digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, dezembro 30, 2016

Depois é

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À volta tudo é cenário de teatro com cheiro a sal trazido pelo vento livre sem acidentes no caminho vindo donde a vista chega.
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Insei se oiço se bêbado se sonho se aqui estou porque aqui sou porque sou isto e nisso sou nada, figura de cena na sala vazia quando passa da hora e a madrugada se entrega a Macbeth.
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Não me terão porque não terei, assim rejeitado vivo como morto há mil anos. Mais de mil tenho passado desde este nascimento. A única luz é a violeta da porta da fugida.
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É noite o céu é o primeiro espectáculo nele se lendo mentira no futuro. A flanela negra furada das traças faz de e o monólogo sai vago para não ser mudo, que os fantasmas sabem de mim quase tudo.
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Caindo sem chegada espero. Aí vejo o arco-íris negro. Sempre existe. Quase me esqueci.

Vista para nada

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Não e dizem do azul tristeza e contudo não é cor nem estado de espírito é o adjectivo sem preferência nem fronteira pois do céu e do mar. Não entendem.
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Guardo o azul mais quase nada, não quero ou não me dão. Assim morrente incompreendo-me por não saber da terra e confundido nos outros.
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Sou noutro dia.
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Se estiver errado consolo-me por não sofrer tudo.
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Se o mundo estiver errado consolo triste para um pateta acertado.
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Quase todos os dias errados e enganando-me no sono há a esperança duma fantasia ou de não voltar.
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Sou entre outras coisas.

Letra E


segunda-feira, dezembro 26, 2016

Adão e Eva

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Antes serei pavão herói invencível diante da boa, de quem restarei fluídico e numa espiral constritando-te seremos sensuais.
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Por ti terei a sensibilidade feminina para o amor e sargentidade do marechal tarimbeiro. Dominar-me-ás e obedecerei submetido para o sacrifício.
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Morrendo e matando na confusão do calor, o unicorpo louco da maravilha do princípio do mundo, decaindo desamparados no abismo, e no seu confim é o Inferno e o Céu.
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Caídos na desgraça do fogo-de-artifício nada mais do que nos desgraçarmos ao desmaio ainda – a perda dolorosa de chegar por fim ao fim e nesse deleite do riso sem rir.
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Nota: Existem várias obras, de vários autores, com o título de «Folias de Espanha». Após alguma pesquisa na internet, nomeadamente através dos sítios Filomusica e Amazon, deduzi que a música que coloquei é da autoria de Arcangelo Corelli. Porém, continuo com incertezas. Se alguém souber do nome do seu autor, por favor, informe-me.

Mil-imagens para escrever sensual

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As musas surgem e vão-se, de estado-matéria fugidio, no sólido sem tempo, estão para o feitiço incendiário, depois escorregando para água ou diluindo-se num esfumado.
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Os desgraçados apaixonam-se. Os outros fazem colecções de números ou outras coisas desconhecidas ou não gosto ou não gosto porque não sei.

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Há livros de esoterismo e do erotismo sabem os emotivos, ambos nas fantasias de crerem no futuro de as sentirem.
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Têm a boca perfeita e os olhos de malefício e sortilégio, as mãos de encantamento e libertação e o corpo de fazer amor. Falando dos lábios e do corpo, digo da vontade do sabor, o primeiro do saber.
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Sem exorcismo para o enguiço são indigentes os ficantes e desventurados os partintes. Por mal-olhado, bem-olhadas, tranquilas e desassossegadas, os infortunados vêem-nas nuas, como os marinheiros ouvem as sereias.
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Os enfeitiçados são da mesma substância, isso é segredo, e o coração esquece-se do que o cérebro se omitiu. Em fascínio libertam-se do encantamento, fugindo depois de transpirados os lençóis ou dos quartos nocturnos sem luar.
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Cada um por si, mas unidos invisíveis-intangíveis.
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Nota: Por incapacidade do Blooger, por limite de caracteres, ficam indicados, em baixo, os créditos autorais das imagens utilizadas.
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Desenho de Edouard Vuillard
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Desenho de William Woodward
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Fotografia de Seba Kurtis
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Técnica mista de Donald Sultan
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Escultura de Rona Pondick
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Pintura de Paul Neagu
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Pintura de Victor Vasarely
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Fotografia de Thomas Ruff
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Pintura de Marica Fasoli
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Pintura de Phillip Mark Anthony Thomas


terça-feira, dezembro 20, 2016

Espuma de neve-carbónica

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Um tinha fósforos e outro gasolina. Acendeu e mandou-o pra trás e derramou para depois das costas. Usando o rodar do tempo aproximaram-se em perigo, jogando-os acesos e salpicando aquém da grade. O fogo apaga-se com fogo, os lábios incendiários acalmam-se com beijos ou com palavras mudas. Há tantos equívocos no mundo e há verdades.

