digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, julho 28, 2011

Escrito com palavras de sombra














A eternidade pode ser uma palavra perdida. Uma frase grafitada num muro esquecido. Quase silêncio do vento a bater nas folhas e galhos. Quase quente. Quase ébrio. Quase deserto.
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A solidão é uma sombra esbatida, uma vida abandonada, um encolher de ombros, um não querer saber, um não esperar nada, um não desejar nada, uma vontade de coisa nenhuma.
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E o que é o tempo? O mancar dum relógio de sala? Nas casas vazias, nas almas tristes, nas vidas esquecidas, nas horas de tédio.
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A eternidade dos infelizes escreve-se à mão. Palavra escrita com tinta de sombra. Palavra grafitada numa parede onde não bate o Sol e onde ninguém passa.
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O tempo é um buraco negro, que suga a vida. Viver é esperança? Quantos não andam mortos e apenas esperam?
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A tristeza escreve-se com letras queimadas. A eternidade dos tristes tem trezentos e sessenta e cinco dias por ano e de quatro em quatro tem mais um. Cada dia tem muitas mais horas do que as vinte e quatro das jornadas dos felizes. A dor do tédio. A espertina em desatino. As horas vazias.
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A vida suga a vida de quem vive triste. De quem teve a tristeza de nascer triste e viver triste. A vida é uma voragem. Não vale a pena pedir socorro, porque o triste será sempre triste e quanto mais triste viver, mais triste será.
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Não há socorro. Ainda que peça, ninguém ouve. Os alegres, na sua bondosa ignorância, desviam-se. É mentira. Dizem. Só faz porque isto e aquilo e se quisesse já tinha feito, é mimo, é isto e é aquilo.
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O tédio mata e mata-se o tédio matando a vida que mata.
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A verdade escreve-se a fogo e a tristeza com letras de sombra.

Elogio do suicídio
















Só quem nunca provou o seu sangue pode pensar que o suicídio não é solução. Quem nunca adormeceu comprimidado não pode saber que o suicídio é mesmo a solução.
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A morte é sedutora. Quem já passou o túnel, quem já viu a luz de branquidão indefinível, sabe da vontade de ir, deixando com saudades os que ficam.
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Também quem morre sente saudades. De certo. Mas será tão mais livre sem o peso do corpo. Sem o peso do corpo, que se pode deixar pendurado, preso pelo pescoço.
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Quem nunca se lançou duma altura não sabe da leveza de voar, ainda que por uns segundos. Só dói bater com os pés no chão, prova de que viver não vale a pena.
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Que dizer da vertigem em se lançar para diante dum comboio? Um orgasmo louco e breve.
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Só quem nunca pensou em suicídio não pode saber da leveza que terá quando se for e deixar para trás toda a mágoa de viver.
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Cansado que cantem a vida. Quanto pesa viver em dor? Quanto pesa não ter futuro? Pois que o futuro seja além.
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A sombra, o buraco, o canto, o sufoco. A sombra que dá lugar ao escuro-negro, as lágrimas que doem. Doer só por doer. O suicídio é mesmo a solução.
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Basta querer. No momento em que viver já não é solução. Basta querer. O suicídio é libertação.

terça-feira, julho 26, 2011

Quinquagésimo-sétimo andar


















Bebo vinho, projecto para além do corpo, mas não o corpo. Para longe. Tenho pesadelos, a dormir e acordado. Percorro ruas sombrias, darques, de dia e de noite, desperto ou mergulhado no sono.
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Os dias têm anos.
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Sentado no beiral do quinquagésimo-sétimo andar pondero um salto, em duas esperanças e nenhuma certeza. Partir ou voar?
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Voar para onde possa viver num quinquagésimo-sétimo andar. Partir. Pouco me prende aqui.
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Nem namorada nem amor. Nem filhos nem vontade. Sem ler e sabendo. Sem fazer e com tempo. Nem música nem ânimo. Nem música para o desânimo.
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Projecto para além do corpo a vontade de partir. Daqui e daqui de cima. Tenha ou não um quinquagésimo-sétimo andar. Sem certeza se voo ou se caio.

terça-feira, julho 19, 2011

Tu aí ao lume e eu aqui perto das macieiras







Macieiras e vento para trazer o aroma dos frutos. O mundo com fundo no fim do olhar, sem muros, nem nada.
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Eu aqui e tu à volta duma fogueira, fora da vista. Vejo-te os olhos verdes nas saudades, vês-me no luzir trémulo.
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O mesmo céu como testemunha dos beijos que nos mandamos, enquanto disfarçamos qualquer coisa para que quem não olha não possa ver nem pressentir.
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Eu, deitado. Tu, sentada. Lado a lado em lados diferentes. Tu aí e eu aqui, como se estivéssemos de mãos dadas. A Lua como parede onde afixamos os beijos.
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Ninguém vê. Não querendo, queremos que todos saibam. Sem ninguém ver, fazemos com que não vejam.
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Pela a aurora, o Sol aparece e levanta um véu mágico, numa magia doutro princípio. A luz manda adormecer quem passou a noite suspirando às estrelas.
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A luz do fogo em cinzas e sem vento para trazer o aroma das maçãs. Mas o fim do mundo está no mesmo sítio e o céu mantém-se testemunha.

domingo, julho 17, 2011

Obscuridade














A tristeza é muda. Carpir distrai a dor. A melancolia está na solidão e os lugares vazios têm fantasmas. Zonzo, com pesar na alma. Derrubado pela impotência de fugir da prisão dos dias. Deitado à espera de adormecer. O amor resolveria tudo, disseram-me. Amores? Desisti. Basto-me para sofrer. Os dias têm demasiados anos.

terça-feira, julho 05, 2011

Negro, sem luz

















Além da morte. Mais profundo do que os palmos de terra. Anónimo, sem memória nem saudade. Não quero ver a luz clara, nem passar túnel, nem ter cruz na campa, nem campa, nem nada. Tampouco um subtil fumo a sair da chaminé e a misturar-se no ar. Anónimo como as pedras das construções em memória, mas sem memória para poder cravar um nome e datas. Não ficar em parte alguma, sem memória nem saudade. Negro, sem luz.

Além da morte















Deus criou-me. Sem nada lhe ter pedido, deu-me vida, como uma dádiva. Vida após vida tenho vivido até chegar ao momento em que lhe peço que me descrie. Não que me leve, não que morra… A matéria, como sempre, na terra. No éter, a memória. E o espírito, como definir?...  para um tempo antes de existir, para o onde não estava até à criação… peço-lhe que me descrie.

domingo, julho 03, 2011

Riso













Tenho o quarto com cheiro de riso. A penumbra da noite tem olhos luzindo. A cama tem memória. O corpo, saudade. Pelo chão, muitos beijos caídos. No chão, a garrafa da água que saciou a sede. Cabelos estendidos em fronhas e lençóis, impressões digitais nas costas e o cheiro do riso por todo o quarto. São rosas.