digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, maio 31, 2007

Foi no que deu

Não cabia em mim de contente. Rebentei de alegria. Agora estou aqui que nem posso. A alegria é a causa da minha tristeza.

Nota: A peça é absolutamente alegre. E ai de quem diga o contrário!

Cogitação

Alcanço com o corpo pormenores de pele onde nunca chegaste. Quanto às mentes... não sei para onde vou e só sei que proteges a cabeça da chuva.

O mistério maior

Maio acaba hoje e estou a pensar no primeiro de Abril e nas mentiras que ficaram por dizer. Talvez seja esse o maior mistério: o que fica por dizer.

quarta-feira, maio 30, 2007

Do saber e do gosto pela arte

O psitacista confunde-se com o erudito. O dinheiro não compra a sabedoria, mas pode dar brilho à ignorância e polir o gosto. A vaidade não é contrariada pela pobreza nem pela sabedoria nem pela riqueza nem pela ignorância. Ter ou não ter não significa pensar. Afinal para que serve a arte?



Nota: Ler mais em Formiga Bargante.

Inexistência

Não sei se já é quarta-feira ou se ainda é quarta-feira. Vivo em desprendimento, numa espera sem esperar, sempre pousado, sempre pausado, inquieto por esperar, esperando tudo e sem esperar nada. Um dia à frente do outro e outro à frente do outro e outro à frente do outro numa absoluta soma de unidades desinteressantes. A unidade pouco mais é do que zero. Perdida está a esperança de ter a vida num só dia e muitas vidas para viver de seguida, como fossem cigarros para fumar. Talvez um dia seja quarta-feira e saiba o que fazer com ele.

Pelo trabalho

As palavras são de ferro e de pedra e com elas constroem-se edifícios de texto. Depois rasgam-se papéis e erguem-se vozes. Tudos se faz com letras, palavras, frases, períodos e parágrafos. Os meus dedos não param. Todos os dias e quase todas a horas estou ligado às palavras. Umas vezes gosto, mas noutras faço o sacrifício. As minhas mãos de menina têm outra sensibilidade para além das palavras. As minhas mãos tocam flores com palavras e com imagens. Pelas palavras, as minhas mãos amanham peixe, moldam ferro e partem pedra com palavras. Por que hoje haveria de ser diferente?


Nota: Hoje decorreu uma greve geral decretada pela CGTP. Ao que parece à vista desarmada e pela informação recolhida foi um enorme fracasso.

Um banho

Queria um banho que me lavasse por dentro e levasse o passado. Queria um banho que molhasse a cabeça e esfriasse o ânimo. Não dou por mim nem dou nada por mim. Desmaio por me ver sem roupa, reparo por me ver vestido e nem quero saber como estou. Esteja como estiver, dou tudo por um banho. Dou tudo por um banho que me lave e leve, porque não acredito no gesto das mãos nem no sentido da cabeça nem nas palavras da boca. Preciso dum banho que purifique. Um banho divino e sábio... em que eu me fique como um menino quedo nas mãos de sua mãe. Mas porque Deus não me vem lavar-me, tenho eu de banhar-me como todos os pecadores, tirando proveito e prazer da água. Não me esfria a cabeça nem o ânimo... e tanto preciso de ser levado e lavado!...

Para o divã

Mãe quer dizer quase tudo. É a primeira palavra e a última. É a maior e a mais bonita. Não adormeço nem acordo sem a pronunciar. Quer dizer quase tudo.

O castigo

Gosto de pensar na noite como um tempo próprio para o cometimento de crimes de sangue. No entanto, esta mania que toda a gente tem de sair à noite dá-me cabo da fantasia.

segunda-feira, maio 28, 2007

A decisão do tédio

Há noites em que não me deito para não ter de me levantar. Há dias em que não me levanto para não ter de me deitar.

sábado, maio 26, 2007

Preciosidades

O amor é uma preciosidade, deve guardar-se como uma jóia. Mas, o amor é uma liberdade irreverente e qualquer gaiola é um sólido impossível. Não há forma capaz de deter um coração.

Vidas


A criança deseja chegar a homem. O homem aspira a Deus. O tolo quer ser o Diabo.

