digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

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terça-feira, maio 12, 2015

Não há horas certas nem horas erradas

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Não experimentei todas as drogas.
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Haverá todas as drogas.
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Não experimentei todas as drogas, nem a maior parte, nem as mais perigosas.
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Poucas e não gostei.
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Experimentei todos os remédios para a cabeça.
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Haverá todos os remédios para a cabeça.
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Até os mais perigosos e dormi e acordei para onde quis deixar-me adormecer.
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Passei o dedo de pele finíssima e macia na lâmina dum sabre.
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O que se faz com um sabre? Nem droga nem remédio nem explosão.
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Belas e vaidosas, lentamente vendo o derramar até à luz da chegada.
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Tenho medo das alturas, só temo de morte – o caminho – e fujo aflito como um peixe fora de água.
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Não experimentei quase nenhuma droga. É estúpido morrer devagar ou morrer por acidente.
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Os remédios são remédios.
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As pistolas fazem barulho e as espadas são lentas.

sexta-feira, março 13, 2015

Quando depende

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Quando tanto faz. Quando não tanto faz. Quando depende, sobretudo quando depende. A prisão da sensatez, o castigo da consciência e penitência dos consensos. Vida tola.
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Quando o vinho nos faz toureiros, não forcados. Quando cantamos mal e sabemo-lo. Quando os filhos vão ao frigorífico e fazem o pequeno-almoço. Quando o gato é velho e o cão dorme.
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Quando andar à chuva não é ócio. Quando andar à chuva é fuga. Quando na rua a luz da noite não finge um tempo antigo. Quando se deixam de ouvir os passos. Quando se pensa.
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Quando a televisão é canção de embalar. Quando o sofá é berço. Quando ninguém aconchega a roupa. Quando ninguém diz:
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– Tem sonhos cor-de-rosa.
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Quando ter sonhos cor-de-rosa é bom. Quando ter sonhos cor-de-rosa não alveja a heterossexualidade. Quando se tem saudades ao adormecer.
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Quando o cansaço. Quando a vigília é obrigada. Quando se contam os amigos afastados de anos. Quando num ligeiro sorriso, um ponto e vírgula conta o que se desejou esquecer, um suspiro traz os cruzamentos e os passos enganados.
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Quando fora do sonho se sabe voar dormindo, o peso do corpo deitado quieto. Quando andar de avião é uma chatice.
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Quando, sem acne, se pensa na vida. Vida tola.

domingo, novembro 18, 2007

Uma luz em particular

A luz de Alice é a dum país de maravilhas. A luz da memória. Quando o passado é luminoso o presente é de sombra. O futuro é a noite. A noite fica além da vida e Alice sabe-o. À noite reza-se. À noite vai-se. A noite é tempo de consciência. À noite acertam-se as contas. À noite fazem-se novas promessas para que haja esperança pela manhã. Volta-se pela manhã. A luz de Alice faz sombras profundas, é uma janela para a noite.
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domingo, fevereiro 04, 2007

Melancolia à tarde

Não sou um cidadão exemplar. Nunca serei ministro. Contudo, tenho um grande amigo. É tão incoerente quanto eu. Nunca será ministro.
A melancolia é própria dos palácios. Mas as paredes altas e os quartos largos não se fizeram para estarem sempre vazios. Só nas festas devem estar cheias as salas dos palácios.
Os meus sapatos ingleses reflectem a luz que vem do jardim. O casarão é demasiado grande para mim. Nem as correrias loucas das gatas esvaziam de vazio as melancólicas salas. Os meus sapatos ingleses soam bem quanto caminho sobre o soalho de madeira escura.
Não sou um cidadão exemplar. Se o fosse já teria chegado a algum lugar que valhesse a pena. Contudo, tenho um grande amigo. Às vezes ele senta-se comigo nas tardes de melancolia e ficamos os dois em silêncio.
O palácio não me pertence. Foi-me emprestado pela família. É meu durante a minha vida, quando morrer deixará de ser. Mas a melancolia das salas é toda minha, porque o vazio das salas sou eu que o faço. Nunca chegarei a ministro.