digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, setembro 13, 2017

Carlos, o vencedor

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Nós, os portugueses, somos absolutos, na tristeza e na glória, no amor e no apupo. Para nós, o interessante, o bom, o muito bom e o fantástico são fantástico. O homem de pouco brilho com uma ideia é genial, como o é o génio.
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Assim nos apaixonamos e morremos e vivemos o dia-a-dia.
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Não sei se outros povos são assim, mas como português tenho de admitir que somos diferentes, que a indecisão e a bipolaridade são só nossas ou que, pelo menos, não há quem atinja os nossos níveis de auto-estima e deploração de alma, nem sofre dos enormes dilemas de escolha.
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Provavelmente por ser português, isso irrita-me. Irrita-me solenemente, que é uma expressão que me irrita solenemente e que, quando me calha na cabeça, não há como apagar do tempo-ser.
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Tudo para dizer que, por vezes, há pessoas especiais e são o exagero. Alguém estrangeiro na mediania. Conheço uma dessas pessoas desalinhadas no espaço-tempo. Não é artifício, esta expressão da Física.
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O meu amigo Carlos é de agora e é daqui, embora tantas vezes os seus ser e estar se encontrem noutros sítios. A sua maior demasia é o seu comprometimento apenas com a consciência.
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Não vou contar intimidades, porque não têm interesse. A amizade define-se numa palavra: amizade. O encontro pode ser curioso, todavia é a vida que faz o lugar e a estrada.
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Como todos nós, os portugueses, o Carlos sofre de verbalização absoluta e insiste em chamar amigos a qualquer bípede. Não apenas pelo exagero do nosso barro. Fá-lo infantilmente, numa generosidade rara.
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A minha ideia original era escrever sobre o Wanli – uma casa que foi episodicamente minha e completou sete anos no passado dia dez. A sala-de-estar – como lhe chamei e ele adoptou a expressão – é ele, o Carlos. É um sítio que se move e existe onde ele estiver.
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Não disse o principal. Não expliquei completamente quem é o Carlos. Uso-me da pintura Velázquez para exemplo. Ele não está neste quadro, é o seu significado ou que nele verdadeiramente importa.
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Em 1625, Ambrosio de Spinola, ao serviço de Filipe IV de Espanha, tomou a cidade de Breda a Justino de Nassau, filho de Guilherme d’Orange, que governava as Províncias Unidas. Em «A Rendição de Breda», o italiano segura o vencido, para que não se curve e, dando-lhe essa dignidade, se torne amigo.
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Carlos é isto! Vencedor sem ofensa, derrotado digno e alguém que diz de frente o quer, mesmo que mal pensado. O Carlos tem sempre um abraço e disponibilidade para amar.