digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, dezembro 31, 2014

À meia-noite e picos

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A vida sem risco não é e ainda que fosse não poderia ser.
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Sininhos pirosos tocam músicas pirosas.
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Os barretes quentes, exagerados para Portugal, e as camisolas lanudas são pirosos.
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Ah, as meias e as luvas também. Os cachecóis.
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Agora apetece-me engolir um bolo-rei.
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Agora quero que amanhã me apeteça passear em pelota sobre o muro do cemitério.
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Os foguetes a estrilharem e fogo orgasmando-se na abóbada celestial.
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Gritarei até à rouquidão para pensarem-me louco. Serei? Lá em cima serei o rei do mundo.
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Se cair aleijar-me-ei. Se não cair terei vertigens. Se me demorar buscar-me-ão.
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De que ficarei interno, da gripe ou da loucura?
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Se não cair sairei pela escada dos bombeiros.
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Antes, porque a pelota não será completa, baixarei as cuecas para mostrar o rabo aos polícias.
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No hospital o tédio será ócio e poucas palavras darão o calor que na liberdade não tenho .
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(Pausa de silêncio seco, suspirando)
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Raismapartam, não entendo o que faço aqui.
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Entre antes de vinte e cinco e depois de oito é mais assim.

Não vá esquecer-me

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Levei mais de vinte anos até aceitar e tornar público que gosto das obras dos Pré-Rafaelitas. Outro tanto tempo e mais um pouco para afirmar que acho Renoir piroso, assim como a maioria da pintura Impressionista. 

A chegar a 2015

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Amanhã por esta hora a vida vai continuar velha.

terça-feira, dezembro 30, 2014

Queria ter a camisola coberta de pêlos

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As gatas ainda hoje não vieram pedir-me mimo. Gostam mais da lanzeira ao sol que engana o Inverno. Entedio-me embrulhado no lado frio da casa. Quendera ter coragem para ser a espera. É desafio que não se faça a gato, arriscando uma humilhação. Nem a cão, tudo dá, mais do que a si.

Heptângulo de amores

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Os quadrúpedes cá de casa vivem em quadrângulo amoroso. Todos fazemos um heptângulo de amores. Tantos e quantos mais houvesse maior seria o leito quente em que nos aninhamos; os ciúmes amansaram-se, o amor multiplica-se e os risos são fogos-de-artifício que não cansam. Sete mais que sorte.

Super

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Sou um super-herói adiado. A procrastinação é o meu super-poder.

Estrela

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Quando perdi a luz e caí num negrum de sete palmos levaste-me ao colo. Percorremos uma vereda de luzes mansinhas que pouparam os olhos e ocultaram as lágrimas. A estrela, que dizem se acende, foi adiada. Em contrapartida outra floriu em mim. É linda a estrela que me deste.
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Nota: À minha grande amiga Isabel Colher.

quarta-feira, dezembro 24, 2014

Neste frio de frio – erro ab ovo

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Estes são dias de sangue vermelho corrente, quando o frio se aquece. Dias de sangue corrente, dum encarnado desejando desencarnado.
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É tempo das santas festas, em que o cinismo, hipocrisia e rancores se ancoram escondidos. A solidão é fruta da época e a tristeza senta-se à mesa.
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Já que se evoca Deus – supremo de espírito – que os tristes se tombem ou curem nos comprimidos da saúde ou sejam como os bolos.
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Pode ser um dia qualquer, num tempo qualquer, mas santas festas. Que os esquecimentos se façam lembranças. No Natal dos gritos ignorados da melancolia.
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Que a estrela da árvore suba ao globo celeste e os sininhos toquem finados.
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BANDA SONORA
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Ligação para sítio alusivo à esposição «Amor-te».

sexta-feira, dezembro 19, 2014

Letra F


Para Nascente

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Deixem-me ir pela vereda, caminho estreito entre muros de hortas. Fruteiras de braços longos oferecem de saciar. Abelhas confirmam, vespas arrepiam, libelinhas dizem água, aranhas comem  as moscas, que chateiam, e louva-a-deus panicam-me – nunca saberei porquê, nem centopeias nem sanguessugas ou bichas rateiras.
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Uma ribeira podia passar por onde vou, mas nem a sombra esconde o calor que a seca, nem o calor aquece uma vida perdida, e a vida perde-se por se não viver.
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Se ficasse estendido… as formigas. Vou até onde for da melancolia à paz e quendera não se acabasse a azinhaga e Deus queira que não desagúe numa estrada, mesmo onde os carros se esquecem.
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A ribeira invisível segue para Norte e o Sol para Poente, a Nascente fica o cemitério, dizendo que nascemos ao morrer, porque somos de lá e não de cá, de espírito e não de carne. Lá no alto, preparando para a ascensão, e a terra fica com o corpo.
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Soube do doce, provei-o. Amargaram-me e nem por repetir uma prece mágica recolhi o sabor da infância, do espanto, da ingenuidade e dos abraços e afagos de afectos.
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Desiludido olhando as frutas falo-lhes C6H12O6,ou abre-te sésamo. Tanto lhes faz, quase choro as lágrimas que o calor secaria. Seria engano, não é o doce que apetito.
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O caminho da calma faz pensar e pensar aleija. Medo só tenho da louva-a-deus.
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Hei-de deitar-me e que me levem para Nascente.