Aforismos

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Pensei e disse:
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 – Espaço e contra-espaço.
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Pensei e percebi que não entendi nem da partida nem do caminho nem da chegada nem da utilidade. Uns sentem e outros pensam, sem garantias de préstimo nem de desvio para repouso.
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Pensei e disse:
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– A filosofia e as derivadas da matemática são para as grandes cabeças.
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Pensei e percebi que não disse nada, porque é redonda e tudo pode ser qualquer coisa e o seu espelho.
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Pensei e disse:
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– Tenho dificuldade em distinguir o optimismo da irresponsabilidade.
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É a minha verdade e dela não me desprendo, como açoitado tal aliviado, há quem acredite e quem me ache tolo.
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Sou tão estupidamente crédulo, não ingénuo, que garanto o oivido:
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– Diz-me quem és e dir-te-ei quem és.
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Pensei e disse:
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– A vida é um intervalo e a morte é outro.
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Uma coisa destas só se diz calado ou bêbado. Ninguém vai entender e quem o conseguir perguntará mais e pouco serei capaz.
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Pensei e disse:
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– Se a morte, como se fosse.
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Envergonhado desconheço outro adiantamento, não me satisfaz lugar nem ânimo.
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Pensei e quase não disse:
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– Será demasiado insistir em ser prosaico, suar para que o não seja e aguentar ter explicar.
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Não disse mais nada nestes dias.
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Nota 1: a palavra «oivido» foi propositada, não é equívoco.
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Nota 2: «L' Infermo» foi rodado em 1911, sendo a realização de Giuseppe de Liguoro, Francesco Bertolini e Adolfo Padovan, sendo a fotografia de Emilio Roncarolo.

Antes de chegar não se sabe a índole da onda

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Inevitável como o regresso do sal, deslumbro-me e olho-te e desnudas-te. Se te sentisse a respiração nunca te diria deste feitiço nem me beijarias como suspirando-te o fazes. A esta distância a pele é macia e morna, junto é gelo ou chama ou cinco dedos. Vistos daqui, os teus lábios são demorados e o cabelo é enfeitado com flores, aí seriam racionais. Pesadelo-me um atrevimento, forjado em vergonha e derrota ou numa glória maldita.

Sobre os dias

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As cores todas entornadas num pedido, muito largo e longo no sorriso de menina e de mulher – acreditar e desejar são coisas diferentes que se podem dizer do mesmo modo.
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Disse-o sem mais nada, além de inclinações de luz e seus reflexos. Poucas palavras, porque as grandes coisas dizem-se com pouco.
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Quando ela pediu pensamentos coloridos disse infância e insinuou sensual. Só há um sítio, que não é lugar nem caminho. Ao destino chega-se e talvez se fique ou se vá ou as duas ponderadas em tempo. Pela estrada se vai e nisso está-se. No arco-íris é-se.
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Foi um arco-íris que pediu para ser em cor.
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Apaixonei-me e ao tentar alcançar, o arco-íris fez de arco-íris e invisivelou-se. O sabor das suas palavras ficou-me.

sexta-feira, dezembro 16, 2016

Estavam isentos de morte

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Tinham a adolescência e a isenção de morte. Não passavam juntos a porta, porque era segredo. Caíam loucos de desejo e atrasados nos orgasmos. As tardes infinitas terminavam prematuramente e só tinham estado a estudar. Ele corado ficava para jantar e os pais dela mostraram-se ingénuos, deixando-os contentes como as crianças visitadas pelo Pai Natal.
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Um dia acabou-se. As marés sobem e descem e o mundo tem muitos mares e praias para naufragar. Estavam isentos de morte. Provavelmente choraram despedaçados por sete dias e oito noites, usaram as mãos e os olhos fechados e abandonaram-se noutros quartos e tendas.
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A vida continuou. Nenhum sexo foi tão mau quanto aquele, o melhor das suas vidas.

