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No fim vou abrir as portadas, revelando a luz que me
ofereceram, amigos e familiares, obviamente amigos, porque o sangue só importa
na bondade e amizade. Para já dedico-me ao corridinho das notícias e das explicações.
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Escrevo este texto hoje, terça-feira, porque sei que não
conseguirei fazê-lo amanhã e, muito menos, na quinta-feira. Estou a pouco mais
de quarenta e oito horas do foguetão estalar a minha barreira do som.
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Este vinte e oito de Outubro será um dos dias mais intensos
da minha vida. Assim, à primeira vista – a pouca distância temporal – será tão
pleno de inquietude quanto o do meu casamento.
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É mentira, mais do que um engano. A felicidade da melhoria
da saúde esquece-me do horror e do terror que passei.
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Se nesse dia ri, agora irei certamente chorar.
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Esta ansiedade é boa.
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É bom sentir a distância de negrum. Ainda angustiante por a saber
frágil.
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Parecendo a desastrada letra – não que atinge o grau de mau
poema – dum fado de espetar facas nas pedras, não há como as deixar sair, não
vejo alternativa:
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Hoje sou feliz quando estou triste. Uma felicidade que vem
do mundo que não acaba. A depressão alimenta-se sozinha, sem ajuda. Porém,
quando se lhe acrescenta uma contrariedade aceita-a com terrível amizade.
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Esperança? Sim, a esperança de ter esperança – como
continuando a má escrita, desse fado, já avisada. O suicida não foge da vida,
foge da dor – não sei quem o disse, mas é verdade. Não queria morrer, queria
viver e tinha essa esperança de esperança. Noutros dias, vivendo no negrum
quase pleno – se o fosse não escreveria este texto –, não queria morrer, queria
desexistir.
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Facilitando, a depressão é um bicho. Existe em mim – sou
também – e desloca-se. Cria-se, aumenta-se, devora e toma conta de tudo. É um
órgão, fígado-estômago-pulmões-coração-cérebro. Que dor quando se levanta e se move…
morde até ao querer, ao crer, à existência e chega à alma.
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Agora, melhor em notícias, explicações e contentamento:
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Pelos dias que têm vindo de dois mil e dezoito, uma das
principais razões para a escritura do livro, centro-me na visão da ansiedade
feliz, porque me faz feliz.
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Sei que sobreviverei ao dia em que vou enfrentar a multidão
– estejam dezenas, centenas, milhares ou uma só pessoa na assistência. Será um
alívio. Prevejo uma impaciência de dádiva e sofreguidão, e água saindo-me dos
olhos, numa confusão de bem e mal e de nudez sem pudor.
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Na busca de exemplos antigos, tentando localizar alguma(s)
fonte(s), tristemente descobri uma depressão muito precoce. Sabendo dalguns
poemas intensos da juventude, procurei nas folhas que zelosamente guardo.
Tristemente alcancei a ignorância dos dias adolescentes. Cheguei aos meus treze
anos e parei. Desisti, por prudência, de coscuvilhar. Talvez nem importe saber
se foi aos treze ou aos dez ou aos oito anos ou a qualquer data infantil. Essa
qualquer data é demasiadamente poderosa para que a queira desafiar. Pousei os
cadernos.
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É doloroso identificar uma pessoa que se adora como o mau-da-fita.
Recupero algum fôlego quando relembro que sou a vítima.
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Este testemunho não é vingança – coisa estúpida seja pelo
que for – nem sequer ajuste de contas. Somos plurais, imperfeitos e, em doses
diferenciadas, egoístas e egocêntricos – mais condescendentes connosco do que
tolerantes com os outros. O meu pai – verdadeiramente ignorando o mal que me
causava – deu-me uma nascente de lágrimas.
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Se magoei o meu pai? Claro, assumo-o com vergonha e alívio
por o reconhecer. Porém, este livro não é sobre os meus pecados, mas o do meu
sofrer. Espero que não aconteça, mas se vier a suceder será outra pessoa a
clarificar os danos que causei, gero e infligirei – espero não errar o
suficiente para oferecer tristeza tão funda quanto a minha.
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Esperando não acontecer, tenho de estar preparado para isso.
Serei resignado no que conseguir. Contudo, são contas que farão por mim.
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Depois ainda o decisivo empurrão, tiro invisível duma
pistola escondida, dum merdinhas que crédulo tive como amigo. Dos antigos e pelos
dias que se passam, não acredito na maldade escondida numa mentira. Nem na
crueldade duma partida sem adeus. Sem uma palavra verdadeira, sem dizer nada. Vivo
nessa ignorância, mas não importa.
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Presentemente, diante de mim estarão os que me têm salvado a
vida, sofrendo pelos meus pedidos de ajuda e cuidando, eles mesmos, uns dos
outros. Nem todos poderão aparecer na cerimónia, isso não importa, porque o que
me auxiliaram – espero que não tenham de o fazer novamente – é tão maior do que
parte duma tarde importante.
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Importantes são os dias anónimos.
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Não aceito este texto como autoajuda, independentemente das
prateleiras das livrarias onde o coloquem. Não mostro magias, de promessas de
alívio e de cura – ilusões perigosas. Não sou profissional que possa tratar o
íntimo dos outros. Aconselho, padecentes e seus benqueridos amigos, somente
procurar especialistas.
