digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
domingo, fevereiro 25, 2007
Erudição médica
A cidade
Porque sou da cidade só posso viver na cidade? Como a mulher fidelíssima! Como sou da cidade, que amo devotamente, posso viver até no campo. Posso amar a cidade, amando-a à distância breve e próxima. Não muito longe nem muito distante, por causa do sofrimento. É na cidade que danço e amo. Tenho a vida toda na rua. A minha vida não é a rua. E também não sou a cidade.
sábado, fevereiro 24, 2007
Amor sem memória
Ninguém escreveu o nosso amor e, por isso, nasceu imprevisto. Amontanhou-se de trás da transgressão com a naturalidade de todos os sorrisos e terminou na colisão de dois TGV desabridos.
Do nosso amor não veio luz ao mundo nem Deus o iluminou com o seu olhar nem o amparou com a mão. Até o Diabo o ignorou, sem desdém.
Enquanto viveu, viveu livre, o nosso amor, só nos tendo aos dois como limite e balizas, até ao dia do embate dos combóios. Dos escombros não restou sangue nem piedade para contar a sua história.
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Sedução
Fiz a rua abaixo por tua causa. Desci-a por um sorriso e agora olhas-me com o mesmo susto das minhas gatas quando fumo um cachimbo. Não me digas que não fico sedutor depois dum tinto de calibre profundo e aroma nobre...
Tenho as mãos mais macias da metrópole e a voz de quem sabe e pensa, mas, acima de tudo, desci a rua por tua causa. Não me digas que resistes ao meu sorriso...
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Cruz
Às vezes pergunto-me pela minha cruz, não sei dela. Depois, penso e penso e penso e descubro-a nas pequenas coisas. Reconheço-me mais vezes repousado no Calvário do que a carregá-la.
Às vezes nada me faz sentido e não vejo nem cruz nem Calvário nem caminho nem mundo nem nada onde pôr os pés. Só não largo a cruz, porque não a vejo nem sei como a largar. Como perder o que não se sabe que se tem? Às vezes nem a falta de sentido faz sentido.
Ingratidão
Não importa se estavas saciada quando saiste a meio da noite. Não importa, porque já não te lembravas de quando estiveste faminta. Esqueceste o alento, a comida e a água. A gratidão só importa enquanto existe memória.
A gratidão e a memória são loucuras passageiras. Assim são ainda a compaixão e o amor. Não me escutaste os olhos rasos de água nem os pensamentos desalinhados. Não viste o corpo encaracolado em silêncio. Não consolaste o corpo nu aos gritos. Não viste tristes, os olhos alegres.
Nas horas difíceis da solidão há ausências mesmo na multidão. Fica quem está e se dá de presente. Fica a gratidão de quem fica. A memória de quem está. A água de quem a dá de beber. Não me viste tristes, os olhos alegres.
Bom dia, bom dia
Por alguma razão não consigo parar de dar os bons dias. Faço-o repetidamente e de forma alegre, com um genuino sorriso e brilho no olhar. A serotonina corre feliz no meu cérebro e a dopamina também saltita... sei lá que outros químicos carburam livres e soltos na cabeça.
Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia!
Há sumo de laranja! Faz Sol! Chove a rodos! Tanto faz! Há contentamento no voos dos pássaros. É Inverno! É Primavera! Tanto faz!
Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia!
São amores novos! São amores antigos! São amores nenhuns! Tanto faz!
Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia! Bom dia!
A pandilha
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
Uma surpresa de vinho
Infelizmente, julgo não ter de nenhum vinho um vínculo que me permita ter essa perspectiva, mas uma garrafa que me trouxeram fez-me pensar: O que terá sido este vinho no ano em que saíu para a rua? Não arriscaria muito se apostasse como o terei bebido. Porém, à data não fazia apontamentos... infelicidades que agora lamento.
O que posso agora dizer deste vinho tinto? Que estava belíssimo, em boa forma e que bom prazer me deu. Muito elegante e macio. Para que se Saiba foi um Vila Santa de 1992, um vinho Regional Alentejano, de João Portugal Ramos.
Realezas
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
Promessas
Mas não! Não vais sozinha para o café nem te tornarás invisível a meus olhos. Porém, jamais te verei, porque não te quero ver. A tua frieza gerou a incandescência da minha raiva. A solidez da tua decisão é tão dura quanto a minha e não há espaço para ar pelo meio das duas. A insensibilidade é maior estupidez das pessoas. Não deposito margaridas nos teus seios nem te beijo as coxas.
sábado, fevereiro 17, 2007
A normalidade
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Variações sobre várias verdades
O desejo é ir.
O prazer é ficar.
Lembrar é uma chatice.
Criar é uma frustração e uma necessidade respirável.
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
Evidência eclipsada
Uma infeliz certeza
Uma agradável certeza
Nota: Disparate no sentido bonito, no sentido de criatividade e imaginação. A ilustração chama-se «O monstro a fazer o Hamlet»
Vontades
terça-feira, fevereiro 13, 2007
À espera do amor
A abominável
Porém sei, que além de toda a bestialidade da matemática há a poesia, a arte e a alegria. Ainda que saiba que é uma doença que vive em tudo, fito-a nos olhos e não a desafio. Sorrio-lhe e volto-lhe as costas. Sou muito feliz sem ela. Hoje e amanhã.