Frutas

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Apetito-te! Esse apetite de não-comida.
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Sob os lençóis as raízes do prazer, da flor da pele à fruta dos lábios, a copa de cabelos e um tronco e braços de trepadeira.
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Quendera fosse a árvore proibida, para ter por certa a maçã para dividirmos.
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Quendera fosse a árvore permitida, para ter por certos os maracujás.
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A árvore da incerteza,
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Quando estás doce sei que és salgada.
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Sede que me sacias.
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Apetito-te! Agora, ontem e amanhã.

Desgolpe

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O coração não é negro, é a minha alma. No fundo do poço, o reflexo dos olhos tristes e do rosto que, se desenhado, se riscou à força de raiva, a esferográfica. Mal se vê, porque a luz, porque a sombra, porque a alma, porque os olhos.
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Afasto-me nos dias tristes e reparo na fragilidade do meu corpo gordo, de ridículo gordo. Pairando descarnado penso em não voltar e deixar o peso na cama e levar o peso comigo, para que ninguém mais saiba ou veja ou sinta ou pressinta ou escute.
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Azul de reis e escarlate de cardeais e vivendo num preto e branco de luz e sombra expressionistas.
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O manto de veludo pesado saciado na sede pelo sangue que a adaga soltou, libertante.
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Contudo, fico, vou ficando, perduro, prolongo. Vida de tédio e despréstimo. Treme-me a decisão, é golpe adiado. Golpe adiado é sobreviver a golpe mal dado.
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Se o cão negro lhe jogasse o dente.

Desejo

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Gostava que a tua roupa fosse tão escorregadia, diante de mim, o quanto és quando te tendo seduzir. 

Sei lá, sei lá

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O que foi melhor?
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Ou o que foi mais simbólico?
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Ou o que devia ter sido e não foi?
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A sua primeira vez?
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A minha primeira vez?
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A nossa primeira vez?
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A minha primeira nega?
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A minha desnecessária timidez?
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Se fosse agora teria perdido a adolescência. 

Descartes reciclado

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Penso, quero desistir.

Medição do amor

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O amor não se mede em metros, nem em quilogramas nem em litros!
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Mede-se em polegadas, pés, braças e palmos.
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E em jardas, se na declaração não houver bujardas.
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Nota: Não conhecia esta versão do «Hemem de Vitrúvio», pelo que não juro se esta é também original de Leonardo Da Vinci.

Metamorfose escultórica

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Gostava de te ter visto nua, para que de derretido ficasse bronze. Em vão, tanto tempo ao ar e ao pó que agora estou rijo, de pedra e esperança.
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Nota: Vive-se um tempo em que o respeito pelo trabalho alheio é descartável. Esta escultura, apesar de surgir em vários locais na internet, parece ser filha de pais anónimos. Se alguém souber que é o escultor, por favor, informe-me, de modo a poder atribuir-lhe os créditos.

sexta-feira, dezembro 12, 2014

Ai, amor, que me mataste

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Saturado das cenas de ciúmes, cansado das vergonhas dos escândalos, enjoado pela perseguição sinistra do olhar ao meu olhar, enfadado dos modos controladores e de chantagem, agoniado por tantas vezes repetir provas e actos… menti-lhe.
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Disse-lhe:
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– Acabou-se. Amo outra.
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Ferida, mortalmente intoxicada pelo orgulho, cega de desamor, juntou todas juras, canseiras e perdições – que me amarravam – e fez uma arma de guerra. Com ela agrediu-me, cada beijo dado tornou-se numa bala, cada cama um matadouro, cada jura um veneno, todo o futuro sonhado um deplorável engano.
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Fiz beicinho por vingança, fantasma teimoso. Tão felizmente triste, olhei-a com os olhos do boi antes do sacrifício. Fingi engulho, até me engasguei. Confortavelmente calado para nada ter de inventar e deixei que me rebaixasse, de modo a ser varrido como lixo por debaixo da porta.
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Para a história ficou o meu arraso, assim ainda hoje se ensina nas escolas a tragédia do meu desamor.
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Em segredo e sigilo:
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Cá fora, ar tão puro. Bebi vinho e saí pela rua a beijar na boca as mulheres bonitas.
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Que morte tão boa me matou!
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Nota: Esta cena faz parte do filme turco «Karateci kiz» (mulher karateca), rodado em 1973. Na internet vem referenciada como a pior cena de morte do cinema... desconfio que haja muitas outras pérolas esquecidas.

