo, resta-nos uma oração para a loucura encalhar e afundar-se sem se ouvir nos remorsos e vergonha.
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Se soubesse, dizia o dobro e calaria a metade igual.
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Beberia em glória, em segredo morreria na miséria do bagaço.
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Se soubesse, ficaria de boca na tua boca e além fosse de medo e regressasse com louros.
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Se soubesse, hoje não seria náufrago.
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Seria imaculado, sem arrependimento, e apenas tédio. Sem jardins nem escadarias.
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O que te diria.
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Sem ditas, a palavras nascem mortas.

Estremecimento

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Não seriam traição os minutos sobreviventes ao beijo que desperdicei na nuca, onde me-te sentimos um estremecer. A humidade que te perdi, a minha força naufragada e a loucura, como as noites de longe.
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Antes, um antigamente de amanhecer e a certeza de que a luz chega com a bonança dos lençóis suados.
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De agora imagino todos os teus lábios. De amanhã não sei que lágrimas.
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Cartas e poemas que te entrego e nunca escreverei.
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Dizem os signos. A verdade é o tempo. Dizem os signos.

Memória

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Halguma circunstância foi deixada de herdade que não de Picasso e Duchamp? Perguntho de voz respondida. Todo houtro mérito é hartifício da luz e hafecto. Dito assim não phaz sentido, como cualquer verdade ou ezagero. Poreim é a virgindade de existir sem a crueldade da verdade.

Passando à frente

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O cão é generoso quanto o gato é fabuloso. Se entro vêm atrás da minha vontade ou porque as pessoas livres fazem o que querem.
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Não há arbustos nem árvores. Têm-se as dádivas e os ruídos da indisciplina, dos ribeiros e das folhas.
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A música fica, nada pode, das casacas aos pregos, é da humanidade, coisa que Deus consente e culpará.
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Do carinho de quem ama e se deixa ir mais como se fora a alma, emprestada ou de boa-fé.
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Os pêlos, condecoração maior, nas camisolas furadas, as gotas tornadas beijos, e seu o cheiro de magia mágica, simples e eterna.
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Bendito o tempo.

sexta-feira, dezembro 01, 2017

As gatas

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Tenho pesadelos – todos diferentes, todos iguais – de perder as gatas, numa praça que leva a praças, em que escadarias, em lusco-fusco, levam e trazem, de garagens metálicas-de-vidros-sujos de centros comerciais e rodogares, e em escadas-rolantes dos grandes aeroportos. Só tenho medo desse outro mundo, só receio outra lua. Tenho o susto desses cinzentos.
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Tenho pesadelos – todos diferentes, todos iguais – da crueldade, de as perder e de as encontrar sem que me reconheçam e sem que as saiba.
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Tenho pesadelos – todos diferentes, todos iguais – do sangue, do odor calado do sangue, do olhar baço, como o do Chuqui no quatro de Outubro, sabendo-o perdido e jurando o delírio de o ver ainda vivo.
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Tenho pesadelos – todos diferentes – todos iguais – que a Lioz não retorne do vinte e um de Novembro e se ausente como as outras, perdida nas praças que levam a praças e de a encontrar sem que me reconheça e sem que a saiba.
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Tenho pesadelos – todos diferentes, todos iguais – das gaiolas de gradeados tristes dos gatis e dos miados-barulho do pavor. Da luz amarela das lâmpadas no Inverno, do óbito pressentido de as encontrar sem que me reconheçam e sem que as saiba.
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Tenho pesadelos – todos diferentes, todos iguais – de ser crucificado na agonia visceral e da severa tortura da música blues. Por essa antecipação, só tenho a voz de me perder e sem que me reconheçam e sem que as saiba.
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Não quero saber da morte, não acredito. Sofro por pesadelar nas praças-multidões sem nos reconhecermos e dos desencontros.
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Não me lembro se há árvores.
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Nota: Só a despedida do filho faria chorar além.

