digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
quinta-feira, dezembro 28, 2006
O alto
Há sempre uma esperança no cimo de qualquer montanha. Por isso se fixam olhos nele. Do alto escorrem rios e ribeiras. No topo julga-se estar mais perto do céu. Há sempre uma esperança indefinível ao alcance do gesto.
Se olhar para cima pouco me importa. A vertigem só acontece ao olhar para baixo. Nunca ninguém invejou os lagartos, só se sonha com asas.
Se pudesse entregava-me em vida e largava-me, deixava-me ir, inteiro e todo para o alto. Seguia para o topo por um elevador invisível. A gravidade não deixa que faça a minha oferenda.
Sonho
Neve sagrada
Nevou em Jerusalém. Nevava em Auschwitz. A dor dos eleitos de Deus. A dor na sua carne. A dor pungente de quem finge esquecer a sua memória. A dor causada pelos eleitos de Deus.
Reza-se em voz baixa na língua que se quiser. Reza-se a quem se quiser. Rezar também dói, em Jerusalém.
Se nevou em Jerusalém deve ter nevado em Belém. A distância é a da dor, dor maior, entre a Natividade e o Sepulcro. Nevou em Jerusalém. Nevava em Auschwitz. A dor pungente de quem finge esquecer a sua memória. Não há povos eleitos.
Neve manchada de vermelho. Em Jerusalém, três palavras para Deus e um só sangue. Sangue humano. Não há povos eleitos, há um só homem. Ódio na terra do amor. Nevou.
Nota: Não foi a primeira vez que nevou em Jerusalém. Foi a primeira vez que nevou este Inverno. Terá nevado no Natal de Cristo?
O verbo querer
Queria-te tanto e perdi-te... nas voltas da cabeça, reviravoltas do coração e sentimentos do fígado.
Nas tuas mãos e nas minhas corria um ribeiro, filho de águas muitas e algumas lágrimas. Já tínhamos idade para saber pronunciar beijo e abraço e silenciar os momentos que são de quietude. Os lençóis que amarrotámos tiveram o nosso odor e foram felizes connosco. Inundámos leitos com o nosso ribeiro frágil.
Por que secam os ribeiros? Porque morre a paixão ou uma nova surge. Por que secam os ribeiros? Porque morre o amor ou um novo nasce. Os bípedes esquecem-se sempre do verbo querer, apesar do conjugarem constantemente... insistentemente...
O ribeiro desviou-se, secou! Não por amor! Não por paixão! Por querer! O que diz o corpo? O que dizem os olhos? Como diz a voz? O que diz a boca? Palavras descoladas da imagem.
O ribeiro nunca será rio, porque a natureza não quis que desaguasse no mar, num lago ou num estuário maior. Morreu seco e sem glória, a meio caminho numa campina. Por querer! Simples! Não é capricho, é vontade, e que mal tem isso? É lícito! É a vontade que comanda a vida.
Por que se há-de ter quem se ama e se quer? Que se queira apenas uma amizade para haja um sentimento infantil e impoluto, um passado apagado e sem mácula, sem pecado nem remorso, sem dor e sem esperanças. Os amores mortos são sempre os mais belos, porque não têm tempo para desiludir. Os amores novos, pequeninos e pretéritos são margaridas por desfolhar: «ama-me? não me ama?».
Rejeitar um amor por querer não é tontice, é poesia. É jogar ao ar uma nuvem multicores de flores. É uma Primavera de odores contraditórios, festivos e tristes. É brincar a vida, é ser uma criança muito linda. É sorriso e festa, é despreocupação. Não importa se magoa, só importa que é belo!
terça-feira, dezembro 26, 2006
Euforial sexual
Tenho o sangue a ferver de dor e despeito. A minha loucura pede corredores frios revestidos de azulejos brancos e com janelas translúcidas. A vida bela não me diz nada.Tenho uma violência e um calor que me apertam o pescoço, que me fazem desejar. Quero amar, quero festejar, quero possuir, quero matar, quero tudo quanto seja rubro e tenha o odor do sangue.Estou louco e na vaga lucidez que me resta peço que me levem para longe de mim e do que me faz feliz. O céu não me importa, só o sexo, a pólvora e o mando. Estou eufórico comigo. Sou a festa dentro de mim. Preciso de tudo e de ser o centro. Não oiço já as vozes dentro da cabeça, só me oiço a mim e digo-me sempre a mesma loucura irada e tesuda. Precido que me descansem.
segunda-feira, dezembro 25, 2006
Infelicidade
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Calafrios, bichinho-mau
Não recordo datas, não sei de números... deixo a cabala para quem ama coisas ou para quem não quer coisa nenhuma. Não sei do olhar nem da boca, nem quero saber se nos beijámos... lembro-me apenas. Foi numa noite vaga.