Chuqui

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O meu chama-se Chuqui. O nome é o que lhe deu um menino quando fez quatro anos. Chama-se Chuqui e tem a mania que é cão, só estou habituado a gatas e inadvertidamente negligencio-lhe afectos quando chego a casa e me saúda de rabo a abanar e a correr de alegria. O Chuqui ladra e isso chateia-me. O meu cão tem a mania de ser cão. Ao contrário, as minhas gatas sabem perfeitamente que são pessoas.

Amor e guerra

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Disse-lhe:
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– Sou um grande exército! Avançarei sobre ti. Irei invadir-te, saciar-te e depois sairei em glória e sempre pronto.
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Respondeu-me:
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– «Crido», se essa é a tua Artilharia, prefiro travar sozinha um combate de guerrilha.
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Boquiaberto tentei:
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– …
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Continuou:
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– «Crido», se dizes Cavalaria, sei que serás tu a montada.
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Quase caído:
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– …
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Num estoque rematou:
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– «Crido», olha pra mim, vem-te como a Infantaria! De pé!

Onde íamos

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Disse-lhe:
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– És muito bonita.
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– … Obrigada…
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– Gostava de me deitar contigo.
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– …
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– A tua boca faz-se de gomos e os teus olhos são gemas.
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– …
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– Antevejo-te o peito. Deduzo a cor da pele escondida.
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– …
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– Sei do teu calor e como será terno o agasalho que darás, antes, durante e depois do princípio e do tudo.
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– Esquece isso e vamos tratar do Inverno, antes que a Primavera trate de nós ou o Verão nos vulcanize.
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– Já esqueci. Onde íamos?
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– Para ali, para fazer amor.

A diferença entre um corvo e um vampiro

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Perguntou-me:
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– Se pudesses escolher, o que escolherias… corvo ou vampiro?
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– Nasce-se corvo, e vampiro é no que nos tornamos com dores.
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– Corvo ou vampiro?
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– Corvo. O corvo é corvo e tem a consciência de que é corvo. Tem a sua natureza e faz a vida ao modo dos corvos. O vampiro é alguém que caiu e que morto tenta sobreviver.
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– …
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– Não é fácil ser-se vampiro…
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– Como o sabes?
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– Sinto. Sei que a tristeza só acabará com uma estaca de madeira onde é suposto ter o coração... engolido pela sombra da alma.
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– Corvo… é uma ave bonita.

Às vezes verdes ou quase verdes

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Quando eu era pequenino não tinha raivas. Chorava nas vezes de chorar e ria muito. Doce de olhos vagamente tristes. Não sabia e sentia que precisava fugir, levando mãe e mimo.
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Quando eu era um pouco menos pequenino era gordo e não me importava. Continuava sensível e de olhos vagamente tristes e sorria. Não sabia e sentia que um dia partiria, certo do amor eterno da mãe.
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Mais crescido, chorava e desejava o que pedia desde miúdo, sem conseguir associar o sentimento à fonte. Fugia sem perseguição, aprendi a rir na tristeza. Indiferente, inconsciente, inconsequente semeei tristezas, com garras e caninos de vampiro.
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Nesse tempo tinha muita raiva e não sabia. Escrevia as raivas e li-as ou dava-as a ler. Escrevia aos amores, a mulheres abstractas, a mulheres de revista e às ninfas adolescentes do dia-a-dia. Escrevia-as e dava-as a ler e elas gostavam.
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Fogo eruptivo de sexualidade, infantil e tonto. Escondia a raiva nas letras e nas linhas, sofria na injustiça das disciplinas desnecessárias e sofria por tanta coisa. Tinha razão, mas força não. Ria e tinha os olhos quase tristes, que por vezes choravam por nada.
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Quando era jovem adulto não mudei muito, mas tinha dinheiro, o meu. Sentia-me grande por escrever num jornal. Era tão infantil, sorridente e com olhos grandes vagamente tristes.
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Da arrogância, soberba e cinismo, recolhi indiferença, castigo e traições. Acabei por acreditar em Deus, sem perceber o significado nem ganho grande fé.
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Um dia uma montanha atropelou-me e fui arrastado. Começava a cair. Caí de tudo e caí na doença, se não bastasse, caí ainda mais no negro. Viúvo sem cadáver e a sorrir como os palhaços. Nos dias depois das muitas noites, caí ainda tão mais fundo, mais do que o castanho-negro dos meus olhos quase tristes. Tristes e cansados pela traição impossível.
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Caído de tudo, numa vala colhendo a terra de enterrar que atiravam. Fiquei sem querer. Houve também água, mais difícil de conter nos meus olhos tristes. Afogando-me, vim por vezes à tona. Sugado pelo vórtice, na violência das coisas invisíveis, inalando água, engolindo água, escorregando na água, fenecendo na água.
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Até a uma enseada de luz. O local de repouso dos falhados, onde não há escadas nem fendas para trepar. Se me habituei? Não, não me habituei e os dias lembram-mo todos os dias e o espelho reflecte a derrota nos meus olhos tristes e que sorriem.
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Ainda assim, adio. Adiamento em adiamento. Sou uma casa sinistra de escura, de longos corredores em que as portas se abrem para quartos escuros e se fecham impossíveis. Nesses quartos escuros onde só entra escuro fica-se encolhido de medo e miséria nos cantos mais negros.
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Há os outros dias, alguns de fingimento. Embora as seis alegrias. Tão doces e não apagam a dor da alma, nem devolvem a Primavera perdida.
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Adio. Adio e adio e adio o adiós. 