A sombra do tempo – Escrever quem sou dizendo a verdade sem que o seja

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Há a sombra do tempo, os espectros no espelho, quase tantos, mais óbvios e sem mudez nos olhos.
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Não são os retratos das pessoas antigas e a sua formalidade austera. Nem as naturezas-mortas, recordações das dádivas, no caminho para a copa.
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É esta casa, em permanente desmedição, o jardim-floresta, longínquo como uma fronteira, sem porta e de quase vidro, e sou eu.
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Sou tudo eu, acompanhamento e ausência, dor empática e mentira.
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Tenho a fantasia exaustiva do poder e do fascínio. A derrota vem e fica, como uma religiosa doença perpétua, e nego-a e enjeito-a, porque vivo a traição de Deus e confio no final, do fulgor, da verdade e do ciúme.
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Nada, só a casa e o todo que se lhe agarra. O linho delicado, a sopa quase fria, a água e a carne. O aroma da prata cortando a conversa quando se bebe o vinho.
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Após sou em qualquer esfera, só na solidão, sem frio nem luar que importe.
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As floreiras de jasmim e violeta, o musgo, nos caminhos dos cisnes e dos gansos, e tanta gente que não veio. Digo um credo, vento estreito que os levou, falo de feitiço e pela verdade choro.
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A resposta está nos livros, se houvesse sabedoria e nela se acreditasse, fiável como o cotão.
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Creio no descomedimento e na deferência, presunção imodesta de quem se sentencia a Lua.
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Sem fé e acreditando na justiça que Deus me deve. Confio no papel irrasgável e no cristal impartível.
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Contudo, existo e desapareço sem óbito.
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Se nem a morte existe, por que não consentir viver.

Lisboa

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Mais tarde escreverei o cacilheiro, barco que vê quem não entende a luz de Lisboa.
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Um dia voltarei aos telhados e às colinas.
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Um dia voltarão os seus céu-azul e cinzento-chuva.
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Creio na Lisboa-nossa vencendo as margens.
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Porém, a voz não volta.
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Se este coração chega para todos, algum restará para nós.

quarta-feira, novembro 29, 2017

Seguram as flores

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O dia tem vinte e quatro horas, demoradas em sessenta minutos e aguentados durante sessenta segundos.
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Escusam os optimistas de outra coisa dizerem saber, porque os pessimistas têm razão por natureza, ou não fosse a humanidade um ajuntamento de erros.
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Talvez se soubessem, os confiantes – surdos aos sábios – poderiam ganhar conserto, os anos bissextos são acertos dos minutos curtos do girar da Terra.
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Os optimistas não voam – diferentemente dos artistas, na sua perfeição e virtuosidade, nem esvoaçam ou levitam, porque são, por índole e temperamento, pessimistas.
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Contudo caem. Condenados amam – na gravidade e no seu vazio – deixando-se inclinar.
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Por decência exacta, a Lei da Gravitação Universal vale quanto o dinheiro sem ouro.
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E, por ironia, na Lei da Relatividade Geral fica por dizer o préstimo do tempo, do espaço e da velocidade – não fossem os atrasados de relógio e a quantidade de optimistas.
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Não há ciência para explicar o amor – naufrágio e glória. Tampouco estado de confiança.
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Os optimistas amam no amor. Os sempre-noivos seguram as flores para.

terça-feira, novembro 28, 2017

O Natal anuncia-se

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Há dias do cão e outros da toupeira, quando os gatos não aquecem nem a chuva do outro lado tem o ruído duma quietude.
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Não é frio ou chuva ou os comprimidos por tomar. As frases surgem feitas, guiadas por uma qualquer mão, sem fotografias ou voz ou nozes ou avelãs.
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Para mais, a meteorologia não constrói o tempo.
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O fígado-estômago-pulmões-coração-cabeça-espírito é o túnel. O ser-estar é a luz sem claridade nem tampouco da fosforescência do néon solitário dos reclames das cidades.
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Nem meia-idade chegou.
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Sou quase dias-percorridos antes do retrato solene ou do fantasma preso às coisas ou antes da refeição fastidiosa. Como a gramática encadernada em cabedal ou o pó do relógio-pendular.
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Escrevo-me todos os dias e risco-me. Esperanço-me na teimosia dos cegos presunçosos. Porque há dias parecidos com o fulgor.
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A solidão só chega para uma pessoa e a ela se termina.
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Amanhã será novo atraso.

