digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, dezembro 03, 2014

Weimar

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O negociante chinês sabe que crise se escreve com os caracteres perigo e oportunidade. Da frieza às pessoas e das pessoas às obras, as dificuldades são férteis para as ideias.
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A Europa está esquecida das guerras. Quando digo «Europa» refiro-me à gorda e pesada que egoisticamente se reclama de Europa. Que se vejam os mapas e se perceba quanta Europa há na Europa que se diz Europa.
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A antiga Jugoslávia esteve longe e a Ucrânia está longe. Assim, a 10 de Abril de 1938 a Alemanha e a Áustria se fizeram uma, depois a Europa fez-se em pedaços, refez-se e esqueceu-se.
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A História não serve para nada. Finda a guerra da lama e do arame-farpado, semearam-se ideias e ameaças, na dura República de Weimar, de castanhos e de rubros, alimentados da fome e do desgoverno.
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Entre 1919 e 1933, a Alemanha fervilhou cosmopolita e arrojada enquanto castanhos e negros faziam peito e já desembainhavam navalhas, cientes que os seus dias chegariam e com eles os rituais sacrificiais, alimentados com cordeiros de ventre.
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As cores brilhantes do génio nas terras de céu cinzento seriam cinzentas sob abóbada de chumbo. Nos dias da liberdade de sabor a perigo, na Alemanha de Weimar, o compositor Kurt Weill e o escritor Bertold Brecht fizeram avisos e nasceram obras-primas.
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Corro o risco de me chamarem comunista, de trotskista a estalinista, mas os burgueses não percebem Kurt Weill nem Bertold Brecht. Veja-se o cantor da Mafia a assassinar o espírito «Die Moritat von Mackie Messer». Não percebeu e a plateia também não.
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As palavras «génio» e «genial» valem uma moeda merda. Qualquer um é génio e tem ideias geniais. Ora, aqui está um desses génios a merdificar uma obra-prima.
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Felizmente, génios como David Bowie há às pazadas. Há tantos que a dada altura tombam com o peso das teias de aranha e dos raticidas. Porém, alguns destes génios fazem coisas certa – não se pode falhar sempre. Neste caso, foi caçar galinhas no galinheiro. A Jim Morrison bastava-lhe acordar ressacado, ver-se ao espelho e começar a cantar.
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Ella Fitzgerald nasceu na Virgínia e de cabarés berlinenses saberia pouco ou nada. É notável a interpretação. Tem a densidade e o negrum.
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Há obras que deviam ser de tradução interdita. São estes os casos. Não sei alemão e parece-me tão óbvio que noutra língua se perde mais de metade. Oiçam-se em deutsche e em english por Ute Lempar, reinventando a luz de cabaré.
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Nota: Por ser limitada a capacidade da caixa das etiquetas, as referências às obras seguem por aqui e por ordem de entrada em cena.
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1 – «Crise» escrita em chinês.
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2 – Colagem de Eduardo Arroyo.
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3 – Trecho do fime «O anjo azul», de Josef von Sternberg, rodado em 1930 – «Der blaue Engel». Marlene Dietricht canta «Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe eingestellt», da autoria de Friedrich Hollaender (música) e Robert Liebmann (poema). Orquestração de Franz Waxman.
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4 – Frank Sinatra canta «Mack the knife», título em inglés da canção «Die Moritat von Mackie Messer», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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5 – David Bowie canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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6 – Jim Morrison (The Doors) canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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7 – Ute Lemper canta «Die Moritat von Mackie Messer», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).
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8 – Ute Lemper canta «Alabama song», de Kurt Weill (música) e Bertold Brecht (poema).

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