sábado, dezembro 06, 2014

Com vista para o mundo

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Casa com janelas com vista para o mundo. Lá fora a vida. Lá dentro uma dor-lamento, baixinho, para que ninguém oiça o que talvez venha a ter de ver. Baixinho, porque quando grita quase todos fogem.

Bola de ângulos rectos

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De que serve dizer que o mundo é quadrado? Se todos dizem ser redondo, o mais certo é estar errado. Não me convenço, não preencho os espaços, pelo que digo que o mundo tem ângulos rectos. Por isso, a minha vida é redonda.

Tempo de paz, alegria e felicidade

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Vai chegando o momento em que os cães negros aportam, na sua migração anual. Matilhas que manjam e largam os enfermos, por vezes abandonam-se de dor.
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Ouviram falar deles? Há rumores, porque estas matilhas são como o Diabo medieval – que se fale pouco, não vá acordar-nos em sobressalto.
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Escondo-me num canto tão escuro, não ouso voltar-me, não vá o brilhar denunciar-me.
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Se o quisesse não conseguiria. O ângulo recto enleia-se e paralisa-me no desvario de fugir. Acontece sempre no Natal.
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A trepadeira do canto-negrum alimenta-se por alturas do Natal. Não diverge muito da horda negra.
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Desfeitos, os sobreviventes recompõem-se até ao Verão, quando as matilhas fazem a migração contrária. As trepadeiras do canto-negrum florescem e frutificam.
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Mas nos outros dias, nos dias anónimos, também surgem cães negros, atrasados na viagem e trepadeiras do canto-negrum ressuscitam e abraçam fora do tempo.
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A dor da alma é chibo-velho – não se fale muito, pode despertar.

Gloria excelsis Dea

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Sei que mentes no peito, artifício antigo de Eva. A armadilha infalível, sejam grandes e encolhidos ou pequenos e atrevidos. O homem é presa pensando ser predador. Ela arma a cilada, põe a ratoeira, deixa-se apanhar. Ainda sabendo, Adão levita.
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O peito é o fruto e o mamilo a sua flor. O aroma irresistível que os olhos olfactam.
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Sei que mentes no peito. Revela-te, quero descobrir a mentira e sorrir da ingenuidade.
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Como tiver de ser, os beijos. Chaves de portas que se abrem ao calor.
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Alma de rosa invisível.
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Nota: Se o latim estiver errado, façam o favor de mo dizer.

Sortilégios

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Disse-me:
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– Vou fazer uma magia mágica.
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Tirou uma moeda e, com umas voltinhas, fê-la desaparecer e surgir noutro sítio.
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Disse-lhe:
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– Feio como és, magia mágica seria ires falar com aquela miúda, desaparecerem daqui, surgirem num local íntimo e darem umas voltinhas felizes.
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Estão casados há treze anos e dizem que não sabem o que viram e vêem um no outro. Porém!
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Nota: A expressão «magia mágica» conheci-a ao meu amigo João Sousa Vales. Creio que é da sua autoria.

Magia

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Acredito que existe magia. Não me lembro de nascer e de quase tudo o que foi crescer. Sei que sou aquilo que como. Sei o que me mantém acordado. Sei o que me mantém vivo. Se acordado, vivo. Se dormindo, morto para a vida de cão.

