digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

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quinta-feira, julho 01, 2010

Gata, gatinha, canalha, que não voltas




















Tive uma namorada, nos dias mais fáceis, que era uma gata. Por causa dos olhos verdes, pela expressão serena e inteligente, pelo maneirar gato, em imitação perfeita dos seus banhos, pelo desapego sentimental aparente. Um dia abri-lhe a janela e saiu com a natural leveza das patinhas. Não lhe perguntei onde ia nem se voltava. Como gato livre, foi-se pelos telhados. À Lua viverá, sem dúvida, enquanto eu fico no beiral frente ao vento na esperança de ver o seu salto delgado e ágil. Como gato que abandona o dono, a minha gata já nem olha para mim.

sábado, março 27, 2010

Túnel de tédio

Deve haver uma saída qualquer, ainda que não se vislumbre uma fresta para entrar a luz ou ver o mundo lá fora. Dizem que a solução não pode ser a explosão das paredes e tecto desta monotonia. Digo-lhes que aos empurrões não se chega lá.
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Há três dias deitado em tédio. Os olhos rasos de tédio. Os ossos cansados de tédio. A boca sôfrega, quase engasgada, a sufocar de tédio.
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Afinal a nesga… da nesga não se vê o mundo lá fora. Depois do breu de dentro de mim, há o breu da casa, o breu do jardim, o breu da rua, o breu do mundo. Por vezes parece que a única luz é a que vem da escuridão da cova de sete palmos.
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Este túnel parado há-de ir dar a algum lado… nem que seja aqui.

quinta-feira, setembro 27, 2007

A mudança desejada

É altura de todos os desassossegos. As ruas têm gente e pela porta da frente quero fazer passar a minha intimidade. Não é a minha vida, mas a minha intimidade. A rua próxima conhecerá um pequeno alvoroço pelo impacto da passagem dela que, de tão pequenina e banal, a revelação só incomoda a mim.

sexta-feira, julho 06, 2007

Inocência e ousadia

Não sei se é inocência ou ousadia, mas para mim o Sol nasce todos os dias e tenho sempre um cigarro para fumar pela manhã.
Sento-me no degrau da porta do quintal ou encosto-me à ombreira. Fico a ver a sombreira oliveira e os carreiros das formigas. As de cabeça vermelha mordem. Deito fumo pelas narinas.
Não sei se é inocência ou ousadia que me engasgo com o fumo. As manhãs são para ler na sala dos cadeirões de palha. A grande telefonia não toca e aqui não penso em fumar.
Não sei se é inocência ou ousadia o bandear de anca da filha da vizinha. O tempo entre o pescoço e o peito é eternidade de malvadez. Uma planície de desassossego. Funny chamam-lhe.
Funny é o tremor que me dá. Tem menos um ano que eu... ou sabe muito mais ou muito menos. Vem sempre tomar chá com bolachas à hora do lanche. Não tem nada para dizer.
Não tenho nada para lhe dizer. Encosto-me no cadeirão e finjo não notar que as senhoras presentes fingem não reparar nos meus olhos detidos.
Detenho-me por mais um dia. Amanhã haverá novamente Sol e uma manhã para, em paz, fumar o primeiro cigarro do dia.