De cantar

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Lamento, não sei escrever versos bonitos, nem versos, só poemas de tormento para o silêncio de todos, da impotência ao sofrimento.
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Lamento, dificilmente consigo rimas e frequentemente esqueço-me da métrica.
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Lamento, mas não sei como me cantarem nem invejo.
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Lamento, nem quero, digam arrogância – aquela do fracasso.
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Lamento os meus poemas de amor, fracos para a cama.
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Lamento, o que me interessa não simpatiza a ninguém.

A cama

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Diz-me se esse beijo pertence-me. Que a justiça de Deus recaia em nós, estamos obrigados sem contestação.
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Diz-me se o pão nos dará o ânimo para a forças nos guiar até de manhã. Que a justiça de Deus seja clara na sua ordenança, obrigação da força que a gravidade nos empurra para um leito.
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Diz-se se a madrugada não tem hora. Que a justiça de Deus abata no nosso feitiço tardio e paguemos ao outro a dívida do suplício do prazer.
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Diz-me que sim, que tudo isto é verdade.
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Diz-me que não, que tudo o resto é um sonho terminado.
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Diz-me qualquer coisa na cama onde acordaremos da insónia.

quarta-feira, novembro 08, 2017

É hoje

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Há dias em que o meu futuro é um passado intido. Um sonho dormente e circular como a insónia.
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As horas vão e o meu tempo sem se assomar. Ignorando-as de olhos, alastram-se silenciosas por mim todo até desmaiar.
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Há dias que não valho o baraço para me erguer ou pendurar.
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A imensa claridade é de nitidez para lá da clarividência, mas não vi e. Se soubesse, o optimismo crédulo cegar-me-ia.
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E ainda todos me juram ombro e amparo. Nas minhas costas leio as minhas costas, pois os dias e os dias-depois-dos-dias cansaram-me o amor-próprio e morreram-me a esperança.
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Sim, cego teimoso.
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Sou calado meses de desilusão sem saber de culpado. Sou quieto meses na vez de atrevido para cantar protestos.
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Sou alegria de falsa resignação. Sou soturno de natureza, de cobardia e fé. Os olhos ardem de sal
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Há dias em que a mãe não me compra vida e a porta não tem casa nem vista para viagem, igual a cubo de reclusão.
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Há dias para pedir que me falem descansa em paz.
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E eu descansasse. 

segunda-feira, novembro 06, 2017

Estou certo dessa incerteza

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Nunca te desquererei a carne, dos lábios aos lábios e dos cabelos aos dedos dos pés.
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Se não nos tivermos desobedeceremos a uma profecia.
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Se a vida não for a que nos prometemos, mintamos até à verdade.
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A poesia faz uma eternidade frágil, a demora de dois corpos na cama.

Musa

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Nunca a mulher se apaixonou por um poeta. Só pelo homem quando deixa de a versejar.

