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Bugatti Royale.
digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
quinta-feira, abril 30, 2015
quarta-feira, abril 29, 2015
Por que sou do Belenenses? Porque escolhi!
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Há perguntas irritantes e persistências idiotas. Compreendo
e não respondo torto, porque a realidade portuguesa convida a esses
raciocínios. Volta e meia perguntam-me qual é o meu clube.
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– Sou do Clube de Futebol «Os Belenenses».
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– Sim, mas de que clube?
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– Do Clube de Futebol «Os Belenenses», já disse.
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– Quem é que queres que ganhe o campeonato, o Sport Lisboa e
Benfica, o Sporting Clube de Portugal ou o Futebol Clube do Porto?
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– O Clube de Futebol «Os Belenenses».
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– Não tens um segundo clube? Não acredito!
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– Tenho, pois.
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– Ah! Vês?! E qual é?
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– O Clube Oriental de Lisboa.
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Obviamente que não tenho uma segunda equipa. Nem o Oriental
merece ser a segunda equipa de ninguém. É o clube de quem o ama acima de
qualquer preferência alternativa. É o que fica mais perto de minha casa e isso
dá-me algum conforto.
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A pergunta é recorrente, porque neste país, de batotas com
décadas, está convencionado que só três clubes podem ganhar campeonatos. E já
agora, uma das conquistas do 25 de Abril de 1974 foi o Futebol Clube do Porto
começar a vencer competições.
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Embora Américo Thomaz, derradeiro presidente da República do
Estado Novo, ser adepto do Clube de Futebol «Os Belenenses», tendo sido seu
presidente, em nada a instituição foi privilegiado. Não nego que o Sport Lisboa
e Benfica e o Sporting Clube de Portugal têm, tiveram sempre, mais adeptos. Os
clubes não eram do regime, o poder político é que apanhava a boleia para ter
créditos populares. Ajudas que nunca foram recusadas, cumplicidades.
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Quem espreitar a história verá que, nos primeiros anos das
competições, havia mais equipas a ganhar. O Marítimo, por exemplo, foi um caso
de claro castigo, penalizado por causa da insularidade.
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Claro que sendo do Clube de Futebol «Os Belenenses» quero
que a minha equipa vença todos os jogos e ganhe todas as provas e todos os
anos.
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Quero e não quero. Só não quero porque – perdoar-me-ão os companheiros
azuis – faltam contendores. O futebol é Portugal costuma ser um secador
exactamente porque o resultado está «viciado» à partida. Que bom seria ter
seis, sete, oito, nove, doze, quinze equipas que, alternando-se, pudessem
ganhar.
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Não quero falar das batotas, dos prolongamentos, dos
fora-de-jogo, dos penáltis, que são evidentes e batidos. A maior trapaça é a dos
empréstimos, que um modo antidesportivo. Se ainda ocorressem entre clubes de
diferentes campeonatos… Os atletas são cedidos, mas não jogam contra o «seu»
clube.
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As equipas B são outra batota. Os três suspeitos do costume insistem
que a Primeira Liga ganharia se tivesse menos clubes. É mentira! Eles
ganhariam, com poupanças em deslocações e sem as maçadas de mais jogos, que podem,
eventualmente, comprometer as carreiras europeias.
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No entanto, têm equipas na Liga de Honra, onde despejam
reservas, dão rodagem e abastecem a equipa principal. É batota! São dois
campeonatos e uma equipa, pois a outra é virtual. Além de que não os
incomodaria ter trezentas equipas na segunda liga, aí já não há racionalidade
financeira.
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O Clube de Futebol «Os Belenenses» nasceu em 1919. À data, a
minha família vivia em Belém, nela respirava-se e transpirava-se e suava-se de
emoção pelos azuis. O meu tio António e o meu pai foram sócios à nascença, em
1921 e 1924.
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Por fartos das batotas – que são antigas, como o roubo das
Salésias, uma ajudinha aos clubes do regime – aborreceram-se do futebol, mas
nunca deixaram de ser Clube de Futebol «Os Belenenses». Sofriam menos e
distraiam-se da porcaria à tona das competições.
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Um dia – não há tantos anos assim – os filhos do meu tio
António organizaram um almoço em Belém. Um dia de Sol que exigiu esplanada.
Sentado de frente para um prédio, um dos octogenários levantou o olhar e
reparou na placa da antiga sede do Clube de Futebol «Os Belenenses». Deu uma cotovelada
ao irmão e ficaram os dois em silêncio com os olhos molhados.
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Vim ao mundo em 1970. Chegado à escola primária, lembro-me,
como se fosse hoje, de ser rodeado pelos colegas:
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– És do Benfica ou do Sporting?
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– Sou do Belenenses.