Saudação

Viver é a minha fantasia preferida.

Luzes e sombras


Preciso duma mentira para rir e emocionar-me. No mistério e no desconhecido há um encanto que a verdade e a sabedoria não podem dar. O caminho é sempre mais belo do que estar no destino. Eureka é um orgasmo breve. Sou uma criatura das trevas e contento-me com pouca luz.

Aparências e ilusões

Se a minha casa parece um museu é porque não estou suficientemente arrumado.

Passagem entre o gelo

A vida é um profundo azul e ilusão. Descobri isso no Loch Lomond. É mais erudito anunciar que aconteceu no exotismo selvagem das Américas ou nas terras milenaremente sábias dos confins da Ásia ou eventualmente nos termos genuínos, básicos e autênticos de África, mas nunca na civilizada, austera e aborrecida Europa. Mas aconteceu-me na Escócia.
A vida é uma distante Islândia e pouco mais interessa: negro vulcânico, verde orgânico, vermelho magmático, azul oceânico, branco gélido e o cinzento vaporoso. Para quê querer viver mais longe? Toda a natureza básica está ali. Tudo o resto é um resultado.
Por mim viveria entre Edimburgo e Reikjavique, fazendo viagens num ferry e entretendo-me com estórias de vida suburbanas. Só não abandono tudo porque a carreira não existe e porque não tenho nem mulher nem filhos ou outra vida fastidiosa para abandonar.
Tudo o mais é igualmente gelo... do Ártico ao Antártico, inclíndo os trópicos. Para que servem os trópicos? Para que serve a Lua e os cocktails à beira da piscina? A vida é um profundo azul e ilusão.

Chuva

Pouco sei de ti. Estou aqui e indiferente ao que saibas de mim. Estou sensível e, ainda assim, indiferente à temperatura. Não sei do céu.

Não sei do céu. Gostava de vir livre caindo. Vir solto sem desprendimento algum ou ponto de amarração, que não houvesse ponto de chegada.

Se eu fosse chuva... se eu fosse chuva vinha caindo sem saber o destino. Tal e qual como estou agora vivendo.

A inveja

Amplio a minha infelicidade com a felicidade dos outros.

quinta-feira, maio 24, 2007

Humana tragicomédia

Deus, na sua divina sabedoria e perfeição, parece esquecer-se de mim. Marimbo-me nele. Sei que existe e levo a vida como se ele estivesse ausente. Se ele nada me dá, eu também não lhe falo! Não sei o que virá a seguir nem o que se esconde atrás da realidade. Se a fé é um mistério, se a vida é um mistério, que se brinque ao quarto escuro. A minha vida é uma tragicomédia. Divirto-me horrores!
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quarta-feira, maio 23, 2007

segunda-feira, maio 21, 2007

Subúrbio calado

Há um vazio na minha cabeça que é uma névoa de dor ou um nó de silêncio. O betão da parede está plano e liso, quase macio, como se o bater das ideias o tivesse polido e a luz dos dias o envernizasse. O cinzento dos dias é mais aborrecido do que o dos muros suburbanos e o tédio dos minutos não gera fontes de saber.
Na minha cabeça desejo degraus para uma açoteia ensolarada, mesmo que chova todos os dias e que de lá apenas se aviste um jardim triste com nespereiras. A minha boca fechada engana: nem sempre estou tão silencioso.
Nunca vi um pardal molhado a saltar nem pombos nos subúrbios. Nos dias difíceis vejo fios de telefone, folhas de árvore mudas e muros cinzentos em silêncio cúmplice e comprometido. Há um vazio na minha cabeça que é uma névoa de dor ou um nó de silêncio. Tenho uma metrópole calada a habitar-me no crânio.

Desabafo quase cantado

A mentira é sempre mais interessante do que a verdade.

Último repasto

Os gastrónomos suicidam-se às horas das refeições?

sexta-feira, maio 18, 2007

O meu "meme" não é sábio

A Sara deu-me uma candeia para saber do caminho. Com a luz que ela me deu percebi que não quero ir a lado nenhum. O mais cego de todos é aquele que coxeia.


