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Quando eu era pequenino não tinha raivas. Chorava nas vezes
de chorar e ria muito. Doce de olhos vagamente tristes. Não sabia e sentia que
precisava fugir, levando mãe e mimo.
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Quando eu era um pouco menos pequenino era gordo e não me
importava. Continuava sensível e de olhos vagamente tristes e sorria. Não sabia
e sentia que um dia partiria, certo do amor eterno da mãe.
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Mais crescido, chorava e desejava o que pedia desde miúdo,
sem conseguir associar o sentimento à fonte. Fugia sem perseguição, aprendi a
rir na tristeza. Indiferente, inconsciente, inconsequente semeei tristezas, com
garras e caninos de vampiro.
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Nesse tempo tinha muita raiva e não sabia. Escrevia as
raivas e li-as ou dava-as a ler. Escrevia aos amores, a mulheres abstractas, a mulheres
de revista e às ninfas adolescentes do dia-a-dia. Escrevia-as e dava-as a ler e
elas gostavam.
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Fogo eruptivo de sexualidade, infantil e tonto. Escondia a
raiva nas letras e nas linhas, sofria na injustiça das disciplinas
desnecessárias e sofria por tanta coisa. Tinha razão, mas força não. Ria e
tinha os olhos quase tristes, que por vezes choravam por nada.
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Quando era jovem adulto não mudei muito, mas tinha dinheiro,
o meu. Sentia-me grande por escrever num jornal. Era tão infantil, sorridente e
com olhos grandes vagamente tristes.
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Da arrogância, soberba e cinismo, recolhi indiferença,
castigo e traições. Acabei por acreditar em Deus, sem perceber o significado
nem ganho grande fé.
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Um dia uma montanha atropelou-me e fui arrastado. Começava a
cair. Caí de tudo e caí na doença, se não bastasse, caí ainda mais no negro. Viúvo
sem cadáver e a sorrir como os palhaços. Nos dias depois das muitas noites, caí
ainda tão mais fundo, mais do que o castanho-negro dos meus olhos quase
tristes. Tristes e cansados pela traição impossível.
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Caído de tudo, numa vala colhendo a terra de enterrar que atiravam.
Fiquei sem querer. Houve também água, mais difícil de conter nos meus olhos
tristes. Afogando-me, vim por vezes à tona. Sugado pelo vórtice, na violência
das coisas invisíveis, inalando água, engolindo água, escorregando na água, fenecendo
na água.
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Até a uma enseada de luz. O local de repouso dos falhados,
onde não há escadas nem fendas para trepar. Se me habituei? Não, não me
habituei e os dias lembram-mo todos os dias e o espelho reflecte a derrota nos
meus olhos tristes e que sorriem.
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Ainda assim, adio. Adiamento em adiamento. Sou uma casa
sinistra de escura, de longos corredores em que as portas se abrem para quartos
escuros e se fecham impossíveis. Nesses quartos escuros onde só entra escuro fica-se encolhido de medo e miséria nos cantos mais negros.
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Há os outros dias, alguns de fingimento. Embora as seis
alegrias. Tão doces e não apagam a dor da alma, nem devolvem a Primavera
perdida.
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Adio. Adio e adio e adio o adiós.
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