digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

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domingo, julho 22, 2018

Nossa vida-casa-vida é um castelo de afecto


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As cartas foram postas na mesa e a vidente contou quase tudo do tudo ou tudo de quase tudo ou quase tudo de quase tudo. Pelos dias, veio à luz o que contou por vereda complicada e complexa.
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Desenho de Salvador Dali.
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Rainha de Copas e Rei de Copas – encavalitados por Valete de Copas. Cortando-os para raptar afago, Rei de Espadas e Rainha de Espadas – arrastando uma Sena, triste e eufórica por mesquinhez.
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Somos de coração. As Espadas são de invejas. Um coração negro com pedúnculo é o braço que prende a lâmina, brandindo melodiosamente os quereres.
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Pintura de Normal Rockwell.
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O nosso baralho tem 13 cartas, dir-se-á um naipe. Para quê mais? Não vamos jogar noutras mesas. Ninguém é diferente, porque somos diferentes – tomamos ainda as quatro gatas, a cadela e o cão.
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Como maçam de comichão, as pulgas atrapalham e nada de valor nos trazem. Outros bichos vivenciam amargamente a nossa felicidade. Essa glória é ruim para quem a inveja. Do inventário – por segredo dos que urdem malfeitorias de inveja e de malícia – poucos se sabem, tanto do além-espírito quanto de aquém-corpo, embora conhecendo Rainha, Rei e Sena.
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É gente de sofrimento. Por despeito de ânimo-coração-calor e ganância-carne-libidinagem, ela cega e ele surdo, ambos por convicção ateimante. A Sena é um espalhafato de ingratidão-petrificada. Unam-se e conjurem, sabendo nós que a confiança alimenta a vitória.
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Gostam-nos? Desgostam por a vida não seguir os seus caminhos. Desgostam-se, então. Quem exige assim sente dor – por abusadora injustificadamente e aflição indevida, bastando-lhes a aceitação e a benquerença.
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Não passam de três cartas de mão, balbuciando intrigas, esperando repetidamente pela leveza do sono para que lhes enforteça o querer e o acerto – até de olhos bem abertos dedilham instrumentos de fazer veneno. Quem esvoaça fala mais, liberto do corpo, preces de peçonha e do seu corpo etéreo assalta-nos a confiança com cizânia.
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Quem de alma de pedra-metal – granito e chumbo – não tem olhos que alcancem remotamente ao seu querer. Por cinismo, os outros dois ensombrecem as suas virtudes – de brilhar de méritos. Não se é ladrão quando não se visa tirar tudo. Beleza que, a exigência da cobiça, ensombrecem, pelas insolências, discordando e cantando letras falsas.
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Certos da ovação, beijamo-nos como fazendo amor e fazendo amor beijamo-nos.
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Ele de cabeça-perdida, toda em beleza de tudo, de corpo e luz, índole leve de quem subiu e com chama-piloto ensinando o rumo.
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Ela de cabeça-perdida, porque só uma cabeça-perdida se deixa perder por uma cabeça perdida.
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Cá em casa faltam Ouros e vamos despejando a casa dos Paus que nos estorvam as situações. Nem as baralhamos nem queremos. Só Copas. Não amamos com o baralho todo, assim devem ser os amores. Digamos loucos, como desejamos bem-ser.
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Livres por não prendermos, aprisionando-nos na liberdade.
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Aqui-aí somos Rainha, Rei e Valete: já agora sejamos como na sueca, temos a Manilha e o Ás. O Jóquer não faz parte do baralho, mas alegra-nos.
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segunda-feira, maio 11, 2015

Cave canem

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Calor do cão. Canícula é palavra que me encanita, como encanitar é verbo que me encanita. Será que a palavra encanita é uma palavra-ferramenta? E a canícula? Transpiro só de pensar, mas não de calor, mas de encanitanço. E já agora informo que não gosto de palhaços nem de arlequins, encanitam-me. Repito que encanitar me encanita.

sexta-feira, julho 20, 2012

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Normalidades





















Este é um homem normal que se julgava especial. Filho de si próprio, que cresceu quase sozinho, filho de mãe trabalhadora e de pai presente e negligente.
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A educação deve-a a si, a umas dicas dos pais, à ajuda da madrinha e a três ou quatro professores empenhados no bem comum.
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Um dia começou a trabalhar, fruto do seu mérito e mínima ajuda de sua mãe, que lhe iluminou as ideias.
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Por mérito, cresceu e lançou-se em aventuras. Um dia, depois de muitas mulheres, duas com importância emocional, conheceu Isabel e quis casar-se, ter filhos e normalizar uma vida de dândi.
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Vieram ventos do além, arrepios, dúvidas, novas ideias, poucas certezas, muito amor. Uma vida quase nova, a estrear.
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Quando tudo se encarreirava, uma onda de porto avançou e derrubou-lhe o mundo. Encharcado em lágrimas, caiu e foi engolido na vertigem dum vórtice impiedoso, para onde não foi voluntário nem certo do destino.
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Se o empurraram e rasgaram o destino, também quis uma nova oportunidade, coisa que lhe deram às mijinhas e exigindo sempre muito mais do que um homem pode dar.
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Deu por si sozinho e deixado de parte pela vida que quis, desejou, conheceu e agradeceu. Ao fim e ao cabo, levaram-lhe a roupa e a nudez. As certezas e as dúvidas.
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Doente, doente da cabeça, quase se deixou internar. Devia tê-lo feito, pois sempre recebia uma tença do Estado e a compaixão dos caridosos. Doente, doente da cabeça, tentou levar a vida. A vida que pouco lhe deixou para viver.
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Perdido de tudo, perdeu-se de quase todos. Um dia puxou da pistola, não para matar um gerente ou um patrão. Puxou da pistola e deu um tiro nos cornos.
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Dado o tiro, continuou numa espécie de formigueiro, não se deixando quieto. Não por ser irrequieto ou ter um cérebro inquiritivo, mas por as minhocas e bicharocos lhe fazerem cócegas na podridão.
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A vida não lhe valeu de nada e a outra, a que veio depois, não lhe acrescentou nada. Tudo o que teve perdeu, até que perdeu a dor que sentia por ter perdido tudo.

terça-feira, outubro 14, 2008