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Porém, se puder ajudar alguém – até mesmo uma só pessoa,
ainda que não a conheça ou venha a conhecer – dá-me felicidade. Com a imodéstia
da minha modéstia, ou vice-versa ou igualmente, sei que irá acontecer.
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Negrum – vocábulo que decidi criar – é o mais negro dos
negrumes. Seja um buraco negro do universo, sorvente do ânimo e da luz,
arrastando quem apenas quis generosamente auxiliar.
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Eu não disse «A esperança é mesmo o farol». Foi o meu
editor, Francisco Camacho, que o descobriu quando leu as minhas palavras.
Quando mo colocou diante dos olhos disse, quando os meus olhos o leram, soube
que era o acertado.
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A facção do alinhamento técnico – a estrutura, a
sistematização ou onde pôr a vírgula – foi muitíssimo fácil, ainda que a equipa
da Leya me tenha sugerido modificações e colocado tópicos a abordar. O problema
foi o mexer na intimidade.
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O Francisco Camacho e o seu colega Sebastião Veloso
estiveram sempre à distância dum email ou dum telefonema. Concederam-me
compreensão por alguma irritabilidade , o que foi vital num texto tão
emocionalmente exigente.
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Ambos foram importantes na escrita deste texto de,
sensivelmente, duzentas páginas – fica este úmero impreciso, pois não sei o
nome do estilo de letra, da sua dimensão e espaçamento que tremendamente ditam a
soma final das laudas e doutras partituras. Os dois lançaram desafios,
corrigiram-me a mira, mostraram-me onde podia acrescentar.
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Ajudaram-me a escrever. «A esperança é mesmo o farol» não é
um trabalho de grupo, mas seria (muito) certamente fraco sem as suas
intervenções.
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Serei injusto se não referir o trabalho do revisor, Eurico
Monchique, com quem me zanguei e divergi muitas vezes. Se houver enganos de
português a responsabilidade será minha, porque assim o exigi. Não é retórica,
porque fui exigente e frequentemente distante.
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Os revisores «servem» também para levar pancada dos autores.
Assim aconteceu, porque tem de acontecer, pela autoridade, autoritarismo,
ganância linguística, pensamento mágico do escritor.
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Espero que os meus golpes não tenham sido nefastos – talvez
me esteja a conceder uma importância errónea –, não o tenham magoado. Se o
coloco elogiado é porque lhe notei um respeito muito grande e empenhado na
revisão destas duzentas páginas.
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Quando se afirma que os amigos são para as ocasiões difíceis
não se está longe da verdade. Lembro ainda, e sublinho, que temos sobretudo
conhecidos, que tantas vezes estão confundidos com amigos.
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Reconhecendo, afirmo, sem qualquer mentira, que sou um
felizardo. Aqueles que cria serem amigos revelaram-se amigos. Alguns
precaveram-se, compreensivelmente, da toxicidade que emanei, ainda assim não me
abandonaram. Mais ainda: não só ninguém desertou, como apareceram pessoas, de
quem não esperava nada, mostrando-me solidariedade e amizade. Numa só palavra:
caridade – no melhor o significado. Tenho mais amigos do que julgava ter.
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Isto que acabei de letrar não é bem uma verdade, porque houve
quem partisse de mim. Não foram pessoas a quem eu quisesse mal ou me quisessem
mal. Foram namoradas – relações breves por minha responsabilidade. Findos esses
envolvimentos naturalmente abalaram, não faz sentido, na maioria dos casos,
permanecer numa proximidade, mesmo se o parceiro não gere veneno. Não é a mesma
coisa que a deserção de cridas amizades.
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Precedendo a galáxia – sem disparate de comicidade de
mau-gosto – devo a minha vida também às gatas Granita, Lioz, Paraquedas (sem
hífen) e Valsa e aos cães Bobi (sem acento), Chuqui, Manga e Mel. Vidas são
vidas e os animais não são brinquedos, têm-nos afecto e concedem-nos momentos
doces e divertidos.
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Agora, sim, em delírio (tentado) cómico: o Serzinho
Irritante, o Chico-Manel… o meu tão querido filho. Por felicidade, não sabe o
que é o meu tormento, embora tenha pressentido o meu amargor e ouvido falar em
depressão. É a pessoa que mais gosto no mundo.
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O que dizer agora?
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É esta a época de contar dos heróis. O que fizeram eles?
Foram heróis. Há alguém maior do que um herói? Só os seres de luz sublime, que
não causa sombra. Acima desses só Deus – afirmo-o porque creio – e chamemos-lhes
santos, anjos, amigos espirituais…
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Em que consistiu o seu heroísmo das pessoas terrestes? Literalmente
a salvação da minha vida! Desde coisas (aparentemente) pequeninas até à
concessão de ombro e colo.
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Não há ordem justa dos enunciar, revelo-os por ordem
alfabética:
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Ana Dias (minha mulher), professora Ana Marques Lito (minha
psicanalista), Ana Suspiro, Isabel Colher, Carolina Palma, Maria Mestra Palma
Tiago, Doutor Mário David (meu psiquiatra), Sérgio Carneiro e Vasco Rosendo.
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Fim. Espero que o meu fim seja – como se existisse fim –
quando tiver que ser. Não quando eu pense que seja a minha finalidade.