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– És do quê? Do BENFIIIIICAAA ou do Sporting?
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Percebi que tinha de ser do Sport Lisboa e Benfica. Na
década de setenta os encarnados ganhavam quase sempre. Neste país de
piranguices e arranjinhos, o natural é os miúdos, fascinados com as vitórias,
se deslumbrarem com os vencedores – daí a razão de haver tantos jovens portistas
em Lisboa, o que não me faz sentido.
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Criança, ingénuo, um bocado desalinhado, frágil e com outras
intimidades que me abstenho de contar, tornei-me num benfiquista pouco
interessado. A equipa da turna vestia-se à Sport Lisboa e Benfica e lá tive de
comprar o equipamento completo, com emblema, número e chuteiras. Aselha, não pude
escolher. Como ninguém queria, só sobrava o Bastos Lopes, defesa direito,
eficaz e discreto, incontestado número dois.
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Esforçava-me para ser do Sport Lisboa e Benfica. Toda a
família do lado do meu pai era e é do Clube de Futebol «Os Belenenses». Do lado
materno, são do Sporting Clube de Portugal. A minha mãe adoptou os azuis.
Manuel Jorge respeitou a «minha escolha» e, com sentido democrático e de
cavalheiro, disse-me:
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– Vais ver o Museu do Sport Lisboa e Benfica e o Estádio da
Luz, mas vais também aos do Sporting Clube de Portugal, do Clube de Futebol «Os
Belenenses», do Atlético Clube de Portugal e do Clube Oriental de Lisboa.
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Na verdade, verdadinha, não era do Sport Lisboa e Benfica,
era do Nené. Adorava ver aquele cavalheiro – e o melhor jogador que vi – que não
se sujava. No final da carreira ficava no banco. Com a equipa em padecimentos,
sem vencer e a precisava, entrava em campo, já a segunda parte ia adiantada. O
relato omitia-o, como se lá não estivesse. Quando o jornalista dizia o seu nome
era sinónimo de golo.
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Sim, ouvia os relatos do Sport Lisboa e Benfica, mas era do
Nené.
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As palavras «tudo», «nada», «sempre», «nunca», «todos» ou
«nenhuns» são perigosas, batem-nos sempre à porta desmentindo-nos. Recuso
aquela «verdade» de que uma pessoa pode mudar de casa, mudar de cidade, mudar
de mulher, mudar de amigos, mas não muda nem de família nem de clube.
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Abomino esse primado. Prefiro a parábola do filho pródigo, o
tresmalhado que regressa à casa de Deus – com as devidas ressalvas.
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Sou do Clube de Futebol «Os Belenenses» não porque «nasci Clube
de Futebol “Os Belenenses”» ou porque me obrigaram ou determinaram ou
influenciaram de modo, mais ou menos, autoritário. Sou do Clube de Futebol «Os
Belenenses», porque o amo, porque o escolhi, como se encontra um amigo.
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Contudo, falta a explicação de por que me tornei Clube de
Futebol «Os Belenenses». Hoje sei que sempre o fui, ainda que tenha vibrado com
o Sport Lisboa e Benfica… com o Nené.
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Na época de 1981/82 o Clube de Futebol «Os Belenenses»»
desceu, pela primeira vez, de divisão. A tristeza foi tão grande, tão grande,
tão grande, tão maior do que qualquer alegria que alguma vez me dera o Sport
Lisboa e Benfica – e eu apanhei anos áureos dos encarnados – que percebi que era
(sou) do Clube de Futebol «Os Belenenses».
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No ano anterior, o Sport Lisboa e Benfica tinha vencido o
campeonato e naquele fora o Sporting Clube de Portugal e no seguinte o Sport
Lisboa e Benfica. Nada a fazer! Clube de Futebol «Os Belenenses». Obviamente Clube
de Futebol «Os Belenenses».
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Acerca desta minha opção adapto uma anedota:
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– Casaste por amor ou por interesse?
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– Casei por amor! [porque interesse não tem nenhum].
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O resto da anedota não faz parte da explicação, a segunda
parte. Não tanto por de mau-gosto, mas porque quando me assumi azul já a equipa
estava na sua fase complicada, sem o tal «interesse».
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Olhando para o passado, desculpo-me pela pressão que me
obrigou «a ser» doutro clube e pelo prazer de ver jogar o Nené. Que pena tenho
que esse craque nunca tenha vestido a camisola azul.
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Há uma «coisa» que me infecta o bom-humor, que é a do «quarto
grande». Há uma hierarquia? Como se estabelece? Pelos ganhos ou pelo amor que
ultrapassa o sofrimento? Pela resistência? Persistência? Pelo inexplicável?
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– O Clube de Futebol
«Os Belenenses» é o quarto grande?