Dedido este meu "meme" a quem me desafiou e a quem dedico um beijinho... à Sa.Ra.


Nota: Um "meme" é um "gen ou gene cultural" que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma. Simplificando: é um comentário, uma frase, uma ideia que rapidamente é propagada pela Web, usualmente por meio de blogues. O neologismo "memes" foi criado por Richard Dawkins dada a sua semelhança fonética com o termo "genes".' (Esta definição que circula com a corrente)

A outra vida

A minha vida não é só esta. Tenho outra para os momentos felizes.

quarta-feira, maio 16, 2007

Inadaptação

Dentro de mim tenho o meu mundo, tão errático quanto o universo donde venho. A minha cabeça está adaptada à atmosfera doutro quadrante, aqui desencontra-se e estranha o ar, a luz e os ângulos certos. A minha cabeça questiona o meio-dia e o quarto para as três. Não nasci para ser rico nem famoso. Não nasci para ser pobre nem ausente. Não nasci para ser mediano e remediado. Não pertenço aqui. Não sei estar doente nem loução. Quando era menino estranhava a infância e nunca percebi a adolescência. Agora que sou adulto quero ir para velho e quando lá chegar penso na viagem de volta ao lugar donde vim. Todavia só temo não encontra a porta. Por agora vagueio pelas praças a conversar com os pombos. Na minha cabeça transporto o meu mundo errático perante a indiferença de todos e a certeza curiosa das aves.

Origem

A origem da luz não faz sentido nem a duração dos dias nem a rotação da Terra. Venho dum universo errático. Os meus apetites não têm lógica e, por isso, são os mais puros: são apetites. Mais do que instinto, são apetites. O Norte, o Sul, o Este, o Oeste não fazem sentido. Simpatizo com o Sueste, mas é apenas uma simpatia... o ponto colateral tem tanto de disfuncional quanto qualquer outro. Não sei do cimo nem do baixo nem da frente nem do atrás. A minha vida decorria com uma lógica inexplicável e ininteligível até chegar aqui, a Lisboa. Não consigo habituar-me ao sistema solar. Não sei sair daqui.

Ver a animação da instalação.

terça-feira, maio 15, 2007

Mar

O ar junto ao mar é tão especial que julgo ter nascido só para o respirar.
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Não sei se respiro para viver ou se vivo para respirar o ar do mar.


















No mar apanham-se cachos de prata viva e de lá vêm ainda estórias sem fim. Para lá vão rios de infinitas lágrimas.

Alguns dias

Um dia claro ou de chuva oblíqua. Um dia de melros de bico muito amarelo. Sento-me num degrau qualquer, numa pedra e, de olhos fechados, deixo o Sol entrar em mim. Deixo a chuva oblíqua entrar-me. Em casa sento-me encostado às paredes para que sobre mais espaço à minha frente. Tenho as janelas escancaradas e as vidraças franqueadas para que tudo se veja. A minha vida é um cubo de vidro de absoluta transparência e as minhãs mãos uma só malga para a água da chuva oblíqua, que se evapora no Sol forte e se vai no bico dos melros de bico muito amarelo. Estou sentado num qualquer degrau num dia qualquer de luz clara ou chuva oblíqua.

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segunda-feira, maio 14, 2007

Os admiráveis pés

Ponho os pés em qualquer parte, porque não sei onde os hei-de pôr. Tenho-os no fim das pernas, porque é onde melhor me servem, embora não me ficassem mal no lugar das orelhas para que os pensamentos corressem.
Deito-me, por vezes, cansado numa banheira de água quente, fechado num quarto quente para que o vapor me faça suar. Penso melhor e relaxo. A cabeça funde-se nas nuvens e os pés dissolvem-se na água e no esmalte do vaso. Sou um peixe. Em algumas situações necessito de música, mas, por regra, basta-me o ar abafado e o torpor.
No fim do corpo estão os pés. Longe dos olhos, calados mesmo se aflitos pelo peso do corpo. Gosto de lhes cortar as unhas e de as ver crescer. Permaneço imóvel dias a observá-las... quieto sem comer nem respirar, apenas a admirar a natureza sublime das unhas e a forma absurda dos dedos dos pés.
Dos pés nem mesmo lamento o cheiro depois do esforço. Ponho os pés em toda a parte. Não sei onde os hei-de pôr.

