digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, novembro 30, 2014

Queixume das peúgas

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Há muitos, muitos anos, numa galáxia muito distante, o Natal e o aniversário, que acontece oito dias depois, era um tempo de felicidade, alegria, brincadeiras e surpresas. Algumas surpresas eram demasiado estúpidas para um miúdo.
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Havia sempre uma tia, a madrinha (em parte), um parente e uns amigos dos pais que ofertavam lenços de assoar, peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos. Umas alminhas mais práticas entregavam envelopes com dinheiro; podia ir para as despesas infantis ou para o mealheiro.
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Por que raio haviam de me dar coisas com as quais não se podia brincar nem ter qualquer tipo de gozo? As ofertas eram, de facto para mim, mas eram, absolutamente, para os meus pais. Era uma coisa tão entediante, quase vomitante, por não termos necessidades económicas, uma típica família de classe média.
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Não sei se figura na Lista dos Direitos da Criança, elaborada no seio da UNICEF, não receber outra coisa que não brinquedos, livros para a idade, discos ou filmes. Claro, que nas sociedades carenciadas a premissas são diferentes, ainda assim, os presentes chatos são para os pais, ainda que quem beneficie sejam os miúdos. Todavia, não podem, ou não deviam, deixar de merecer a cangalhada de festarola.
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Hoje, com quase quarenta e cinco anos, aproveito para comunicar que peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos são muito benvindos. É uma chatice andar às compras! Dispenso os lenços de assoar.
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O dinheiro é sempre uma boa prenda, que não irá para o mealheiro, mas para as horríveis entidades que se saciam com o vil metal: companhia da água, empresa de electricidade, o fornecedor do gás, a gasolina, o seguro do carro, a prestação da casa ao banco, o seguro da casa, médicos (a idade já obriga a variedade), dentista, tralha útil para a casa, comida para o cão, comida para as gatas, areia para as gatas, vacinas, desparasitantes, mata-pulgas, veterinário, o Fisco – nas suas muitas facetas e nomes, que são ainda mais do que os nomes do Diabo e que está em toda a parte a sugar –, e o kafkiano imposto da Segurança Social (SS), que é quase tão terrível quanto o foi a Schutzstaffel (SS) – afirmam ser uma comparticipação solidária entre gerações, mas tanto quanto sei a solidariedade é um acto voluntário e não obrigatório.
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Obviamente que não estou a queixar-me para me oferecerem no Natal e/ou no aniversário peúgas, meias, camisolas interiores, cuecas, luvas, cachecóis, barretes e abafos… Não estou a pedir dinheiro… não, nada disso! Mas se quiserem, se fizerem mesmo muita questão, posso indicar o número de identificação bancária, para o caso de terem uns trocos que não precisem.
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Ah! E podem fazê-lo em qualquer dia do ano, incluindo os bissextos.
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Nota: Teimo no benvindo, porque bem-vindo não tem qualquer lógica.

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