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– Não há quatro grandes! Essa ideia agonia-me.
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– Porquê?
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– Porque traduz a viciação e o desgosto futebolístico em
Portugal.
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Há centenas ou milhares de clubes em Portugal e todos
merecem o mesmo respeito. Reportando-me apenas aos que jogaram nas principais
competições, o que é ser-se grande? Ter muitos adeptos? Ter muitas taças? Ter
um grande passado? Ter um grande presente? Ter muitas esperanças? Jogar sempre
para ganhar? Ter privilégios das estruturas organizativas?... secretarias,
ajustes, ajudinhas, batotinhas, batotas e batatinhas.
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Como os miúdos no primeiro dia de aulas:
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– Qual é o maior clube de Portugal?
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– É o Clube de Futebol «Os Belenenses»!
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Não é o quarto grande, nem o terceiro, nem o segundo nem o
primeiro nem o quinto nem o vigésimo. É um grande por tudo o que é, por todos
os que foram e pelos que são. Como grandes são as equipas que merecem um apoio
que não se partilha com qualquer outro, cujos adeptos têm uma só preferência e
querem lá saber da vitória doutras equipas.
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Nota: Infelizmente para o futebol em Portugal, só há cinco equipas que ganharam o campeonato da Primeira Divisão e há apenas
nove equipas que jogaram mais de metade dos oitenta campeonatos (o actual é o
octogésimo primeiro) da primeira divisão:
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– Sport Lisboa e Benfica: 80.
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– Futebol Clube do Porto: 80.
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– Sporting Clube de Portugal: 80
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– Clube de Futebol «Os Belenenses»: 73.
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– Vitória Sport Clube: 69.
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– Vitória Futebol Clube: 66.
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– Associação Académica de Coimbra: 62.
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– Sporting Clube de Braga: 58.
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– Boavista Futebol Clube: 51.
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Seria tão mais interessante se fosse como em Inglaterra!
terça-feira, abril 28, 2015
Paquetes portugueses
O fim dum mundo e o começo de outro. Os navios foram com o
império e a alegria das novas nações viaja de avião. À parte, a estética das
últimas naus.
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Santa Maria – Companhia Colonial de Navegação – irmão do
Vera Cruz.
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Vera Cruz – Companhia Colonial de Navegação – irmão do Santa
Maria.
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Angola – Companhia Nacional de Navegação – irmão do
Moçambique.
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Moçambique – Companhia Nacional de Navegação – irmão do
Angola.
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Uíge – Companhia Colonial de Navegação.
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Niassa– Companhia Nacional de Navegação.
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Infante Dom Henrique – Companhia Colonial de Navegação – a
última glória.
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Príncipe
Perfeito – Companhia Nacional de Navegação – a última glória.
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Funchal
– Companhia Insulana – o sobrevivente, com mais donos do que os homens duma
cortesã.
O caderno do infotocopiável
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Faltam palavras nos dicionários e há poucas nos textos,
sobretudo nos que têm muitas – quase todos. Escreve-se e escreve-se e
escreve-se e escreve-se e escreve-se e escreve-se. Em tanta escritura alguma
coisa. Tanta para desistir.
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Uma selva de palavracídios e frasicídios e portuguecídios e
pavões e alguns idiotas e alguns pavões idiotas. Adaga nas costas ou naifa na
garganta ou tiro entre os olhos. Quem matou? Foi o pai. Foi a mãe. Foi o irmão.
Quem escreveu.
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Sob o pedestal, grito como se fosse a estátua e alguém ouvisse,
numa multidão de mudos numa biblioteca de cegos numa academia de medíocres. Tantas
coisas sem pensamento, depois de horas, dias, semanas, meses e anos de.
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Estou farto das vírgulas e dos pontos de exclamação. Tento escrever
o que penso e como penso, por isso..
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Nota: Esta imagem foi a primeira aparição no defunto blogue o-caderno-do-infotocopiável.
E a Terra move-se
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Disse-me:
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– O João pensa demasiado.
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– Como penso demasiado?
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– Tem de se dar descanso, desligar-se.
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– Como se faz?
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– Tem de se impor regras e limites.
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– O meu trabalho é escrever, às vezes desenhar e cozinhar.
Como posso desligar-me? Estou sempre a pensar, porque estou a criar… emendar,
retocar, refazer, lembrar, experimentar, desistir, arrepender-me, recomeçar,
reduzir, reutilizar, reciclar.
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– O João tem de conseguir. Tem de se dar descanso…
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Fiquei surdo e os olhos apenas vidros.
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A faca da cozinha corta a melancolia e o tédio. Cabidela,
desenho sanguíneo e poema de palavras esvaindo-se ao ponto final.
