digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, novembro 29, 2017

Seguram as flores

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O dia tem vinte e quatro horas, demoradas em sessenta minutos e aguentados durante sessenta segundos.
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Escusam os optimistas de outra coisa dizerem saber, porque os pessimistas têm razão por natureza, ou não fosse a humanidade um ajuntamento de erros.
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Talvez se soubessem, os confiantes – surdos aos sábios – poderiam ganhar conserto, os anos bissextos são acertos dos minutos curtos do girar da Terra.
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Os optimistas não voam – diferentemente dos artistas, na sua perfeição e virtuosidade, nem esvoaçam ou levitam, porque são, por índole e temperamento, pessimistas.
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Contudo caem. Condenados amam – na gravidade e no seu vazio – deixando-se inclinar.
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Por decência exacta, a Lei da Gravitação Universal vale quanto o dinheiro sem ouro.
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E, por ironia, na Lei da Relatividade Geral fica por dizer o préstimo do tempo, do espaço e da velocidade – não fossem os atrasados de relógio e a quantidade de optimistas.
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Não há ciência para explicar o amor – naufrágio e glória. Tampouco estado de confiança.
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Os optimistas amam no amor. Os sempre-noivos seguram as flores para.

terça-feira, novembro 28, 2017

O Natal anuncia-se

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Há dias do cão e outros da toupeira, quando os gatos não aquecem nem a chuva do outro lado tem o ruído duma quietude.
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Não é frio ou chuva ou os comprimidos por tomar. As frases surgem feitas, guiadas por uma qualquer mão, sem fotografias ou voz ou nozes ou avelãs.
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Para mais, a meteorologia não constrói o tempo.
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O fígado-estômago-pulmões-coração-cabeça-espírito é o túnel. O ser-estar é a luz sem claridade nem tampouco da fosforescência do néon solitário dos reclames das cidades.
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Nem meia-idade chegou.
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Sou quase dias-percorridos antes do retrato solene ou do fantasma preso às coisas ou antes da refeição fastidiosa. Como a gramática encadernada em cabedal ou o pó do relógio-pendular.
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Escrevo-me todos os dias e risco-me. Esperanço-me na teimosia dos cegos presunçosos. Porque há dias parecidos com o fulgor.
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A solidão só chega para uma pessoa e a ela se termina.
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Amanhã será novo atraso.

De cantar

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Lamento, não sei escrever versos bonitos, nem versos, só poemas de tormento para o silêncio de todos, da impotência ao sofrimento.
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Lamento, dificilmente consigo rimas e frequentemente esqueço-me da métrica.
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Lamento, mas não sei como me cantarem nem invejo.
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Lamento, nem quero, digam arrogância – aquela do fracasso.
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Lamento os meus poemas de amor, fracos para a cama.
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Lamento, o que me interessa não simpatiza a ninguém.

A cama

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Diz-me se esse beijo pertence-me. Que a justiça de Deus recaia em nós, estamos obrigados sem contestação.
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Diz-me se o pão nos dará o ânimo para a forças nos guiar até de manhã. Que a justiça de Deus seja clara na sua ordenança, obrigação da força que a gravidade nos empurra para um leito.
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Diz-se se a madrugada não tem hora. Que a justiça de Deus abata no nosso feitiço tardio e paguemos ao outro a dívida do suplício do prazer.
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Diz-me que sim, que tudo isto é verdade.
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Diz-me que não, que tudo o resto é um sonho terminado.
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Diz-me qualquer coisa na cama onde acordaremos da insónia.

quarta-feira, novembro 08, 2017

É hoje

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Há dias em que o meu futuro é um passado intido. Um sonho dormente e circular como a insónia.
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As horas vão e o meu tempo sem se assomar. Ignorando-as de olhos, alastram-se silenciosas por mim todo até desmaiar.
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Há dias que não valho o baraço para me erguer ou pendurar.
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A imensa claridade é de nitidez para lá da clarividência, mas não vi e. Se soubesse, o optimismo crédulo cegar-me-ia.
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E ainda todos me juram ombro e amparo. Nas minhas costas leio as minhas costas, pois os dias e os dias-depois-dos-dias cansaram-me o amor-próprio e morreram-me a esperança.
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Sim, cego teimoso.
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Sou calado meses de desilusão sem saber de culpado. Sou quieto meses na vez de atrevido para cantar protestos.
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Sou alegria de falsa resignação. Sou soturno de natureza, de cobardia e fé. Os olhos ardem de sal
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Há dias em que a mãe não me compra vida e a porta não tem casa nem vista para viagem, igual a cubo de reclusão.
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Há dias para pedir que me falem descansa em paz.
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E eu descansasse. 

segunda-feira, novembro 06, 2017

Estou certo dessa incerteza

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Nunca te desquererei a carne, dos lábios aos lábios e dos cabelos aos dedos dos pés.
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Se não nos tivermos desobedeceremos a uma profecia.
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Se a vida não for a que nos prometemos, mintamos até à verdade.
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A poesia faz uma eternidade frágil, a demora de dois corpos na cama.