Oferendas para Otão III


quinta-feira, dezembro 15, 2016

O meu Natal

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Chegou o Natal, com tudo. Como digo tudo não falo do bacalhau cozido com grão nem do peru seco nem da Missa do Galo nem do presépio. Não digo das meias quentinhas de lã, com ursinhos, da tia Hortense, nem do gorro, também de lã, com renas, que a tia Hortense comprou para o tio Álvaro oferecer. Quando digo Natal não falo dos presentes, quase todos detestáveis, que as tias, as amigas dos pais, as primas e as parentelas oferecem. Quando digo Natal e não digo isso também não falo do vinho que recebo do doutor, que lhe fora oferecido, e não gosta, por um paciente agradecido. Não falo das gravatas pirosas generosamente compradas pelo pessoal do hospital que me assiste
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Empurraram-me para o Natal. Não há angústia como a do Natal, nem a da Primavera a ir-se nem a do Verão a chegar-se nem a do Verão a durar. O Natal é melancolia concentrada. O Natal é tédio e agonia. É o túnel donde não se sai por mais que se vá. A luz não chega. Há um momento em que é luz, mas é tarde. O Natal é sempre lento, com excepção do tempo que leva a chegar. Os dias estão cada vez mais breves, o ano mais encolhido e as horas mais longas. Em menos de nada é Natal. Como se não fosse triste haver Natal, todos os anos há Natal. Ontem fiz a árvore-de-natal e ontem disse que fora ontem quando a tinha desmontado e anteontem a fizera.
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As pessoas matam-se no Natal porque são sós e daí não saem. O pior é ficar-se no Natal, só ou só com gente à volta. O Natal é uma dose de realidade doentia, verde e viscosa, que mesmo na escuridão completa se mostra e dá a cheirar. Os presentes patéticos da tia Hortense e das pessoas do hospital são a parte boa do Natal, se concedermos a graça de dizer que há uma parte boa do Natal.
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Cristo nasceu no Natal e veja-se o que lhe aconteceu. O que lhe aconteceu não foi a paixão. O que lhe aconteceu é quase ninguém, em milénios, ter entendido o que disse. Também por isso celebram-se farturas, as que têm, as desejadas, as merecidas e as imerecidas. Dá-se, exige-se e retira-se. Oferecem-se presentes, cinismo e inveja. No ano seguinte haverá Natal e pode cumprir-se a vingança, oferecendo desnecessidades e horrores a quem desiludiu, e prémios aos generosos da festa anterior.
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Não fosse ter os olhos incapazes de continuar a ver e as mãos com Parkinson passageiro doendo na escrita e dizia mais sobre o Natal e das pessoas que. Que me, porque o Natal é o pior momento da vida. O Natal chega antes e parte depois. Não fossem os olhos, mas pouco mais posso.
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Não perceberam nada do que disse Cristo!
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Nota: Porém, há quem goste genuinamente do Natal e entenda do que Cristo diz.

Vida e morte

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O que o óvulo e o sémen têm de vida tem o orgasmo de morte.

Essa cena da atracção

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Não revelo qual a música que oiço. Milhares delas caindo de amor por mim e milhares deles prometendo-me castigo por inveja.

Quase cosmonauta

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Como todos, queria ser astronauta. Se não pudesse ser calceteiro, queria ser astronauta. Se não pudesse ser nem calceteiro nem bombeiro, queria ser astronauta. Não fui nem bombeiro nem calceteiro, porém não vivo na Terra.

quarta-feira, dezembro 14, 2016

A minha vida

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Acordo no outro lado, quando não é nesse é porque é noutro, às vezes não acordo e costumo ter dúvidas. Sou assim ou não serei e estarei onde estiver e estou onde sou.

terça-feira, dezembro 13, 2016

Um muro pela frente

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Os quadrados vêem o mundo redondo, penso com erro de paralaxe. Os outros não voam e não sei andar.
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Não compreendo a vida nem as vizinhanças nem a mim nem sentido nos dias.
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Por ter nascido aqui, por falta de mercê, por descrença de graça não fui astronauta. Em contrapartida sou extraterrestre.
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Se não sou do espaço também não sou da Terra.

Cume

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Estivemos nus à mesma hora, de cada lado da parede. Fizemos amor separados e vento esvoaçou-nos os cabelos. Olhámo-nos sem nos vermos e esquecidos não pensámos nisso.
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Se um dia estivermos nus, de cada lado da parede, se houver vento, lembremo-nos que as portas abrem-se como os lábios e as estradas não têm horas.
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Quando nos despirmos sem relógio, num sítio para morrermos descalços, teremos o que ficou por fazer.

segunda-feira, dezembro 12, 2016

Navio imperfeito

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À janela como num espelho de Magritte, o tempo é irrelevante no lugar, quieto de província, onde o comboio já não passa. O pequeno viaduto com cheiro antigo é a preto e branco.
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A cidade abandonou-se e à noite é deserta como de dia. Os alcoólicos bebem e não se fazem perguntas. As ruas sem papéis, reconheço-me no espelho e não me conheço, como a solidão de Hopper.
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Há uma praia de Inverno, a sua areia cristalizada quebra-se sob os pés e até o mar é diferente.
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Sou de penumbra e névoa, cinzento e invisível, lusco-fusco de entardecer e madrugar. Sou revolução de sal e areia arremessada sem horas.
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Sou um navio imperfeito esperando uma maré.
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Aí, a poucos minutos da estação central.

domingo, dezembro 11, 2016

A tarde e a noite

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Tirar-tas, de algodão, claras com florzinhas, como seria naquela tarde, sentir-te os aromas do talco e do despertar.
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Faremos o que desejámos e nunca soubemos.
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Tirar-tas, de seda negra, como uma noite proibida de que se guardará silêncio.
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Faremos o que desejamos e sempre soubemos.