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– Está a ouvir-me, João?
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– Sim, sim… estava só a pensar. A pensar no que me
diz. Faz-me sentido. A ver se consigo.
Não acordar o desejo despertado nem o deixar sossegado
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Ah, não! Uma festa ao entardecer num pomar surdo… vinho e
fruta e riso e nudez, se lá estiveres. Se não fores a única, é só a ti. E
depois de cumprir o sonho, que festas inventaríamos para que o sumo nos unisse
as bocas e os todos?! Ah, não! Até só ver-te nua. Meu Deus, que nunca acorde do
despertado.
O poeta milionário
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Quero ser poeta. Não ambiciono ser Luís nem Fernando nem Florbela nem nem Sophia nem Herberto. Quero ser Rockefeller.
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Quero escrever livros de cheques. Poemar com letras de câmbio, fazer rimas com números e saber de métrica para que as obras sejam contadas.
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As algibeiras são rotas e vida é amarga, cansa e enfastia.
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De espírito também.
Por vezes as palavras
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Tantas vezes caímos ou nos deitamos ou na intimidade
apertados. Seios de cor e a escuridão não engana o conhecimento da cor.
Como na vida real
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À noite, o vazio da rua oculta os olhos e a nudez. Ter medo
do escuro e não temer a morte. Entre a solidão e o tédio, a solidão e o tédio. A
luz dos candeeiros é a única cor na melancolia. Se houver vento melhor. Um
abraço à chegada. No frio, o desejo do agasalho, o vinho depois da chuva e amor
no fim de tudo. Ou um abraço de partida. À noite para tudo, há noite.
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Nota: Quem souber da autoria desta fotografia, por favor informe-me, de modo a poder atribuir os créditos.
segunda-feira, abril 27, 2015
Que nos valha São Francisco de Sales
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Há uma pessoa que quando a conheci, algures no ano de 2007, abriu
a boca para falar e ainda não se calou. A paz mundial, o elixir da eterna
juventude, a rosa-azul, a tulipa-negra, o Santo Graal, o monstro do Loch Ness,
o sasquash, o yeti e o silêncio deste amigo são as maiores demandas da
humanidade.
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Que São Francisco de Sales, padroeiro dos surdos-mudos, e João Carlos I de Espanha me valham nesta agrura…
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Nota: Dedicado ao meu grande amigo Carlos Fagulha.
domingo, abril 26, 2015
Uma gata infotocopiável.
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Esses olhinhos doces olham
directamente para o coração. O miado frágil aperta a alma. Inesperada, o corpo
do abraço. Delicada e solitária, não és menos leoa no meu afecto. A Paraquedas aqui caiu de paraquedas e em mim é sempre. Doce, doce. Dez anos duma gata divertida e meiga.
sábado, abril 25, 2015
Carta ao Amigo Lado B
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Julgam-no desfasado das horas e isso chateia-me. Então
escrevi ao amigo:
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– Toma lá um abraço , Capitão Hadoque. És uma pessoa
especial. Se te acham difícil e complicado é porque não entendem que ser-se
diferente não é ter-se defeito… e não, tampouco és diferente, mas melhor.
Gostas de estar do avesso.
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Democrata? Nem tenho dúvida! Romântico! Anacrónico?! Não,
apenas do avesso.
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Sei que gostas do 25 de Abril e que jamais o dirás. Pelo que
em ti vi e o que vi de ti, és muito mais democrata do que gajos de cravo na
lapela e, sobretudo, do que os donos da democracia.
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Contraditório, como todos. Pareces mais, porque és do
avesso. O sentido de justiça e de formação humana… Sei! Porque te conheço,
amigo improvável. Talvez amigos porque nos entendemos nos avessos.
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Não precisas da Ordem da Torre e Espada nem de divisas, tens
nos olhos o brilho dos justos.
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Meu Capitão Hadoque, umas vezes criança e outras patife… dás
o peito por quem sentes um coração.
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És um grande amigo. Mereces do 25 de Abril, sabes que sim.
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Continência, meu general.
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Um abraço do teu paisano.
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Nota 1: Ao meu grande amigo Carlos Fagulha.
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Nota 2: É fácil andar alinhado, mais difícil é ser-se do contra.
Mas verdadeiramente complicado é ser-se do avesso.
Sagres I – o navio do Manuel Jorge
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Quando apagou o cigarro pela última vez foi pela última vez.
Quando esvaziou o copo pela última vez foi pela última vez.
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Quando quis que fosse a última vez teve de esperar.
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Depois foi sossegado e tranquilo, em mar-chão.