Musa

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Nunca a mulher se apaixonou por um poeta. Só pelo homem quando deixa de a versejar.

Planisfério

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Exercício I (1,5 valores)
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Indique a consequência da seguinte formulação: Se o universo fosse da imprecisa matéria e espessura do quadrado e vermelho na vez do azul e as estrelas brilhassem negras:
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– Não haveria verde.
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– Não haveria amarelo.
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– Não haveria nem verde nem amarelo.
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– Há tanta coisa que não faz sentido.
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Exercício II (1,5 valores)
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Explique a utilidade de saber que o universo resulta duma explosão de matéria há cerca de mil e trezentos mil milhões de anos.
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Exercício III (3 valores)
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Relacione a enxertia da laranjeira com a romaneira com a luz das estrelas.
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Exercício IV (5 valores)
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Explique qual a vantagem traz para a Humanidade saber a razão das coisas se nada podemos saber nem alterar.
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Exercício V (10 valores)
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Explique uma das seguintes considerações.
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a)      A utilidade de negar a existência de Deus.
b)      A utilidade de negar factos científicos.
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Por que não pode a escala de 20 valores terminar no 21?
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Porque ciência prova a impossibilidade e só Deus sabe do mistério.

Universo

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O universo não devia existir, dizem cientistas da ciência exacta. Nem cientista nem exacto, sinto-o duplamente. Tanto me penso ser sem o todo, só mente imaginativa, quanto não pertencer à ordem, por isso inútil.
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O cientista sabe como o crente da precisão do tangível e da largura da crença. Céptico da pedra e do inalcançável, tudo me faz lógica e irracionalidade.
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É sítio de perguntar da utilidade do universo, seja cosmos ou desordem. Sem essa solução – se fosse exequível – não se saberá do homem. Conhecendo-a, nasce questão igual, mais fina de especificação e tão antiga:
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– O que se faz aqui?
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É bem de ver, não há fala luminosa. Sem necessidade de perguntar, fazê-lo é tempo de prazer de espreguiçar.
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Há tão poucas coisas saborosas quanto o espreguiçar.

sexta-feira, novembro 03, 2017

Elixir que não existe

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O ar passa como um rio, sobre o rio e sobre a casa e à sua frente. Desagua na praia de rochas furadas – suas barbacãs, torres e albarrã.
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Na casa entram julgando terem entrado. É fechada na sua abertura, girada por campo encerrado.
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Sem convite nem sem proibição – é-se, não importando como. Há demoras indesejadas e partidas de desfeitar, usualmente mudas.
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Em Dezembro penso no Janeiro passado. O tempo irá passar e alguma coisa ficará para memória.
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Resta pouco do restar dos anos. Arrogantemente penso que o meu caminho breve e aleatoriamente se cruza com o da normalidade.
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A vida não é ciência, sou éter. A racionalidade é enfadonha e a sabedoria não me interessa, porque os dias são todos iguais.

quarta-feira, novembro 01, 2017

Por volta das quatro e três quartos

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O rádio, no tempo da melancolia e da angústia, fala músicas castanhas-cinzentas, de fronteira indistinguível. A tarde é eterna e os pássaros deitam-se mais cedo. As torradas com manteiga arrefecem e esquece-se do chá. Os gatos e os fantasmas dormitam. Os ladrilhos bicolores do chão da cozinha estão limpos. Talvez chova e faça frio. A noite não tarda, mas não vem.

Lisboa há bocado

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Não era o céu de Rubens. Olhei-o e vi, nem despido nem vestido de nuvens, um azul claro tão limpo, além daquele de enrolar bebés.
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Sem perceber, senti-me em Paris. O pré-anoitecer e o fumo dos assadores de castanhas, acabo de chegar, lembrou-me. Certamente, não tem nada a ver. Aliás, conheço mal a cidade.
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Não sei por que o pensei. Um devaneio sem infidelidade. Certamente uma distracção que o divã não concluirá conhecimento.
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Sou tão lisboeta. Sinto-me na luz clara reflectida no Mar da Palha e no empedrado desconfortável de calcário branco.
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Ainda no Outono, ainda no Inverno, já na Primavera e claramente no Verão, há luzes todas irmãs, quase fantásticas quanto a da angelitude.
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Na noite fria, preferencialmente chuvosa, a viagem num cacilheiro aberto tem o seu som e a cidade a sua cor. Um lisboeta sabe que o é se entende isto.