Uma questão de fé

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A fé move montanhas... só queria mover o frigorífico.

sexta-feira, dezembro 05, 2014

O 25 de Abril foi nos anos 80

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Havia bares decadentes, tinham putas. Havia galerias de arte, e gays. Havia restaurantes, e gente fancy. Havia costureiros, e todos. Havia as modelos, paixões e desilusões. Havia os artistas, os músicos e alguns jornalistas. Havia cocaína e a sida, festas privadas só pra gente gira, os velhos pederastas e os gays vestindo a moda exclusiva dos eleitos, os penteados. Havia passagens de modelos e alunos das Belas Artes. Havia o designa. Havia o pós-modernismo. Havia gente a marimbar-se para a política ainda em ressaca. Havia raridade e ruas vazias. Havia perfumes inauditos. Em Madrid havia a «movida» e cá fazia-se por isso, num bairro. Aí havia um bar com uma multidão à porta. Havia a Guida que me deixava entrar, aos quinze e dezasseis anos. Havia o Alfredo à porta, cá fora, e o Manuel lá dentro no seu bar. Havia tudo e as noites acabavam às quatro da manhã, quando a polícia não ia lá chatear.
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O que quero dos anos oitenta não é a música.

Os videoclips dos The Cure não passavam na televisão

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Disse-me:
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– Se pudesse voltar atrás voltava a fazer tudo igual.
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Disse-lhe:
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– Se pudesse voltar a trás mudava quase tudo.
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Disse-o e pensei:
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– Voou e perdeste, conseguiste e estragaste, ganhaste, outras coisas, outras pessoas, outros locais. Nada teria de garantido.
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Em sonhos estou com ela num quarto em penumbra, o disco a rodar trinta e três vezes por minuto, de mãos a tremer.
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De lábios a tremer de ânsia e medo. O receio de que aquela porta, que só se deveria abrir às sete, se abrisse às quatro e meia.
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Mais atrevido. Mais lenta. Uns beijos longos e sôfregos e o inconfundível cheiro da virgindade, que se perde muitas vezes – felizmente.
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Acelerado, baixar-lhe o conforto e saborear o aroma dos pêlos bem lavados e juvenis. Ainda meio vestidos, roupa trapalhona.
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Depois de deitar e com falta de jeito… nervosa, foi mudar o lado ao disco – oportuno momento para me arrefecer.
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Com falta de jeito entrar. Mas tão bom.
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Penso:
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Há coisas na vida que não tive nem virei a ter porque a velocidade da luz e a gravidade não deixam, mas.
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Terei sempre, saciado pela experiência e confessado do desejo.
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Perguntou-me:
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– Se te dessem a oportunidade de voltar? Se fosse mesmo possível?
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– Seria mais ou menos como no sonho… mas acho que me derramaria mais cedo.

O super-homem

Não sou o Super-Homem, mas ele às vezes parece-se comigo.

quarta-feira, dezembro 03, 2014

Weimar

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O negociante chinês sabe que crise se escreve com os caracteres perigo e oportunidade. Da frieza às pessoas e das pessoas às obras, as dificuldades são férteis para as ideias.
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A Europa está esquecida das guerras. Quando digo «Europa» refiro-me à gorda e pesada que egoisticamente se reclama de Europa. Que se vejam os mapas e se perceba quanta Europa há na Europa que se diz Europa.
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A antiga Jugoslávia esteve longe e a Ucrânia está longe. Assim, a 10 de Abril de 1938 a Alemanha e a Áustria se fizeram uma, depois a Europa fez-se em pedaços, refez-se e esqueceu-se.
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A História não serve para nada. Finda a guerra da lama e do arame-farpado, semearam-se ideias e ameaças, na dura República de Weimar, de castanhos e de rubros, alimentados da fome e do desgoverno.
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Entre 1919 e 1933, a Alemanha fervilhou cosmopolita e arrojada enquanto castanhos e negros faziam peito e já desembainhavam navalhas, cientes que os seus dias chegariam e com eles os rituais sacrificiais, alimentados com cordeiros de ventre.
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As cores brilhantes do génio nas terras de céu cinzento seriam cinzentas sob abóbada de chumbo. Nos dias da liberdade de sabor a perigo, na Alemanha de Weimar, o compositor Kurt Weill e o escritor Bertold Brecht fizeram avisos e nasceram obras-primas.
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Corro o risco de me chamarem comunista, de trotskista a estalinista, mas os burgueses não percebem Kurt Weill nem Bertold Brecht. Veja-se o cantor da Mafia a assassinar o espírito «Die Moritat von Mackie Messer». Não percebeu e a plateia também não.
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As palavras «génio» e «genial» valem uma moeda merda. Qualquer um é génio e tem ideias geniais. Ora, aqui está um desses génios a merdificar uma obra-prima.
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Felizmente, génios como David Bowie há às pazadas. Há tantos que a dada altura tombam com o peso das teias de aranha e dos raticidas. Porém, alguns destes génios fazem coisas certa – não se pode falhar sempre. Neste caso, foi caçar galinhas no galinheiro. A Jim Morrison bastava-lhe acordar ressacado, ver-se ao espelho e começar a cantar.
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Ella Fitzgerald nasceu na Virgínia e de cabarés berlinenses saberia pouco ou nada. É notável a interpretação. Tem a densidade e o negrum.
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Há obras que deviam ser de tradução interdita. São estes os casos. Não sei alemão e parece-me tão óbvio que noutra língua se perde mais de metade. Oiçam-se em deutsche e em english por Ute Lempar, reinventando a luz de cabaré.
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Nota: Por ser limitada a capacidade da caixa das etiquetas, as referências às obras seguem por aqui e por ordem de entrada em cena.
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1 – «Crise» escrita em chinês.
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2 – Colagem de Eduardo Arroyo.
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3 – Trecho do fime «O anjo azul», de Josef von Sternberg, rodado em 1930 – «Der blaue Engel». Marlene Dietricht canta «Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe eingestellt», da autoria de Friedrich Hollaender (música) e Robert Liebmann (poema). Orquestração de Franz Waxman.
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4 – Frank Sinatra canta «Mack the knife», título em inglés da canção «Die Moritat von Mackie Messer», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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5 – David Bowie canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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6 – Jim Morrison (The Doors) canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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7 – Ute Lemper canta «Die Moritat von Mackie Messer», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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8 – Ute Lemper canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).