Uma vaga que sucedeu a outra que precedeu outras e antecedeu infinitas. Foi numa noite vaga. Não sei do olhar. Sei das palavras e dos corpos. Não sei se nos beijámos, mas fizemos amor.
Bichinho-mau, causas-me calafrios e saudades. Saboreio feliz a ausência e volto nostálgico ao escuro da praia onde fomos uma noite alguma coisa de definível. Causas-me calafrios.
quarta-feira, dezembro 20, 2006
Dias imperfeitos
Os dias imperfeitos, longas horas de ansiedade. Horas de luz de tédio e silêncio. Ausências e memórias vazias. Desencontro de palavras nos livros. Olhares desesperados dentro dos quartos. Olhares desesperados nas ruas. Insónia de medo. Indiferença à temperatura e à fome. Solidão. Dias imperfeitos. Dias sem noite. Dias sem sono. Dias de insónia.
Paternidade
Nota: Este texto é parte dum outro maior que aqui se encontrava e que foi retirado. Esse outro texto versava a temática do aborto e tomava uma posição clara. Contudo, ponderei e prefiri que o Infotocopiável permança excluído da polémica que a matéria contém.
terça-feira, dezembro 19, 2006
As horas
As horas diferentes. Temos as vidas em opostos e ninguém cai do seu hemisfério. Não vivo sem a minha luz. Onde guardas a penumbra? Para onde corres com a sombra? Não te fazes diferente de mim. Acendo com medo da outra vida, torpor de morte.
A noite é uma antevisão do sono. O sono uma premonição da morte. Medo do escuro. Deus está no alto. As estrelas alcançam-se com as mãos, mas não o céu. De noite, no céu temos um firmamento na Terra feito do medo.
Dá-me luz. Quero ver. Queres ver-me. Sinto frio se não vir. Tenho medo de adormecer. Tenho medo de estar. O céu é tão grande e tão perturbador sem a luz cá de baixo. Contra-luz. Nega-se Deus com uma lanterna. Fica invisível o céu. Só na luz se existe. Na escuridão morre-se e na morte não há nada.
Não há morte. A morte não existe. Mas na luz teme-se a escuridão. Na luz julga-se a morte como escuridão e vazio. Uma incerteza inquietante. Dá-me luz e viverei. Vive-se sempre... até na morte.
As horas diferentes da vida. O medo do escuro. Dá-me luz, quero viver. Quero negar Deus não vendo a imensidão da sua obra. Lá de cima vê-se o nosso céu, espelho do nosso medo. Dá-me luz.
Fios
Cada parte de mim liga-se a ti na pele e fica a promessa de se juntarem as duas carnes. Os dois esqueletos encaixam-se e até bailam e abraçam quando a vontade é de amor.
Não sei onde começo e acabas. A minha dor condiz com a tua e a tua alegria é minha. As almas felizes reconhecem-se na densidade. As duas almas conhecem-se de sempre, ainda antes dos corpos se verem e experimentarem. Cada parte de mim liga-se a ti por fios finos de amor.
Pré-Natal
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Teima
Cultivo a tua ausência, semeio a austeridade, rego a indiferença e ainda assim colho a tua sombra e oiço-te os passos. Esvoaças em redor da cabeça e faço-me desmaiar para ter sossego.
Esta vida tem um sentido absurdo. Não há vermelho na minha vida. Por que tem de insistir o amor em bater-me à porta?
Deitados ao relento
O princípio do som. A palavra sem eco. As ervas rasteiras amassadas pelos dois corpos em amor, cansados e prontos.
No fim dos dias, a esperança por morrer e sem anúncio de ida. O beijo, o abraço, a cama, a memória, a cumplicidade e o tempo.