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Nota: O meu pai navegou no Sagres I, actualmente Ricker-Rickmers, e muito boas recordações dele guardou.
sexta-feira, abril 24, 2015
O crocodilo gay
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As amigas dos gays são namoradas dos gays e são lindas. Difíceis,
bem guardadas e bem-amadas, tão femininas, iluminadas por Vénus, resistindo com
as forças de Marte e Saturno. Porquê? Não sei. Fiz-me gay, crocodilo
de boca aberta, como tronco oco vagueando numa água quase quieta. Chegando
inofensivo e deixando-as passarinhar. Tão gay que as beijei e as fiz Europa.
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Baioneta
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Se não fosse necessária a morte seria qualquer coisa muito
estúpida.
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De amor e o corpo ficando, qualquer desgosto. A mim não vêem
o que vêem.
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Devagarinho mas só abruptamente.
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Porque não se quer, salto, estoiro, remédio e. E
estupidamente também, de velhice, doença, homicídio e desastre, não importa.
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Assim, porque sim e ouve-se duma vida além daqui e aqui não
ouvem nada. Acredita-se e desmente-se e quer-se acreditar e não se sabe. A
dúvida é uma mão mexendo em toda a parte dentro.
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Morre-se do nascimento à morte, as células renovam-se e os
ossos são outros a cada sete anos. O corpo tem uma idade que não a sua, até a
matemática se cumprir.
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Pela janela entra aragem e sai-se. A bala segue a vontade. O
remédio de curar serve para curar. E de tudo pode e. Naturalmente não importa e
naturalmente não importa.
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A colher tira de dentro e alimenta à boca. É coração é mente
é inteligência é fígado é indecisão é um reboliço lento e imparável. Choca e
pára, choca e desfaz-se, choca e ergue-se, choca e prossegue. Tanto faz,
naturalmente não importa e naturalmente não importa.
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Nem céu azul nem luz clara. Abóbada sem estrelas, um caixão
entreaberto de boca voltada para o canto num quarto negro sem luz. Silêncio e qualquer
coisa de indeciso.
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Quendera desmaiar, acordar não sabendo onde e ir
descarregado até.
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Quendera o febrão lentíssimo se arrefecesse. Que com certeza
fosse concerteza e por que fosse porque.
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Os outros não importam para que se importem. Chama-se
certeza à dúvida para se anteciparem lágrimas. Esqueceram-se, que se lembrem e
se esqueçam – hipocrisia.
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Chorei em vão. Depois.
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Os outros não importam, os outros não se importam. Quando calo
não ouvem, dizendo não ligam, um pranto é histeria, na chuva ensopa-se a
paciência, o grito fecha a porta, e um alerta é carência de atenção e chantagem
e desvalor.
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Depois e qualquer coisa e não se importam, não dizem nem
abraçam nem ouvem, não atendem o telefone nem ligam, não escrevem carta ou respondem
por mensagem, não vão à porta.
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A mão dentro remexe de pena, remorso e vontade de castigo e
vingança. Querendo acreditarm milagre matraquilho-me para convencer-me que se
importam. Martelo-me ao desmaio desiludido, só medra a sementeira da ilusão de
me bem-quererem.
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Quase todo o tempo iludo-me, finjindo não reparar na
negligência. Para que os tenha silencio o silêncio. No vácuo não se ouve, fora
dele também não.
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Quendera morrer por aí num tanto faz em qualquer lado
sozinho deixando o corpo a quem quisesse tocar.
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Quendera quisessem saber em vez de não fazerem, de dizerem
não saber que não sabem o que fazer e por isso nada fazerem nem ouvirem nem dizerem
nem atenderem o telefone nem telefonarem nem mandarem escritos nem convidarem nem
abrirem a porta nem espreitarem pelo ralo.
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Às dores da desilusão e do medo e de pronunciar carência e vergonha
por se ter dor. Depois ainda.
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Emparedar-me ou sumir. Um papel como derradeiro pedido de
auxílio, nulo porque igual aos inescutados.
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Quando as portas não se abrem para se entrar, as janelas servem
para sair dos inconseguimentos.
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Leve, levitando em lentidão, que o tempo dentro é desarrumação
em movimento perpétuo.
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Que se importassem, dissessem e ouvissem e ouvissem e abraçassem
e ouvissem e atendessem e falassem e recebessem e lessem e respondessem e
ouvissem a campainha e abrissem e não fechassem a porta antes de a abrirem.
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Não tenho nenhuma palavra para escrever com as letras de
amigo, talvez dessa certeza não me queiram ter na dor, varrido para baixo do
tapete.
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Esquecimento e até traição, hipocrisia. Cheios pariram-me e
deixado enjeitado, como não soubessem quem sou e sabendo que sei quem são.
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Silencio o silêncio para acreditar que se importam.
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Gostava de ter a cobardia de ter coragem, a dor ainda não
chegou ao destino.