domingo, maio 13, 2007

Entardecer














O fim de tarde é uma infinidade de tempo finito. Passo-o correndo, brincando contigo: fugindo de ti ou perseguindo-te. O Sol de cor quente chamando as aves para as árvores e a Lua lembrando a proximidade da noite. Nesses momentos deveria ouvir-se uma qualquer música, um som especial, uma evocação da eternidade. Porém, a solenidade da vida é maior e nada ocorre. Voam as abelhas e agitam-se as folhas, é ruído que baste.

sábado, maio 12, 2007

Apologia

Estou enamorado pela mulher desconhecida e tenho todo o medo porque sei que só a ausência ilude e só a escuridão tem fundura.
Não troco um dia de mistério por qualquer outro de luz. Até ao final dos dias vou amá-la sem a desvendar e sem me revelar. Nunca os meus lábios vão conviver com os dela nem saberei o seu nome.
O meu último amor será de candura e leveza. Não saberei dela nem ela de mim. Poupam-se todos os dissabores e as feridas das quedas sobre os cactos.
A mulher desconhecida será sempre perfeita.

Satisfeito e veloz

Já cheguei onde não chegou a luz que há pouco partiu.

quinta-feira, maio 10, 2007

Vinho e tédio





















Um vinho branco despretencioso e amêijoas ajudam a esquecer o quanto estou cansado da realidade e da demora. Depois vem um bacalhau de cebolada que promete cólicas, o que no tempo presente é um sinal de progresso pessoal. O sal do mar um dia irá matar-me, mas agora arrebita-me apenas a tensão.
Noutras mesas segue o riso, a vida e o tino. Fico-me a entreter o tédio como qualquer outro milionário ocioso. Estou a ficar surdo e já não quero ouvir ninguém, insensível às dores de todas as almas e corpos.
Importam-me mais as temperaturas dos vinhos que acabo por nem beber... até do que as pernas das jeitosas. O vinho banal está esplendoroso e eu estou cínico.

quarta-feira, maio 09, 2007

Sonhar e dormir

Quero viver, amar e morrer em esplendor. À minha vida só concedo o direito de dormir. A mim compete-me sonhar.

Nota: My name is Bosa... Barbosa
movie themes - jam...

Imponderável

É outra vez quase Verão. Há luz e imponderável levitação. Falta um terço dos zumbidos aos insectos para que esteja pronto o sossego e o estio. Por agora parece estar quase tudo pronto, mas falta algo indefinivel. Por agora há luz e imponderável levitação, como se houvesse espaço para um outro tempo.
Por mim volto atrás e revejo a época das chuvas em busca do momento anterior ao zumbido dos insectos. Deve ser aí que reside o começo de todos os enganos. Minuto a seguir a minuto. cada minuto formado por infinitos instantes. Cada instante completo por inseguranças e loucuras. Tresloucados instantes e silêncios analisados em angústia incerta e incompreensível desamor.
Ou talvez antes. Provavelmente é preciso recuar a um tempo anterior ao Inverno, mesmo mais antigo que o Outono, para perceber a dissonância actual. Se calhar o desfazamento dos espelhos começou no próprio início, há coisa de quase um ano, quando as bocas se abriram para se saudarem antes de se beijarem e as almas se espantarem com o reencontro depois de tantos anos e vidas de separação.
Passou um ano imperfeito e não há maneira da levitação concertar-se com a música esquisita das açucenas, dos aloés e dos lírios. Não distingo os sons e os aromas das flores e tampouco as minhas mãos as sabem segurar com delicadeza. Tenho os gestos bruscos, os modos brutos e, dizem, um mau querer.
Passou um ano imperfeito com alguns dias felizes e noites de tempestade. Entre relâmpagos e calores perdi a noção de onde se desafinou a carne com a alma e o sangue desatinou a doer, fervendo. É outra vez quase Verão. Há luz e imponderável levitação. Não sei onde está a falha nem por que existe.

