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Há muitos, muitos anos, numa galáxia muito distante, o Natal e o
aniversário, que acontece oito dias depois, era um tempo de felicidade,
alegria, brincadeiras e surpresas. Algumas surpresas eram demasiado estúpidas
para um miúdo.
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Havia sempre uma tia, a madrinha (em parte), um parente e uns
amigos dos pais que ofertavam lenços de assoar, peúgas, meias, camisolas
interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos. Umas alminhas mais
práticas entregavam envelopes com dinheiro; podia ir para as despesas infantis
ou para o mealheiro.
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Por que raio haviam de me dar coisas com as quais não se podia
brincar nem ter qualquer tipo de gozo? As ofertas eram, de facto para mim, mas eram,
absolutamente, para os meus pais. Era uma coisa tão entediante, quase
vomitante, por não termos necessidades económicas, uma típica família de classe
média.
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Não sei se figura na Lista dos Direitos da Criança, elaborada no
seio da UNICEF, não receber outra coisa que não brinquedos, livros para a
idade, discos ou filmes. Claro, que nas sociedades carenciadas a premissas são
diferentes, ainda assim, os presentes chatos são para os pais, ainda que quem
beneficie sejam os miúdos. Todavia, não podem, ou não deviam, deixar de merecer
a cangalhada de festarola.
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Hoje, com quase quarenta e cinco anos, aproveito para comunicar
que peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e
abafos são muito benvindos. É uma chatice andar às compras! Dispenso os lenços
de assoar.
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O dinheiro é sempre uma boa prenda, que não irá para o mealheiro,
mas para as horríveis entidades que se saciam com o vil metal: companhia da
água, empresa de electricidade, o fornecedor do gás, a gasolina, o seguro do
carro, a prestação da casa ao banco, o seguro da casa, médicos (a idade já
obriga a variedade), dentista, tralha útil para a casa, comida para o cão,
comida para as gatas, areia para as gatas, vacinas, desparasitantes,
mata-pulgas, veterinário, o Fisco – nas suas muitas facetas e nomes, que são
ainda mais do que os nomes do Diabo e que está em toda a parte a sugar –, e o
kafkiano imposto da Segurança Social (SS), que é quase tão terrível quanto o
foi a Schutzstaffel (SS) – afirmam
ser uma comparticipação solidária entre gerações, mas tanto quanto sei a
solidariedade é um acto voluntário e não obrigatório.
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Obviamente que não estou a
queixar-me para me oferecerem no Natal e/ou no aniversário peúgas,
meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos… Não
estou a pedir dinheiro… não, nada disso! Mas se quiserem, se fizerem mesmo
muita questão, posso indicar o número de identificação bancária, para o caso de
terem uns trocos que não precisem.
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Ah! E podem fazê-lo em qualquer dia do ano, incluindo os
bissextos.
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Nota: Teimo no benvindo, porque bem-vindo não tem qualquer
lógica.
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