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Não deixaria nada por dizer – tenho uma carta com todas as verdades,
da negligência, da hipocrisia e das traições.
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Pairando exangue sonho acordado que queiram saber e
finalmente.
quinta-feira, abril 23, 2015
Sal fino, não refinado, este sal grosso
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A boca que por amor se suja e com amor se limpa é. Princípio
e fim de prazeres, sem roubar nem substituir.
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Escrevi um poema para a Joana e gostou e escrevi outros. Não
me lembro de desejo nem de vácuo. Escrevia-lhe diante na claridade, eu feito branco,
revelado e nunca só.
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Palavras para escrever à Joana e dizer-lhe:
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– Ainda és tu.
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Trinta anos, como sal grosso, não iluminam o que entreguei e
a retribuição. Qualquer coisa.
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Não fazia género ou soltava risadinhas de nervoso miudinho
fingido, aflita corando e dando a entender que soltara umas pinguitas.
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Poemas adolescentes, com sal em excesso e sem pimenta.
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Gostávamos de ser poeta e musa, e mais lhe escrevia.
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Nota: À musa Joana Villaverde, do olhar miúdo e sensível, tão cheia de força.
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Nota: À musa Joana Villaverde, do olhar miúdo e sensível, tão cheia de força.
sábado, abril 18, 2015
A minha cabeça doente, a minha cabeça rebenta
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Nem mas nem meio mas. Como se parte um a ao meio? Desequilibra-se
e cai ao chão? Como se escreveria mas com o a deitado? Nem mas nem meio mas.
Branco
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Calei-me desistente pela irreacção do silêncio. Desconhecendo
se ouviam ou cuidavam dos gritos, sentei-me no chão e protegi a cabeça entre as
pernas e sob os braços. Um embaciamento interno, a fragilidade da frustração e
sem lágrimas, as palavras arremessadas sem eco estavam em ricochetes dentro e
fora dos órgãos que sentem, peganhentas e leves, batendo com força.
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Para trás, deitei-te. Deitado mostrando submissão pela
derrota. Escondi os olhos do azul e da luz macia da manhã. Não tinha sombra nem
nada. Não havia nuvens, não tive frio.
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Podem ter sido cinco minutos ou cinco horas o tempo desviado.
Queria dormir, o ruído ecoando dentro.
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Saí vazio. Ao menos tivesse ficado afónico.
quinta-feira, abril 16, 2015
A verdade nunca será publicidade
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Esta coisa de ter dentes tem uma grande vantagem: não ter de
engolir pedras para moer os alimentos. A desvantagem é que precisam de
manutenção e, tal como os automóveis, chega-se a uma fase em que há contínuos
problemas. Só que os carros trocamos e uma boca nova não é bem…
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Ou seja, cheguei aos quarenta e quatro anos e comecei a
sangrar das gengivas.
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– Doutor, doutor…
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Agora, com quarenta e cinco, não voltei aos vinte anos,
apesar de ninguém me dar mais do que treze… em termos de maturidade.
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Guloso – do açúcar ao sal – e geneticamente defeituoso,
conheço as cadeiras dos dentistas ainda antes de ter seis anos.
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Já sei que alguém começou a pensar e talvez a murmurar:
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– Não lavas os dentes e depois queixas-te.
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Mas lavo. Sempre lavei e sempre tive o cuidado de comprar a
pasta dentífrica mais bonita, azul – desde que deixaram de ser todas brancas.
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Devido a tantas cáries, penso que facilmente convenço um
amanuense a deixar-me mudar de nome para Macário.
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A boca – durante anos apresentou-se branca como o chão de
ladrilhos num anúncio de detergente doméstico – tornou-se mais escura , mas à custa
de brocas e outros instrumentos muito mais feliz.
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No entanto, as cáries não foram a minha única desalegria. Os
sisos pesam-me em pesadelos regulares. Seria demorado e chato explicar, só digo
que por causa deles chumbei num exame de condução.
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O meu dentista – durante quase trinta anos – era já batido e
disse-me:
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– Nunca vi sisos tão grandes… parecem dentes de burro!
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Volta e meia, passados anos, ainda nos ríamos, eu um bocado amarelamente – amareladamente. Garanto que é uma pessoa muito simpática e bem-educada.
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Chegando aos trinta e muitos, comecei a kitar a boca. Como –
descobri há pouco tempo o termo do fenómeno – sofro de bruxismo, os acessórios
nunca duraram muito.
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Resultado: ando a kitar novamente a boquinha – bem bonita –
e vá de me meter numa empreitada semelhante à recuperação de edifícios
históricos à beira de ruírem.