Indolência e nostalgia, miradouros do futuro. Vento imprevisível, em roda de direcções cardeais, como os corpos deitados. As mãos abraçadas, prolongamento da relação. O amor por vir na relação acabada. No fim dos dias, o princípio das coisas.
sábado, dezembro 16, 2006
Caos e fealdade
sexta-feira, dezembro 15, 2006
Alemanha
Nota: Imagem de Frederico I, o Barbarossa - Imperador do Sacro Império Romano Germânico
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Brevidade
Enamorei-me mal te vi e despedi-me refeito no virar da página. Seduzes-me quando entras pela casa a dentro e esqueço-te quando entra outra... novo anúncio.Amo-te na brevidade dos dias e pela infinita beleza da juventude. Desconheço-te o nome e as fantasias. Entras e vais. Bastas-te. Enamoro-me sempre.
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Transe
Sou imparável. Dentro de mim há uma multidão. Sou feito de milhões de esferas de borracha elástica. Sou febril! Sou febril! Transe infinito. Loucura viajante. Uma vida sem regra nem passado. Não tenho regra nem memória. Só tenho ritmo e uma multidão de esferas de borracha elástica dentro de mim. Pulo, porque em mim tudo salta. Danço, porque a dança é inata. Transe. Não é questionável. Não é possível deter a dança. É uma dança infinita. Sou feito de ritmo.
Nota: DAF (Deutsch Amerikanische Freundschaft) - Der Mussolini. Não sei se alguém que viveu a década de 80 conseguiu passá-la sem se passar a dançar este imparável tema, que além do mais é uma paródia à geração sem direito à história.
Alegrias dos meus olhos
A beleza dos teus olhos trouxe-me tanta tristeza. A alegria dos nossos dias causou-me loucuras na cabeça.
A sedução é o momento mais bonito da vida... E pelas mulheres, não sou homem duma só mulher! A minha grande loucura!Canto a infelicidade da minha vida e continuo a fugir de quem me procura. Não procuro ninguém, já me basta a minha loucura.
Todas as belezas de todos os olhos e todos os sorrisos deram-me a loucura, a alegria dos dias e a nostalgia das noites.
Amor descascado
Sacrifício
O gesto ensaiado faz parte do meu trabalho. Faz parte da sedução. Eu diante das máquinas sou um maestro diante da orquestra.
Segredo palavras e frases longas aos ouvidos misteriosos das engrenagens. Só os iniciados podem saber o que pode questionar outro iniciado. Nenhum sábio questiona outro sábio. Nenhum erudito presencia a sessão doutro erudito. Segredo conhecimentos obscuros aos ouvidos da maquinaria e interpreto as respostas perante uma assembleia crédula.
A minha assistência acredita-me e louva-me, porque presencia os meus milagres com as máquinas. Sou um maestro. As rodas-dentadas obedecem-me. A electrónica ajoelha-se diante de mim. Não há zingarelho que ofereça resistência ao meu saber. Sou prodigioso.
O gesto ensaiado não faz parte. Passa a fazer quando entra a sedução.
terça-feira, dezembro 12, 2006
O banho das vestais
O meu gesto não conhece a luz, só a beleza a necessita. Vivo na obscuridade e desejo absolutamente o impossível. O harém é o paraíso vedado aos homens.
De mim partem beijos que nunca chegam e chegam beijos que nunca partem. A minha fantasia é de claro e escuro, uma revelação secreta, quase mística. Espreito a casa das flores verdadeiras. As noites de insónia visitam-me quando espreito.
sábado, dezembro 09, 2006
Amor assente
Um sopro feliz na vida é quanto se pede. Tempero de lararanja e azeitona para os dias, com a sede matada com água e vinho. Que haja pão!
O que se pede à vida?
Por mim basta-me um olhar e corro. Gosto de correr. Gosto do vento.
Tenho no olhar uma ligação e em meu redor esvoaçam rumores de margaridas e outras flores ainda em botão. Dizem-me que anda no ar.
Um sopro de vida na vida, e ala que as horas passam e já o mundo vai avançado.
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Amor de luz
O meu amor é quase a minha vida, na sua ausência estou cego. A depressão! Na sua ausência estou só.
No meu abraço só cabe uma pessoa. Amo uma só mulher. Não sou o seu espelho, sou rocha. Pedaço solto da rocha-mãe.
