digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Derrame

Derramado, luto para que as próximas horas não sejam a dormir. Preguiçoso ou cansado, demoro-me pendente de alguma coisa que quero que aconteça, mas que não tenho coragem para fazer acontecer. Como se estivesse muito bêbedo.
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Muito bêbedo, deitado, abraçado pelo colchão. Os sapatos tirados a sopapo com os pés. As calças abertas para saírem, mas ainda a meio-rabo, pesado como um hipopótamo. A camisa aberta, sem sair, esmagada pelo torso. Os óculos esquecidos algures, ao alcance duma das mãos, que não se sabe qual. Duas mãos, duas pernas, quatro membros, nenhum se move com o outro. Movimentos independentes. A cabeça desencaixada.
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Como se estivesse muito bêbedo, debruçado sobre uma almofada quente, quase a escaldar, mas donde não se sai. Esforço. O esforço de não fazer esforço de sair de tamanha letargia.
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Há esperança num objectivo. Algo que convença a cumprir a vontade de cortar a dormência e anular horas de sono de tédio e ócio. Que objectivo? Vontade de dormir sobre o assunto. Decisão sempre adiada.
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Não pensar mais. Um longo suspiro e um gesto brusco, como um salto suicida. Levantar. Upa! Já está. Já não há corpo debruçado no parapeito da preguiça.
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Momento indeciso. Pendente. Balanceado. Cai, não cai. Para a frente não cai. Ânimo. Vitória. Orgulho. Descanso. Cair para trás.
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Derramado, caído por terra num leito. Desejo que as próximas horas de ócio não sejam de dormir nem de tédio. Como se estivesse muito bêbedo. Duas mãos, duas pernas, quatro membros, nenhum se move com o outro. Movimentos independentes. A cabeça desencaixada.

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