Não fui eu quem bebeu demasiado, mas a realidade que me minguou o corpo perante o álcool. Habito uma casa onde não partilho confidências, situada num bairro onde as intimidades não são as minhas e onde os gritos das pessoas me atravessam.
Não sou esta casa, apenas estou nela. Estou há uma eternidade à espera que se desfaça de mim, que me expulse. As gentes do prédio, da rua e do bairro são tão diferentes como venusianos. Por isso, embriago-me em todos os entardeceres para que, quando a luz fica parda, eu e todos os diferentes que aqui se intoxicam nos tornemos pardos e os nossos olhos tolerem este sítio medonho.
Não bebo demasiado, apenas medico-me contra a tristeza da vida para que a tolere. O relógio de pêndulo da sala ora está insuportavelmente activo, cansando com a sua batida, tanto certo como coxo, ora é totalmente mudo e inútil. Nas jarras estão adormecidamente mortas flores e as mesas estão cobertas por toalhas com nódoas de vinho que ninguém substitui. A casa não muda. Não troco com ela olhares nem palavras nem confidências. Ela nada me diz. É toda uma loucura donde quero sair, mas não me deixam.
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