digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, setembro 22, 2006

A carta

Não vivia numa casa de cartas. Nem mesmo num castelo de cartas. Talvez vivesse, se a isso me habituasse. Poderá ser intimidatório encarar diariamente com a Rainha de Copas todos os dias... ou com a de Paus, Ouros ou Espadas... ou com as quatro. E o que dizer do ar severo dos Reis, para mais de espada desembainhada? Além dos rivais, os valetes? Que rumores não dariam na vizinhança!...
Saio de casa para jogar cartas. Vou para o poker e nada me detém a personagem cordial, mas implacável, docemente fria, que encarno quando estou à mesa. Não aposto muito. Nunca aposto muito e vou sempre a jogo. Em casa não gosto de jogar poker, parece mal... tenho tantas intimidades, que todo o meu bluff, táctica e estratégia se revelariam aos olhos dos jogadores atentos e competentes. Não jogo poker em casa. Por estas razões, nunca perdi dinheiro.
Dentro do meu espaço, e em qualquer lugar, prefiro a canasta. Tem perfume este jogo argentino! Cheira-me a gin, cheira-me a chá, cheira-me a sexo, cheira-me a ternura... este é o meu jogo. Entro em confidências sem importância e conheço por dentro quem jogo. Tenho sorte com as fulminantes e maravilho-me sempre.
Paciência! Viveria a fazer paciências se não me desse a ninguém. O meu coração, largado e escondido numa caixa em Edimburgo, faz paciências para passar o tempo. O meu corpo de tédios faz intermináveis serões de paciências, e segue as regras, faz batota, inventa passa-tempos e falcatruas. Aborreço-me sempre. Não tenho muita paciência.
Já vivi numa casa de cartas e correspondi-me diariamente com uma menina que tanto poderia ser Alice como ter outro nome qualquer. Vivi demasiado tempo numa casa de cartas. Fugi! Foi há muito tempo e, contudo, ainda sonho em fugir daquele espaço, ainda me desejo lá dentro. Se pudesse voltava, nem que fosse para voltar a fugir. Ainda me lembro dos pesadelos com cartas e de Alice, que poderia ter outro nome qualquer. Quando fugi levei as cartas que ela me escreveu. Não fugi sozinho.
Jogo paciências com as cartas que me escreveram, e por vezes comovo-me. Abro as portas da casa onde vivo e deparo-me com cartas de jogar, mesmo não vivendo numa casa de cartas. A minha vida é um jogo e aposto. Aposto no limite, no risco. Juro que não sei o que estou a fazer.

6 comentários:

Anónimo disse...

olá meu querido. Não quero transpor para a realidade o teu texto mas fez-me recordar algumas coisas de que tenho saudades. O de perder uma noite poker como deve ser...

Abraços

João Barbosa disse...

pois, há uma parte de realidade neste texto... temos de pokerar...

Anónimo disse...

AH! Bom já estava a estranhar a onda dos textos pequeninos...assim está bem!Ainda pensei: ou falta de tempo ou falta de inspiração ;)
Muito, muito bom...como sempre...

Quando dizem que: “esta vida é jogo”, fico sempre a pensar um jogo de quê? De escondidas, de toca e foge, da apanhada, não! Tem que ter mais movimento psíquico/intelectual, do que físico...agora percebo, que não pode ser outro jogo...a não ser o raio do Poker.

Anónimo disse...

Tudo é um jogo nesta vida inclusive a vida, mas o poker é o JOGO.

Anónimo disse...

os textos não se avaliam pelos metros

Anónimo disse...

Quem disse que o tamanho não conta???