O direito à tristeza
O sítio perfeito
Tenho os pés na areia duma praia onde não vejo o mar. Faço amor com uma mulher sem rosto. Escuto a sabedoria intemporal duma criança que não conheço. Posso saudar a vida.
Há anos que vivo com a mesma pessoa. O mesmo amor mansinho. Há anos que amo sem cessar o tempo eterno do afecto. O prolongado beijo sem prazo. Ali à frente há azul ou cinzento: É uma praia. Faz-se amor no mar, abraçados a sorrir, saltitando com as ondas, a escutar o burburinho das risadas indiferentes das crianças a brincar no areal. É o Paraíso!
O sítio impossível
Não sou esta casa, apenas estou nela. Estou há uma eternidade à espera que se desfaça de mim, que me expulse. As gentes do prédio, da rua e do bairro são tão diferentes como venusianos. Por isso, embriago-me em todos os entardeceres para que, quando a luz fica parda, eu e todos os diferentes que aqui se intoxicam nos tornemos pardos e os nossos olhos tolerem este sítio medonho.
Não bebo demasiado, apenas medico-me contra a tristeza da vida para que a tolere. O relógio de pêndulo da sala ora está insuportavelmente activo, cansando com a sua batida, tanto certo como coxo, ora é totalmente mudo e inútil. Nas jarras estão adormecidamente mortas flores e as mesas estão cobertas por toalhas com nódoas de vinho que ninguém substitui. A casa não muda. Não troco com ela olhares nem palavras nem confidências. Ela nada me diz. É toda uma loucura donde quero sair, mas não me deixam.
A espera
A brincadeira
Nota: Retrato de Maria Carolina de Boubon Duas-Sicílias, duquesa de Berry. Devido a tratarem-se de diferentes reproduções, as tonalidades não são as mesmas, sendo que parece claramente mais fiável a versão do pormenor.
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
Longevidade
Antes de chegares à minha vida já te sabia. Conhecia-te doutros tempos, duma vida antes da vida. Antes de chegar à tua vida também me conhecias... do mesmo sítio. É por isso que ficamos tão bem juntos nos retratos e gostamos de passear sem ser de mãos dadas. Sei que não és a mulher da minha vida! És a pessoa das minhas vidas!
O limite de chuva
Ambos vamos à praia... conhecemo-nos lá: chovia sobre mim e raiava um Sol esplendoroso em ti. Eu estava macilento e esverdeado. Tu, dourada e viçosa, sorrias. Um mesmo lugar e dois sítios distintos. Frente a frente não estamos diante um do outro, vemo-nos através ou à transparência.
Onde és concreta, sou fantasma. Onde existo, nunca estás. A chuva é a minha fronteira. Está sempre Sol em ti. Para ti a sombra é uma consequência da luz e nem imaginas uma vida escurecida, onde a sombra é a ilusão dum vulto, uma aparência difusa.
Exiges sorriso como se houvesse a obrigação da cor. Obrigas o estado sólido à água e desconheces que nessa situação fica gélida. Desconheces a ausência do som e a flutuação forçada, porque no teu lado da vida há sempre uma brisa fresca que alivia a dor.
A minha fronteira contigo é o limite da água. Passa um rio entre nós. Dum lado a vida e do outro um estado febril e doentio, que não é morte ou coisa alguma. Aqui chove e apenas isso. Aí está sempre Sol.
A aproximação e a queda
O grande gesto. A decisão. A omnipotência. A prepotência. A desistência. A punhalada. A discussão. As discussões. O cheiro enjoativo da cama. O cheiro repulsivo da cama. A insuportável presença do outro. As palavras como facas. As conversas obtusas e a surdez. O rubro da raiva, o roxo da asfixia, o azul da frieza, o verde da frigidez, o amarelado da separação.
A luz diferente
Uma luz diferente. Nítida diferença diante dos olhos. Olhos claros e sábios. Mãos certas no mundo. A forma duma cama. A forma do mundo. A forma do amor. A forma da amizade. A luz diferente diante dos olhos claros.
Um abraço sem tempo. O afecto adiado. A incerteza do tempo. Uma luz diferente diante dos olhos claros.
O tédio
Um dia vou a Londres. Um dia mostro fotografias da minha vizinha a passear o pato. Um dia volto a sair à em roupão. Um dia deixo de tomar banho. Um dia dou um tiro na cabeça e continuo vivo. Um dia compro um quadro muito caro. Um dia mudo-me para uma quinta com vinha.
Ou então vou a Londres. Não cumprimento a vizinha porque sou puritano. Só saio de casa bem trajado. Andarei sempre barbeado e lavado. Nunca darei um tiro na cabeça e prometo morrer um dia. Nunca comprarei arte. Viverei sempre num apartamento burguês ou no palácio da família.
