.
O negociante chinês sabe que crise se escreve com os
caracteres perigo e oportunidade. Da frieza às pessoas e das pessoas às obras,
as dificuldades são férteis para as ideias.
.
A Europa está esquecida das guerras. Quando digo «Europa»
refiro-me à gorda e pesada que egoisticamente se reclama de Europa. Que se
vejam os mapas e se perceba quanta Europa há na Europa que se diz Europa.
.
.
A antiga Jugoslávia esteve longe e a Ucrânia está longe.
Assim, a 10 de Abril de 1938 a Alemanha e a Áustria se fizeram uma, depois a
Europa fez-se em pedaços, refez-se e esqueceu-se.
.
A História não serve para nada. Finda a guerra da lama e do arame-farpado,
semearam-se ideias e ameaças, na dura República de Weimar, de castanhos e de
rubros, alimentados da fome e do desgoverno.
.
.
Entre 1919 e 1933, a Alemanha fervilhou cosmopolita e
arrojada enquanto castanhos e negros faziam peito e já desembainhavam navalhas,
cientes que os seus dias chegariam e com eles os rituais sacrificiais,
alimentados com cordeiros de ventre.
.
As cores brilhantes do génio nas terras de céu cinzento
seriam cinzentas sob abóbada de chumbo. Nos dias da liberdade de sabor a perigo,
na Alemanha de Weimar, o compositor Kurt Weill e o escritor Bertold Brecht fizeram
avisos e nasceram obras-primas.
.
Corro o risco de me chamarem comunista, de trotskista a
estalinista, mas os burgueses não percebem Kurt Weill nem Bertold Brecht. Veja-se
o cantor da Mafia a assassinar o espírito «Die Moritat von Mackie Messer». Não
percebeu e a plateia também não.
.
.
As palavras «génio» e «genial» valem uma moeda merda. Qualquer
um é génio e tem ideias geniais. Ora, aqui está um desses génios a merdificar uma obra-prima.
.
.
Felizmente, génios como David Bowie há às pazadas. Há tantos
que a dada altura tombam com o peso das teias de aranha e dos raticidas. Porém,
alguns destes génios fazem coisas certa – não se pode falhar sempre. Neste
caso, foi caçar galinhas no galinheiro. A Jim Morrison bastava-lhe acordar
ressacado, ver-se ao espelho e começar a cantar.
.
.
Ella Fitzgerald nasceu na Virgínia e de cabarés berlinenses
saberia pouco ou nada. É notável a interpretação. Tem a densidade e o negrum.
.
.
Há obras que deviam ser de tradução interdita. São
estes os casos. Não sei alemão e parece-me tão óbvio que noutra língua se perde
mais de metade. Oiçam-se em deutsche e em english por Ute Lempar, reinventando a luz de cabaré.
.
.
.
.
.
Nota: Por ser limitada a capacidade da caixa das etiquetas, as referências às obras seguem por aqui e por ordem de entrada em cena.
.
1 – «Crise» escrita em chinês.
.
2 – Colagem de Eduardo Arroyo.
.
3 – Trecho do fime «O anjo azul», de Josef von Sternberg, rodado em 1930 – «Der blaue Engel». Marlene Dietricht canta «Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe eingestellt», da autoria de Friedrich Hollaender (música) e Robert Liebmann (poema). Orquestração de Franz Waxman.
.
4 – Frank Sinatra canta «Mack the knife», título em inglés da canção «Die Moritat von Mackie Messer», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
.
5 – David Bowie canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
.
6 – Jim Morrison (The Doors) canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
.
7 – Ute Lemper canta «Die Moritat von Mackie Messer», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
.
8 – Ute Lemper canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
Sem comentários:
Enviar um comentário