.
Comi a melhor musse de chocolate. Quase aos cinquenta, o
doce das crianças é-me, sem qualquer memória daquela, qualquer coisa que, não o
sendo, é luz, por falta duma banal palavra – acontece falhar um termo no
conceito-língua. Como pude esperar. Aguardei porque há o dom da ignorância e do
privilégio do conhecimento.
.
Não pergunto, sou claro: como pude esperar. Graças – a quem
ou quê, na falta doutra coisa-ser – ao dom da ignorância e do privilégio do
conhecimento.
.
O resto já sabia. É comida do sempre, da Lisboa do meu pai –
a minha mãe não é daqui. Dá tanto trabalho explicar, muito mais do que dizer. Vagamente,
guardando por pirraça, sedução ou impaciência.
.
Se não sabem, leiam a cidade inexistente – ainda antes dos
turistas a ocuparem –, passem os olhos pelas ruas fixadas na verdade das
fotografias e na infidelidade dos traços.
.
Se não sabem é porque foram morrendo, movendo-se para a
borda da terra e sem vergonha de perderem a aldeia da foz do Tejo – todas as
aldeias definham, assim Lisboa.
.
Perto da Sé, só não conhece o milagre da sobrevivência quem
não olha para cima nem para baixo, apenasmente para uma coisa qualquer que nos livrinhos
e cibernáticos se lêem.
.
A Estrela da Sé existe, não está escondida, não foi
devassada e é uma verdade, porque não é quem não é. Não finge o passado nem se nega
a qualquer vento de feição que possa soprar para a
tal-coisa-que-preguiçosamente-se-chamará-luz.
.
Há as ceboladas, os bacalhaus, as veganices e a musse de
chocolate.
.
A musse tem segredo à vista como a casa de pasto. Não se
esconde nem se exibe. Só não vê quem.
.
A Estrela da Sé é o que é e tenho a certeza de quem ama o
que faz – e com a chave da porta da mina de ouro – é fiel, não se vai embora,
porque pertence à cidade.
.
Só quem não leu a cidade pode incompreender.
.
.
.
Nota 1: voltei hoje ao Estrela da Sé, por milagre de Santo
António, taumaturco com o menino que o meu pai pintou e ficou para o Museu de
Santo António – ali juntinho à Sé Patriarcal de Lisboa.
.
Nota 2: A qualidade da imagem é péssima, não por culpa do pintor, mas do fotógrafo (eu).
.
Nota 3: Estrela da Sé
Sem comentários:
Enviar um comentário