Letra V

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Nota: «O sorriso de Vénus» é uma trabalho tão bom e tão exigente que não encontrei, durante os vários meses que esteve encalhado na minha secretária virtual, nada que pudesse escrever sem a banalizar ou ofender. Declaro-me incompetente e impaciente. Se um dia uma luz vier, logo rabisco sobre este trabalho fotográfico de Miles Aldridge.

Coisa tão certa quanto os universos paralelos

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Quando se faz bonito deve-se esborratar. Porque o bonito costuma ser piroso e se algo bom sobrar da destruição é porque vale a pena, antes e depois.

Felis catus

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Quando os gatos têm janelas às vezes caem. Quando os gatos têm telhados às vezes vão. Não há arrogância como a do gato e poucos afectos como o seu. A sombra dum gato é a sombra mais bonita. Quando os gatos têm dono é porque deixam.

Gato-eu

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Só por ter gatos sei que tenho gato em mim. Sopro e ronrono, arranho e dou torrinhas. Durmo de mim e acordo para dormir. Pela noite, não sei. Acordo cansado. 

Curvos

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Há dias curtos e dias curvos, que têm o tamanho dos curtos. Serão como uma bracelete que se põe no coração. Começam como acabam, tristes e pacatos.
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Bóio no grande tanque do tédio e da melancolia, onde ondas lentas-pesadas mergulham-me como se fossem de água.
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Não importa a mãe. Nem os amores. Não há amigos nem vícios nem saudade nem passado nem futuro nem dinheiro.
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Há um jardim fechado, desensolarado e sem sombras, de cores lambidas pelo céu cinzento morno, sem brisa nem ânimo. Nesse jardim há o tanque, o centro do mundo. Para lá, nada.
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Não importa a mãe e o frio é desconsiderado, abstractamente não existe. Fechado em mim, enrolando-me em espiral – se não tivesse espinha – regresso ao ventre morno da mãe.
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Da mãe, a melancolia dos olhos e os sorrisos suspensos. No tanque, é esse o desejo. Ir e talvez voltar.

domingo, novembro 30, 2014

Deus, as ideias, a física teórica e a arte na cabeça de quem toma sete cafés por dia

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Estou cheio de ideias. Tantas que é melhor ficar quieto e esperar que saiam por falta de espaço. Entre feridas e orgasmos tenho tempo para mandriar, faltam condições para escrever o sustento da prosa, poesia, pintura, gastronomia, outros folguedos.
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Há tanta arte na construção como na desconstrução ou na destruição. Vale a pena começar do princípio? Sim, se for com os escombros como alicerces.
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– Oh, pá! Faz como quiseres e não me chateies. Quero lá saber. Tu sabes de ti e eu de mim. Provavelmente estou errado, mas não quero saber nem pensar nisso.
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Ler é uma chatice e já li demasiado, esqueci-me de quase tudo, pelo que ler não serve para nada. Prefiro ir para a leitaria dos senhores simpáticos e esperar as marés, beber seis ou sete cafés, encornar o psiquiatra; sou maluco e não posso beber mais do que um.
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Não sei onde vivo o tempo. Outro dia vi um documentário sobre o universo, coisas da física teórica, em que se pode ultrapassar a velocidade da luz através duns tubos, em que as pontas parecem bocas de corneta.
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Fiquei na mesma. Pode ser verdade, além dos universos paralelos ou do viajar para trás, matar o avô, casar com a mãe e não ter nascido.
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Toda a gente sabe – se não sabe, devia saber – que a velocidade de Deus é!
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– Ah! Não acredito em Deus! Nunca o vi!
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– Claro, ele passa sempre tão depressa! Dâh!...
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– Ah, não! Deus está em toda a parte!
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– Ai, sim?! Então por que o buscas?
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– Deus é tudo! As árvores, as pedras, os animaizinhos fofinhos!
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– Olha, tomamos café para a semana e metemos a conversa em dia.
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Não sei nada acerca de Deus, a minha cabecinha é pequenininha – sim, atafulhada de diminutivos – para o perceber. Ainda assim, a sua velocidade é.
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A vantagem dos computadores é que, se tivesse escrito este texto em papel, estava todo gatafunhado. Se o deitasse fora, estaria perdido. Como o escrevi no computador, posso refaze-lo, apagá-lo e ir buscá-lo ao caixote do lixo informático.
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Se o computador se partir, encho-me de fé, para que tenha arranjo, já que Deus não faz milagres. Fez as regras do universo e já não é coisa pouca.