Entre uma coisa e outra há coisa nenhuma. Não tenho coragem para ir nem para ficar. Talvez pudesse vestir-me de careto e montar-me num camelo na Segunda Circular. Talvez pudesse criar arte e vendê-la muito cara ou a preços acessíveis e democráticos. Talvez pudesse vender o palácio da família e comprar uma quinta com vinha. Entre uma coisa e outra, coisa nenhuma. Coisa nenhuma. Falta coragem para ir e mais ainjda para depois voltar se quisesse. A normalidade é um tédio.
sábado, fevereiro 10, 2007
Vida comigo a cavalo
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Barafustão
Minha mulher, meu amor
Muito mais do que carne. Muito mais do que objecto de desejo. Toda ela uma esfera: completa diante de mim, imperfeito. Muito mais do que meia Lua, ela mostrou-se todo o panteão de divindades pagãs, nas suas virtudes e defeitos, toda ela apaixonável. Muito mais do que Vénus. Eu, omnipotente, verifiquei-me impotente.
Toda ela uma esfera: completa diante de mim, imperfeito. Ela toda enigma e eu já sem certezas. Ela pragmática e espiritual. Eu sonhador e materialista. Aceitando-me as limitações e as parecenças, sabia-me comum. Tomando-a por idêntica tropecei na individualidade. Vislumbrando-a distinta notava-a completamente igual. Toda ela feminina.
Eu, impotente, amo-a. Ela é mais do que objecto de desejo. Toda uma esfera. Todo o panteão de divindades pagãs. Eu sou humano, omnipotente como todos os homens. Ela é divina e humana como todos os anjos.
Nota: Os homens não percebem nada de mulheres, porque talvez não haja nada para perceber nas mulheres. Cada uma é diferente da outra, sendo que todas talvez formem um padrão. Porém, a aplicação duma generalidade é obrigatoriamente desastrosa.
O retrato
O meu retrato é a visão do artista e é um momento. A fotografia é só um instante e um golpe de alma. O espelho é breve e nele estou com os meus olhos. Se me esculpirem um busto, o que poderei dizer? Que sou de alabastro? Frio e fixo num só jeito?
Sei que não sou quem gostaria de ser e muito menos quem gostaria de ter sido. Nos meus dias moldo mais do que o corpo. As minhas noites ocupo-as com insónias. As minhas manhãs são de sono profundo. A minha imagem é diferente da do espelho e da que sinto. Não sei para onde vou e muito menos para onde quero ir.
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
A casa feliz
Tudo é calor. As paredes de cores quentes são cobertores e fixam a temperatura do Sol e das palavras. A mesa posta está sempre à espera que a ela se sentem em fraternal satisfação. Flores e frutas insistem. Há uma cidade sob as janelas.
Não imagino outra casa que não esta nem outra cidade. O tempo não tem pressa e à conversa bebe-se Vinho de Colares ou Vinho de Bucelas. Há arroz de berbigão e pastéis de bacalhau ou iscas. Há sempre a luz do rio e do céu e a vista até além. A nostalgia é tão obrigatória quanto a felicidade das calçadas.
Luz de pedra
Nota: Vénus de Willendorf
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
Caixa mágica
Deitado ainda sobra espaço. Cabem os meus pensamentos, os olhares dos outros e este perfume imposto por estranhos a mim.
Deitado não serei objecto de adoração nem de comiseração nem de arte. Deitado estarei em casa, quem olhar verá a minha cozinha, o meu quarto, as minhas intimidades visíveis. Nada que nenhum tenha. Mas lá dentro estará toda a minha inquietação ou o espelho do meu vazio.
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Nudez descoberta
O meu silêncio expande-se e derrama-se. A minha cabeça transborda e a casa é o lago que o recolhe. As coisas são inexistentes, o silêncio esvazia tudo e nele afogo as horas e a solidão.
A porta da minha casa dá para dentro de mim. Passando-a tem-se acesso ao meu estômago, baço, fígado, cérebro e todas as vísceras. O meu amor passeia-se nu dentro de mim.
Tenho as janelas sempre abertas e as cortinas escancaradas, porque essa é a forma mais plena e certa de esconder as partes pudendas. Passeio-me nu pela casa, porque não tenho ninguém de quem me esconder. Todo o espaço basta-me. Nenhum espaço me é suficiente.
A construção do amor
O meu amor por ti é de aumentar e sucumbe, ciclicamente, ao seu peso e dimensão para renascer dos escombros e edificar-se mais forte. Sempre diferente. Sempre novo. O passar do tempo dá espessura ao afecto. O amor torna-se num lugar de encontro, num lugar comum, comum aos dois. Num lugar sempre em construção.
Uma transcendência
Onde estão os olhos? Por onde corre o sangue? Onde fica a dor? Fosse nosso o corpo... Fosse nosso o corpo e levá-lo-iamos para todo o sempre. O amor está na alma.
Antes da queda, a elevação. A oração mais alta. Há mistérios, haverá sempre. Até ao dia da compreensão.