Planisfério

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Exercício I (1,5 valores)
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Indique a consequência da seguinte formulação: Se o universo fosse da imprecisa matéria e espessura do quadrado e vermelho na vez do azul e as estrelas brilhassem negras:
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– Não haveria verde.
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– Não haveria amarelo.
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– Não haveria nem verde nem amarelo.
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– Há tanta coisa que não faz sentido.
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Exercício II (1,5 valores)
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Explique a utilidade de saber que o universo resulta duma explosão de matéria há cerca de mil e trezentos mil milhões de anos.
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Exercício III (3 valores)
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Relacione a enxertia da laranjeira com a romaneira com a luz das estrelas.
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Exercício IV (5 valores)
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Explique qual a vantagem traz para a Humanidade saber a razão das coisas se nada podemos saber nem alterar.
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Exercício V (10 valores)
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Explique uma das seguintes considerações.
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a)      A utilidade de negar a existência de Deus.
b)      A utilidade de negar factos científicos.
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Por que não pode a escala de 20 valores terminar no 21?
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Porque ciência prova a impossibilidade e só Deus sabe do mistério.

Universo

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O universo não devia existir, dizem cientistas da ciência exacta. Nem cientista nem exacto, sinto-o duplamente. Tanto me penso ser sem o todo, só mente imaginativa, quanto não pertencer à ordem, por isso inútil.
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O cientista sabe como o crente da precisão do tangível e da largura da crença. Céptico da pedra e do inalcançável, tudo me faz lógica e irracionalidade.
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É sítio de perguntar da utilidade do universo, seja cosmos ou desordem. Sem essa solução – se fosse exequível – não se saberá do homem. Conhecendo-a, nasce questão igual, mais fina de especificação e tão antiga:
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– O que se faz aqui?
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É bem de ver, não há fala luminosa. Sem necessidade de perguntar, fazê-lo é tempo de prazer de espreguiçar.
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Há tão poucas coisas saborosas quanto o espreguiçar.

sexta-feira, novembro 03, 2017

Elixir que não existe

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O ar passa como um rio, sobre o rio e sobre a casa e à sua frente. Desagua na praia de rochas furadas – suas barbacãs, torres e albarrã.
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Na casa entram julgando terem entrado. É fechada na sua abertura, girada por campo encerrado.
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Sem convite nem sem proibição – é-se, não importando como. Há demoras indesejadas e partidas de desfeitar, usualmente mudas.
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Em Dezembro penso no Janeiro passado. O tempo irá passar e alguma coisa ficará para memória.
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Resta pouco do restar dos anos. Arrogantemente penso que o meu caminho breve e aleatoriamente se cruza com o da normalidade.
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A vida não é ciência, sou éter. A racionalidade é enfadonha e a sabedoria não me interessa, porque os dias são todos iguais.

quarta-feira, novembro 01, 2017

Por volta das quatro e três quartos

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O rádio, no tempo da melancolia e da angústia, fala músicas castanhas-cinzentas, de fronteira indistinguível. A tarde é eterna e os pássaros deitam-se mais cedo. As torradas com manteiga arrefecem e esquece-se do chá. Os gatos e os fantasmas dormitam. Os ladrilhos bicolores do chão da cozinha estão limpos. Talvez chova e faça frio. A noite não tarda, mas não vem.

Lisboa há bocado

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Não era o céu de Rubens. Olhei-o e vi, nem despido nem vestido de nuvens, um azul claro tão limpo, além daquele de enrolar bebés.
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Sem perceber, senti-me em Paris. O pré-anoitecer e o fumo dos assadores de castanhas, acabo de chegar, lembrou-me. Certamente, não tem nada a ver. Aliás, conheço mal a cidade.
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Não sei por que o pensei. Um devaneio sem infidelidade. Certamente uma distracção que o divã não concluirá conhecimento.
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Sou tão lisboeta. Sinto-me na luz clara reflectida no Mar da Palha e no empedrado desconfortável de calcário branco.
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Ainda no Outono, ainda no Inverno, já na Primavera e claramente no Verão, há luzes todas irmãs, quase fantásticas quanto a da angelitude.
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Na noite fria, preferencialmente chuvosa, a viagem num cacilheiro aberto tem o seu som e a cidade a sua cor. Um lisboeta sabe que o é se entende isto.