Desejos para a vida que vem

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Não próxima encarnação quero ser o Herberto Hélder e ter o mau feitio do António Lobo Antunes.
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Ou então:
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Na próxima encarnação quero ser a Florbela Espanca e ter a força da Natália Correia.
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Seja qual for a realidade da próxima vida, penso que continuarei a precisar de comprimidos.

Queixume das peúgas

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Há muitos, muitos anos, numa galáxia muito distante, o Natal e o aniversário, que acontece oito dias depois, era um tempo de felicidade, alegria, brincadeiras e surpresas. Algumas surpresas eram demasiado estúpidas para um miúdo.
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Havia sempre uma tia, a madrinha (em parte), um parente e uns amigos dos pais que ofertavam lenços de assoar, peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos. Umas alminhas mais práticas entregavam envelopes com dinheiro; podia ir para as despesas infantis ou para o mealheiro.
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Por que raio haviam de me dar coisas com as quais não se podia brincar nem ter qualquer tipo de gozo? As ofertas eram, de facto para mim, mas eram, absolutamente, para os meus pais. Era uma coisa tão entediante, quase vomitante, por não termos necessidades económicas, uma típica família de classe média.
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Não sei se figura na Lista dos Direitos da Criança, elaborada no seio da UNICEF, não receber outra coisa que não brinquedos, livros para a idade, discos ou filmes. Claro, que nas sociedades carenciadas a premissas são diferentes, ainda assim, os presentes chatos são para os pais, ainda que quem beneficie sejam os miúdos. Todavia, não podem, ou não deviam, deixar de merecer a cangalhada de festarola.
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Hoje, com quase quarenta e cinco anos, aproveito para comunicar que peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos são muito benvindos. É uma chatice andar às compras! Dispenso os lenços de assoar.
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O dinheiro é sempre uma boa prenda, que não irá para o mealheiro, mas para as horríveis entidades que se saciam com o vil metal: companhia da água, empresa de electricidade, o fornecedor do gás, a gasolina, o seguro do carro, a prestação da casa ao banco, o seguro da casa, médicos (a idade já obriga a variedade), dentista, tralha útil para a casa, comida para o cão, comida para as gatas, areia para as gatas, vacinas, desparasitantes, mata-pulgas, veterinário, o Fisco – nas suas muitas facetas e nomes, que são ainda mais do que os nomes do Diabo e que está em toda a parte a sugar –, e o kafkiano imposto da Segurança Social (SS), que é quase tão terrível quanto o foi a Schutzstaffel (SS) – afirmam ser uma comparticipação solidária entre gerações, mas tanto quanto sei a solidariedade é um acto voluntário e não obrigatório.
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Obviamente que não estou a queixar-me para me oferecerem no Natal e/ou no aniversário peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos… Não estou a pedir dinheiro… não, nada disso! Mas se quiserem, se fizerem mesmo muita questão, posso indicar o número de identificação bancária, para o caso de terem uns trocos que não precisem.
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Ah! E podem fazê-lo em qualquer dia do ano, incluindo os bissextos.
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Nota: Teimo no benvindo, porque bem-vindo não tem qualquer lógica.

sexta-feira, novembro 28, 2014

Deixei de mim

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Despedi-me e disse uma das palavras proibidas. Uma carta de despedida com tudo o que deve ter uma carta de despedida. Escrevi tristeza. Não neguei alegrias antigas. Escrevi mágoa. Não escrevi rancor. Sublinhei injustiça. Recusei vingança. Escrevi libertação. Reconheci as saudades. Escrevi suspiro de lágrima. Escrevi suspiro de desafogo. Molhei o papel com lágrimas de alegria e tristeza. Expliquei e disse o que devia dizer. Disse tudo. Não disse tudo como os malucos. Expliquei tudo, até onde se pode ir sem entrar na ofensa. Deixei abraço e votos de felicidades.
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Nota 1: Não é uma despedida duma relação amorosa, não é uma despedida do trabalho, não é uma carta de suicídio.
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Nota 2: Este poema de Sérgio Godinho está na minha arca de invejas.