Evocação de Nasser

A minha amizade por Nasser tem mais anos do que aqueles que passaram desde que nos conhecemos. Conheço-o de há muitas vidas e sei muitas vezes no que pensa e o mesmo sabe ele sobre mim. Para mim, partilhar com ele um jantar é dos maiores prazeres que tenho. Não sei se a mesa tem de nós o mesmo prazer que eu e ele tiramos dela: pobres tábuas!... Havemos de ser muito velhos e ainda desfrutaremos grandes repastos bem regados. Noutras vidas faremos o mesmo, tal como fizemos em passadas.

Nota: Nasser faz hoje anos. Os velhos aqui retratados não são, necessariamente, eu e Nasser.

Óptica

Foi preciso que tivesse sabido quebrar as rectas e compreender as curvas para dar valor ao que desdenhava. As cores colocadas, antes julgadas em despropósito, afinal têm sentido. Tudo é mais do que um vago espaço e mais que um breve momento. Tudo é menos do que o seu oposto. O erro não era da paisagem, mas dos meus olhos.

terça-feira, maio 08, 2007

Desalinho

Ainda não sei que língua falas. Tenho receio do toque das mãos, que as minhas e tuas se encontrem e se enfeiticem ou engalfinhem em guerras eróticas que só a pele entende. Nada em ti é compreensível. Detesto-te e odeio tudo o que representas. Porém, não resisto ao febrão de te ver: suo como se sofresse duma gripe muito forte e deliro, revirando os olhos, tal e qual, só que por desejo.
Detesto-te e odeio tudo o que representas. Abomino os teus dois pés postos muito direitos para a frente quando me interrogas. Não te entendo. Não percebo as palavras que me diriges. Falas alto e gosto da voz serena e baixa. Não aprecio a roupa vaporosa nem os cabelos levantados nem os olhos muito abertos. Não suporto as cores das tuas pinturas nem o odor da tua pele e, muito menos, dos teus desodorizante, cremes e perfume. E os sapatos?! Meu Deus! Como me dão vómitos os teus sapatos!
Detesto-te e deliro e em febre erótica sempre que te vejo com os pés alinhados para a frente... com essas roupas hediondas, de tecidos horrendos e envolta em odores florais. Lembras uma imensa flor. Toda tu és um gineceu. Eu sou androceu. Não nos entendemos, porém. Não percebo nada do que dizes.

Lágrima

Josef Staline gostava de flores e Adolf Hitler amava cães. Se não há ninguém perfeito também ninguém está irremediavelmente perdido ou é completamente bárbaro.

Nota: Este texto não é uma apologia.

segunda-feira, maio 07, 2007

Infinita indefinição
















Apaixono-me todos os dias entre os dedos. E todos os dias, com dor, deixo de viver. Adormeço com esperança de não voltar e renasço todas as manhãs... em vão.
Na minha campa não há flores e a mais fina brisa corre de terra para o mar. O meu corpo não jaz ainda e evita comprometer-se com a terra. Fico imóvel durante horas a fitar a pedra que há-de sepultar-me. É um seixo muito grande e redondo sem nada escrito. Um meteorito de rio na cidade.
Apaixono-me dolorosamente diariamente. Todos os dias há uma mulher errada na minha vida. Todas as horas são de infinita aflição não correspondida. Há na minha pele o ardor da pele escarlate recém queimada pelas unhas cravadas da ansiedade de que me vejam e desejem. Todos os dias e a quase todas a horas abandono a vontade de me querer bem por causa duma mulher. Todos os dias suicido-me. Todos os dias choro-me aflito diante da minha campa. Todos os dias evito-me defunto. Há em mim uma infinita indefinição. Por amor delas e desamor de mim.