quinta-feira, outubro 26, 2017

Teste de palavra-leitura-ânimo sem fronteira

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Se no universo, caindo pelo tubo negro-néon e das cores-néon, riscos de vertigem, como sonhos de inquietude, porventura sentindo a aragem da viagem, estaria todo-tudo, matéria e espírito, afogando-me numa ideologia utópica.
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É difícil, claro. Se compreendo o frenesim que vos assusta, mesmo descrendo, nas orações continuadas, não sei o que digo, se solicitação, se desdém de vida, se o labirinto de negrum sem portas, como se no universo caindo esperando o chão e sabendo-dúvida da vida e da morte, não sei mais, do condicional ao imperfeito.
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Contado isto o que espero, avisando das minhas interrogações serem afirmações, deixo-vos por mim adivinhar o que sou incapaz de definir. Se indizei-vos, dirão-me.
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A árvore de Alice.
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A nuvem.
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A flor do cardo.
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A cidade fechada.
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O caminho para um outro lado do mundo de outro mundo.
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A cadeira de chorar.
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Calado receberei tudo, fechando indignação e disfarçando. Até no instante se sente um hálito e cabe uma memória. A resignação não é em mim e não mo perdoo.

Contemplando

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Chovendo-te rubis e sobrevoar-te para roubar os bagos da granada.
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Pela pele de clara macieza, esperar vinho e mel.
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Que em ti fosse o luzir da vela na insónia e a chama te acendesse inteira, incendiando.
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Atrevido como os ribeiros, mas frágil como as margens, desço, na vergonha da derrota e da ousadia, até ao mar sem em ti permanecer.

quarta-feira, outubro 25, 2017

Don

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O negro tem mistério, esconde perseguidos, predadores e heróis. No escuro não há música, somente os ruídos incapazes de se recatarem. A revelação arranca o medo, à luz não há monstros e o sono tarda em cumprir-se.
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A noite é como outro mundo, quando as flores cheiram diferentemente.
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Como o sal tempera, um fino feixe acorda os arrepios e o engolir da saliva atrapalha-se na garganta dilatada. Não há medo como esse.
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Nas horas do dever ser-se acordado, a silhueta negra é uma vertigem de vontade de alcançar e receio de tocar. Como se a derrota importasse elevadamente e a vitória se indesejasse.
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O Don foge pelos corredores das ameias e encurralado deixa ao perseguidor o sombrero andaluz, a capa coimbrã e uma garrafa de Vinho do Porto.
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É esta uma glória do mistério sobre o esclarecimento, como o êxito do placebo sobre a doença.
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O Don revelou-se, em 1928, pelo traço e pintura de Georges Massiot. Perfeito, eterno e infinito como o paralelogramo losangular e impossível de Victor Vasarely.
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Gerou-se nos porões húmidos dos navios que, desde 1790, traziam lanifícios e carvão e levavam Vinho do Porto. Pernoitou secretamente antes de se erguer no negrume. Onde vive quando não sequestra a respiração e o olhar do espanto fantasmagórico? Nas caves de luz infiltrada, de carácter do ouro quase velho.
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Sempre de negro, com a elegância superior do Rei de Portugal embuçado, vestido para vencer. Isso consolava-me a fantasia.
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O Batman é maior desde que lhe tiraram o azul e o cinza. Hoje, o Don permite vislumbrá-lo, mas não é menos solene nem soberbo. Que bem, mas prefiro-o de fisionomia calada, como foi a Maçonaria antes de ser discreta. Ainda assim, a visagem é feliz, obra da Volta Branding & Digital Studio.
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O Don não se deixará capturar, desaparecerá na sua torre sem caminho, deixando uma garrafa de Vinho do Porto para o perseguidor se felicitar e ter desafio e alma na sua obsessão impertinente.
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Georges Massaiot
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Logótipo precedente ao actual.
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Dani Morell
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Nota: Gosto tanto do Don que anteriormente já o tinha convidado a estar no infotocopiável.
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