A criação do mundo foi uma onda. Água espalhada. O rebentar da terra. O céu em rubor. Não muito diferente de quando fazemos amor. Ela delicada e eu tão grande. Ela luz e eu todo opaco.
A síntese das coisas pequenas que espaço ocupa? O mundo todo ou quase insignificância. Um traço. A vida, uma brevidade. Amo o meu amor em absoluto. A síntese das coisas pequenas é uma intensidade.
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Fuga
Não tenho sombra. Sou só movimento. Estou feito de cinzentos e os meus lábios silenciam palavras que já disse doutras formas. Não acordo quando quero e suo com dias quentes ainda que a chuva bata grossa do lado de fora do vidro.
Não tenho olfacto. Sou só pedra. Frio e insensível ao odor das flores. Não distingo o lilás das violetas e piso-as sem querer. Se as tivesse nas mãos vê-las-ia e cuidaria como jóias da natureza. Neste meu frio consigo voar. Sou tão pesado. Tão frio. Sei voar.
Faço-me de água e sal. Não sou a chapa de ferro que corta o mar. Não sei navegar, sou só movimento, não pensamento. Não sou um navio fantasma, mas ainda onda fria. Sou corrosão e talvez nevoeiro.
Sonho sempre. Muitas vezes! Muitas vezes a cores. Muitas cores e também cinzento.
Amor imperfeito
quarta-feira, dezembro 06, 2006
Neste tempo
As minhas faces ruborizam-se quando entro no escritório, por calor e por vergonha. Pelo calor do exagero do medo do frio e pela vergonha da distância da natureza. Quando há frio, há frio e pronto: batem-se as mãos e festeja-se, aplaude-se. O calor arrepende, é a fonte da preguiça e da desilusão. O frio arrebita e o calor é a cama. Sim, apetece o calor no frio. Mas na vida fora dela, depois da casa, o que se pode fazer com calores? Também há vida depois da manhã e da infância! Não percebo como se pode viver de aquecedor ligado.
Sou do hemisfério Norte, duma ponta Atlântica, da mais ocidental terra Europa, não o sou por acidente. Gosto do frio como outros gostarão do quente e dos trópicos. Aqui nem há frio... e o frio é psicológico, um estado de alma. Nem me importava de viver num frigorífico desde que tivesse janelas e vistas.
Gosto do vento; de muito vento. Gosto de muito vento pelas costas, mais de a três quartos de frente e mais ainda de o enfrentar. Derrotar o frio é uma vitória gloriosa, uma alegria radiosa como o primeiro Sol depois da trovoada. Que mal tem a chuva? São belos os dias de cinzento-chumbo e o horizonte emparedado de chuva. É de felicidade o passeio na invernia. Não sou um navio fantasma, sou um habitante do Inverno.
Sem o frio não há os sabores do Inverno nem os pretextos para os intermináveis serões. O gotejar permanente e cheio das enchurradas são a música das conversas da família, sentada à mesa ou à volta do lume, entretida com o sabor do pão, do presunto, dos enchidos, do vinho e do café. O Inverno realça o calor do sangue e faz magia com os enfeites das chamas nas lareiras.
Se Deus quiser este ano volta a nevar em Lisboa... que pena não acontecer mais vezes. Um dia destes vou convidar uns amigos e fazer glühwein... para recriar alguns encantos da Europa germânica no macio Inverno mediterrânico. É bom celebrar a amizade e o frio é um convite ao abraço.
segunda-feira, dezembro 04, 2006
O quatro
O aborrecimento do quadrado é a imposição do correcto, a ditadura da esquadria. Quando se coloca um quadrado descentrado a outro quadrado projecta-se um triângulo, o princípio da desigualdade e da irritação.
Apaixonei-me pelo quadrado pelo acerto do quatro. Gosto do quatro por ser um número justo, superior à conta perfeita de Deus. Quatro é um número irmão, onde cada lado enfrenta nos olhos o outro e dá os ombros a outros dois, que abraça de igual forma.
Desapaixonei-me do quadrado quando percebi que os seus ângulos são de noventa graus, em tudo diferentes do quatro. Não há divisão perfeita do noventa, mas um número manco, sinistro e indistinto.
O quadrado continua perfeito, mas já não me iludo. Hoje tanto me faz e talvez prefira mesmo os triângulos por serem menos difíceis, mais humanos, assumidamente individuais e com os lados na conta que Deus fez.