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Nós, os portugueses, somos absolutos, na tristeza e na
glória, no amor e no apupo. Para nós, o interessante, o bom, o muito bom e o
fantástico são fantástico. O homem de pouco brilho com uma ideia é genial, como
o é o génio.
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Assim nos apaixonamos e morremos e vivemos o dia-a-dia.
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Não sei se outros povos são assim, mas como português tenho
de admitir que somos diferentes, que a indecisão e a bipolaridade são só nossas
ou que, pelo menos, não há quem atinja os nossos níveis de auto-estima e deploração
de alma, nem sofre dos enormes dilemas de escolha.
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Provavelmente por ser português, isso irrita-me. Irrita-me
solenemente, que é uma expressão que me irrita solenemente e que, quando me
calha na cabeça, não há como apagar do tempo-ser.
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Tudo para dizer que, por vezes, há pessoas especiais e são o
exagero. Alguém estrangeiro na mediania. Conheço uma dessas pessoas
desalinhadas no espaço-tempo. Não é artifício, esta expressão da Física.
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O meu amigo Carlos é de agora e é daqui, embora tantas vezes
os seus ser e estar se encontrem noutros sítios. A sua maior demasia é o seu
comprometimento apenas com a consciência.
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Não vou contar intimidades, porque não têm interesse. A
amizade define-se numa palavra: amizade. O encontro pode ser curioso, todavia é
a vida que faz o lugar e a estrada.
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Como todos nós, os portugueses, o Carlos sofre de
verbalização absoluta e insiste em chamar amigos a qualquer bípede. Não apenas
pelo exagero do nosso barro. Fá-lo infantilmente, numa generosidade rara.
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A minha ideia original era escrever sobre o Wanli – uma casa
que foi episodicamente minha e completou sete anos no passado dia dez. A
sala-de-estar – como lhe chamei e ele adoptou a expressão – é ele, o Carlos. É
um sítio que se move e existe onde ele estiver.
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Não disse o principal. Não expliquei completamente quem é o
Carlos. Uso-me da pintura Velázquez para exemplo. Ele não está neste quadro, é
o seu significado ou que nele verdadeiramente importa.
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Em 1625, Ambrosio de Spinola, ao serviço de Filipe IV de
Espanha, tomou a cidade de Breda a Justino de Nassau, filho de Guilherme d’Orange,
que governava as Províncias Unidas. Em «A Rendição de Breda», o italiano segura
o vencido, para que não se curve e, dando-lhe essa dignidade, se torne amigo.
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Carlos é isto! Vencedor sem ofensa, derrotado digno e alguém
que diz de frente o quer, mesmo que mal pensado. O Carlos tem sempre um abraço
e disponibilidade para amar.
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