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Blá, blá, blá, bruxismo, sangramento das gengivas, tártaro –
Céus, nunca tivera e lembra-me sarro de retrete – arranca tártaro, polimento,
prótese, venha cá dentro de oito dias, trata, remenda, cose, tira pontos e acho
que é basicamente isto. Só falta uma coisa:
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– Lavar os dentes!
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Sim, lavar os dentes. Nos anos setenta e oitenta, quando as
crianças brincavam na rua, rasgavam a roupa e estoiravam os ténis a jogar à
bola, andavam à pancada e eram os melhores amigos e ai-de-quem-tocasse-no-nosso-melhor-amigo-e-saco-de-pancada-e-causador-dos-nossos-olhos-negros…
iam para a escola a pé ou de autocarro e não eram raptados, seduzidos por
pedófilos e subtraídos pela luz ofuscante duma nave alienígena… nesses anos,
lavar os dentes era simples.
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Escova lisa – depois apareceram mais macias e mais duras, com relevos para chegar ali, mais tarde outras nervuras para alcançar além –
pasta branca de gosto a químico tóxico e lá atrás o movimento era de trás para
a frente e de frente para trás, em contínuo. À frente era para a esquerda e
para a direita e da direita para a esquerda, repetidamente.
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Um dos primeiros grandes avanços no acto da lavagem surgiu –
se não erro – em meados da década de oitenta. Apareceram na televisão, que já
era a cores apesar de só existirem dois canais, a explicar que à frente os
dentes se deviam escovar de cima para baixo e de baixo para cima.
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Outro grande avanço – certamente fruto da nossa entrada na Comunidade
Económica Europeia, em Janeiro de mil novecentos e oitenta e seis – foi o
aparecimento do fio dentário, mais higiénico e menos agressivo do que os
palitos de madeira. Nessa época, os palitos, nos restaurantes, não estavam em
embalagens individuais, mas colocados em frascos, como flores num jarro.
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O meu pai, que nasceu em mil novecentos e vinte e quatro, ensinou-me que nas tascas era melhor nunca pedir os palitos, pois havia alarves
medievais que os punham para reutilização e que, sempre, mas sempre, ainda que
numa boa casa, partir o pauzinho, não fosse haver, por perto, um sobrevivente do século XIV e da peste negra, com
vontade e acção idênticas às do taberneiro.
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Voltando ao novo milénio e à minha recuperação do património
edificado… hoje fiz uma formação em lavagem de dentes. Mais curta que a
aldrabice das Novas Oportunidades, mas muito mais proveitosa.
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Não sei se – neste tempo de ensino universitário de três
anos – a hora que hoje passei na cadeira não dará direito a certificado de
pós-graduação…
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Então: há uns escovilhões e faz-se assim, uns géis e faz-se
assado, o fio dentário, a pasta desde que tenha fluor. Vim fascinado.
Escovilhões? E umas rebarbadoras – como aqueles aguilhões de jacto de água e
areia que se usam para limpar as pedras dos edifícios – que arearam, limparam
e poliram as dentuças da frente, onde se tinham agarrado umas *£#@&% de
manchas… dentadura outrora famosa e apreciada pela sua alvura.
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Fora de brincadeiras, vim encantado. Porque conheci
um novo instrumento, novas técnicas, conhecimentos vários e tratado por uma doutora
simpática e competente.
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Vertente histórica e antropológica:
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– Na Escócia, a guilda dos produtores de whisky era a mesma
que a dos dentistas… toma lá para anestesiar e vá de meter o alicate, a
torquês, o escopro e o martelo.
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– Antes do açúcar se tornar acessível a toda a população, as
cáries eram problemas dos ricos. As cáries, a gota, doenças coronárias, doenças
cardiovasculares, obesidade…
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Há coisa dum ano escrevi aqui acerca de Santa Apolónia. Não
é padroeira dos caminhos-de-ferro, porque no século III depois de Cristo não
havia intercidades, inter-regional, regional, correio, suburbano, metropolitano
ou Alfa Pendular.
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Santa Apolónia é a padroeira dos dentistas e neste momento
tenho um altar com velinhas acesas, no pechiché, pedindo a sua bênção.
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O apóstolo Paulo, que passou pela Terra no século primeiro
da Era Cristã, teve certamente uma vida regrada e comedida. Acredito que as
cáries não fizeram parte das suas agruras… Ainda bem, porque Santa Apolónia estava
atrasada uns anos.
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Agora surge um problema… como é que se mistura, neste texto, a bendita Santa
Apolónia com o bondoso Paulo de Tarso?
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Fácil!
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– Clínica de São Paulo. Fica no Largo de São Paulo, em
Lisboa, junto ao Cais de Sodré. Gosto muito!
