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Pode um homem de quarenta e sete anos enternecer-se? Não se
diga que há uma criança em nós, não é verdade – só quando chorar é inevitável e
há gente a ver.
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Não me sinto o Rei que perde o reino. Sinto-me o condenado quando
pode, para sempre, ter sol. Foram oitenta e dois anos e três meses e finalmente
se fecha a porta, não da casa, mas da família ao sítio.
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As casas têm felicidade e sombras. Aquela pesa em tantos e
em mim. Para mostrar diria a minha vida toda, que levaria igual tempo a falar.
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Só antevendo uma meta se compreende circular, linha que não
se faz num dia. Finalmente tomei o meu último duche, depois tirei as loiças e
recolhi as roupas – últimas peças de intimidade.
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Não choro mortos e alegro-me com os reencontros, venham
desta vida ou regressem da morte – no reaver daquela forma de bater do coração,
difícil de explicar, diferente e particular para cada amigo.
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Invisível, mas não insensível, tantos anos, quase tantos
quantos os que vivi naquela casa – só mais um. Não me lembro se andava perdido
quando deixei a infância, aos vinte e quatro anos.
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Vinte e três anos é uma vida. Reencarnou no dia em que trouxe
as loiças e as roupas e tem ainda os braços abertos.
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Pode um homem de quarenta e sete anos enternecer-se? Pode,
quando reencontra o seu urso. Não se diga que não sou uma criança.
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