A inutilidade da poesia

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– Para que serve a poesia?
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– Para nada!
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– Então, por que a escreves?
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– Para a tirar de mim.

Amnésia

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Enquanto dormes, nem sonhas que sonhas comigo.
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Se sabes, não mo disseste.
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Em sonhos estou-me contigo-te.
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Em nós. Encaixados frenéticos e suaves, lentos e intensos.
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No êxtase, a queda.
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Sobressaltamos, acordamos, regressamos para dormir.
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Amnésicos acordamos.
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Em nheengatu nos entendemos

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Hoje fiz um telefone. A telefonista deu-me os bons dias e prosseguiu dizendo qualquer coisa que tanto podia ser ucraniano, mandê, aparai ou basco…
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Português, é que não pareceu. Com as devidas desculpas, pedi-lhe que repetisse.
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Repetiu-me em macuxi, korku, gaélico escocês ou grego antigo…
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Nem sei… avancei dizendo ao que ia, respondeu-me e entendi, entendia-a.
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Era gaga, não cantava nem entoava.
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Com voz doce encantou.
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Quem queria não estava, apontou o recado e desejou-me um bom fim-de-semana…
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Em wororan.
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Nota: Se alguém souber que é o autor ou quais são os autores deste fado, agradeço que mo comunique, para que possa atribuir os créditos.
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Pétala a pétala

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Desnudada, sim. Sem te ter visto, vi-te tantas vezes no desejo, que te conheço a pele e os segredos do prazer.
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Pétala a pétala, farei contigo. Gomo a gomo, nos faremos. Do escuro à luz e da luz ao escuro.
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Saberás dos meus beijos que passam da carne à alma.
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Saberei dos teus.
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Pelas frestas da luz para a escuridão.
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Do vidro do escuro para a luminescência.
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Da nascente ao fogo-de-artifício.

quinta-feira, novembro 27, 2014

Engenheiro José Sousa Veloso – 1926 – 2014

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Há dias para ir e dias para voltar. Hoje partiu e num amanhã voltará, com outro nome, identidade e novas provas a realizar na vida.
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Num tempo em que, e bem, se deixam cair os títulos académicos dos discursos verbais e escritos, José Sousa Veloso será sempre o ENGENHEIRO SOUSA VELOSO.
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Na morte todos somos bestiais. Aos mortos nega-se-lhes as críticas. O Engenheiro Sousa Veloso não precisou de morrer para ser uma pessoa querida e por quem os portugueses nutriam simpatia e que, depois do fim do seu mítico programa na RTP, perdurou na memória de todos.
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Em quase 24 anos de jornalismo, muitos deles ligados à agricultura, nunca ouvi uma crítica ao Engenheiro Sousa Veloso. Antes pelo contrário, escutei bondades e reconhecimentos.
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Nasci em 1970. Na década de 70, a televisão era a preto e branco e o espaço para as crianças resumia-se a poucos minutos ao sábado de manhã e um pouco mais ao Domingo.
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Quem foi menino no meu tempo de menino lembra-se… o TV Rural ou era a maçada que se tinha de aturar antes dos desenhos animados ou era a chatice que interrompia a bonecada.
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Não me lembro se era antes ou depois do espaço infantil, mas sei que gostava muito de ver o TV Rural e o senhor que falava pelo nariz e se «despedia com amizade até ao próximo programa».
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O Engenheiro Sousa Veloso está agora com Vasco Granja, o seu vizinho de programação, pessoa também muito acarinhada por todos.
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Sou urbanita, sou lisboeta e gostava de ser alentejano ao mesmo tempo. A ruralidade não me passou ao lado, mas sou da cidade. Alentejano do Campo Grande. Esse sítio quase meu – o campo – acabou por me agarrar profissionalmente.
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Depois do TV Rural, julgo que só houve dois programas de agricultura na RTP e uma coisa apalhaçada na SIC e que passava, felizmente, a altas horas. O primeiro magazine foi a Terra e os Homens – se não erro – e era apresentado por Armando Sevinate Pinto e era eu quem fazia as reportagens. O outro foi o Da Terra Ao Mar, em que fui repórter, coordenador e pivô.
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O Terra e os Homens durou os sacramentais 13 programas. O Da Terra Ao Mar durou de (Agosto ou Setembro) de 2004 a (…) de 2009. O TV Rural foi emitido entre 6 de Dezembro de 1960 até 15 de Setembro de 1990, décadas de informação e pedagogia, de simpatia natural.
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No primeiro programa que apresentei – provavelmente não o viu ou soube – fiz-lhe uma respeitosa homenagem no fim do programa:
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– Despeço-me com amizade até ao próximo programa.
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Chegou a hora em que o Engenheiro Sousa Veloso se despediu com amizade desta vida.
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