domingo, maio 06, 2007

Colo

Quero pousar a cabeça no colo duma mulher qualquer e esperar todo o afecto que espero da mulher eleita. Estou cansado de esperar pela minha mulher. Estou cansado da perfeição que não vem, não chega nem se alcança.
Vou pousar a cabeça no colo duma mãe e chorar todos os mortos. As minhas lágrimas sem sexo vão molhar os tecidos indiferentes, mas jamais chegarão às suas pernas. Nem ao longe nem ao perto se ouvirá piano nem harpa. Será um drama sonoro, mas a sua música terá a orquestração dos soluços e a catadupa de arrependimentos, gestos de baba, olhos lavados e face escorrida.
Vou pousar a cabeça no colo duma mulher escolhida ao acaso, uma mulher qualquer: uma mãe. Vou chorar toda a manhã, toda a tarde, toda a noite, toda a madrugada. Até não me lembrar de mim. Até não me lembrar do meu drama.
Todos os mortos desta vida festejaram-se um dia vivos. Vou levantar a cabeça do colo quieto dessa mãe e sorrir-lhe refeito. Depois do pranto e do consolo, o tempo de voltar à vida.

Escritório

A segunda-feira é o pior dia do ano!

Quinze





















Ter menos 15 anos. Ter menos 15 quilogramas. Ter mais 15 centímetros. Não querer saber e muito menos não querer saber de saber. Porque um homem também voa. Ainda que doa o dia seguinte, um homem voa.
Não há qualquer sinal de loucura em ter menos 15 anos e viver o Verão. Viver um pleno Algarve, com praia e tudo, sem saber como se acorda no dia seguinte nem com quem, é uma síntese do sonho.
Beber e voar. Ou voar e beber. Na noite dentro seduzir turistas como se não houvesse amanhã e a praia fosse o fim último da humanidade. A minha toalha não é a mais vistosa, mas mergulho no mar com estardalhaço. Impressiono ou impressiono-me só a mim, julgando impressionar o mundo.
Ter menos 15 anos, menos 15 quilogramas e mais 15 centrímetros não me resolveria a adolescência. Esta adolescência que me revolve a tarde e o tédio todo de solidão, esta comichão impertinente.
bizarre love trian...

sábado, maio 05, 2007

A mulher de Hopper


Nunca percebi Edward Hopper. Percebo agora que não o entendi no seu tempo. Não digo com isto que o entenda. Não! Houve uma época em que cismei como era suíço e não havia maneira de me tirarem da ideia de que as paisagens norte-americanas eram a negação uteriana dos Alpes.
Nunca terei um quadro de Edward Hopper. Não tenho sequer o direito a sonhar com um esboço em papel amarrotado pela sua mão. Não são para mim as luzes entardecidas nem as mulheres pensativas nem os envelheceres esquecidos nem os diálogos silenciados nem os vazios momentâneos. Não são para mim os quotidianos, urbanos ou rurais, quase sonoros, quase zonzos, quase tangíveis.
Nunca terei a mulher dos meus sonhos. Muito provavelmente a pessoa dos sonhos não existe. A flor mais bela está por desabrochar ou abriu-se num século em que não tínhamos os olhos previstos. A mulher por quem percorro o escuro e delinio a penumbra lilás da memória existe, mas não será minha. A flor mais bela tem a cor mais improvável de eu amar.
No meu tempo lamento não ter percebido Edward Hopper nem amado a mulher certa. Quem me dera o tempo em que me iludia. Havia luz no caminho ou, então, um reflexo... talvez só mesmo uma ilusão. Tanto fazia!...

P.S. - Hesito na avaliação: Havia de ter tido o dobro das namoradas ou apenas metade?

quinta-feira, maio 03, 2007

Tejo

Cada vez que olho a linha do horizonte antevejo uma cor diferente e um novo dia. Não sei se é dos meus olhos ou se há uma esperança em mim.
Nas minhas costas está Lisboa, à direita avisto Cascais e à esquerda a pressinto a linha da Caparica. O meu Ocidente ultrapassa supersónico o Bugio e sonho com espadartes a saltarem da água a acompanharem-me o vôo.
As tágides recostam-se nas margens comendo cachos de uvas moscatel e enfeitam-se com algas trazidas pelas marés invasoras pelo mar tão próximo. O sal que invade a foz e sobe acima de Vila Franca tempera o estuário e a pele destes seres sedutores e esquivos. Mergulho abraçado e volto à tona saciado de beijos de água toda. O Mar da Palha não é vasto, mas nele cabem todas as fantasias e os quatro pontos cardeais.