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Nota: O trocadilho da cárie e do Macário é retirada duma
frase de campanha do Partido Socialista Revolucionário, situado no espectro da
Quarta Internacional, quando Macário Correia – homem do centro-direita, do
Partido Social Democrata, cuja designação é enganadora, pois não o é – foi candidato
à Câmara Municipal de Lisboa, em 1993.
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O lema do PSR foi: «Antes uma cárie do que o Macário».
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Julgo que é bom homem, com um nível de cultura que chega,
pelo menos, até Eça de Queiroz… Porquê? Porque, quando lhe perguntaram qual o seu escritor favorito jogou no seguro e revelou ser esse escritor oitocentista.
Qual a personagem com quem mais se identifica, na obra queirosiana,
perguntou o jornalista. Respondeu que era o Conde de Abranhos… acho que não leu
Eça de Queiroz.
O fim da história
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Se não tens nada de inteligente ou interessante para dizer,
diz uma coisa estúpida. Diz qualquer coisa, o que passar pela cabeça ou que não
passe e saia só pela boca. Podem pensar que és tonto ou imbecil ou um
pobre-diabo, talvez te insultem ou ironizem gozando… Porém, tens um momento e
quem sabe se serás tema de conversa. Alguém poderá ficar a pensar e se calhar
concordar… Entretanto estarás longe e se sentires vergonha, vergonha de ti,
será vergonha alheia, porque realmente só disseste e és inimputável e és
irrelevante na multidão – não único nem igual. O resto não interessa! Mas se te
conhecerem… diz que estavas bêbado, foste sarcástico ou cínico, canalha dando
um criptopontapé nos tomates dum presente irrelevado e irrelevante ou inventado.
O que importa? Desde que no final engates a miúda… Esquece, a miúda é tua e os
outros entretêm-se em tédios de classe média ou dramas pequeno-intelectuais. Farão
amor deitados, se fizerem. Tu vais foder de pé e acordar tarde.
terça-feira, abril 14, 2015
Dormes cá?
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Então, foi assim:
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– Ficas cá a dormir?
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– Não. Não fico.
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– Por que não?
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– Porque não quero dormir contigo.
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– Que queres fazer?...
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– Dormir contigo…
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– Jantamos primeiro ou começamos na cozinha e o jantar que
se queime?
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– Amanhã, pela manhã, jantamos.
segunda-feira, abril 13, 2015
Pedir boleia e num camião fugir para onde
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Seria mais fácil se tocasse viola ou piano. Quem tange é
tangedor e quem escreve. Escritor, tantos se julgam e desavaliando o peso da
matéria, poeta é o oposto e ainda mais se pensando segurar a poesia, e ela de hélio.
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Quero ser poeta e não sujar, a pena fazendo-se peso, como o
tempo do pai brincando com o filho.
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Tenho medo. Tenho o medo homoerótico dos homofóbicos. Tenho
vergonha. Tenho a vergonha do miúdo de catorze anos a comprar pela primeira vez
uma revista pornográfica.
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Um dia disse baixinho com a determinação arrojada e de medo do
menino a declarar-se e ainda desconhecendo o sabor doutra boca. Uma professora,
duas professoras, as professoras todas da escola viram o papelinho em que
escrevi insonoro enquanto disse mais alto do que queria que a queria.
Olharam-me muito firmes, descobrindo-me a infância e a vontade no sorriso
aterrador e certamente gargalhando para dentro e contando a toda a gente.
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Que vergonha. Nunca mais sou grande. Para carregar a pedra
do poeta e a mandar ao ar.
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Por que não sou pintor ou toco ferrinhos?
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As palavras adolescentes na boca do corpo gordo. As
letras adolescendem-me e por isso a vergonha de ser pequenino e querer ser
grande, para meter a língua noutra boca e a mão onde se quis tanto chegar para
dizer: sou poeta.
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A estrada faz uma curva depois da estação de serviço e antes que me pensem, apanhar boleia para onde.
Sic transit gloria mundi
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Estamos carne e comemos coisas e somos espírito e comemos coisas
da carne. E não percebemos que por isso a roupa de marca e a comida de plástico
e os textos de politetrafluoretileno e resta pouco fora disso, desta palavra
complicada, mas sempre foi assim e até gozaram com o Camões.
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Por isso o Estado Islâmico e a Arábia Saudita e os Estados
Unidos da América e a Rússia e a moralidade europeia que é hipócrita e às vezes
engana, além de África e os ditadores do mundo e o Sueste asiático é a mesma
coisa, não esquecendo as Américas das contradições, a China, o Japão e a Coreia
– que é só boa ou só má. Por isso as palavras voam parecendo livres e apenas
por cheias de vazios.
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Por isso os serviços de informações e as polícias políticas
e quem assume erros no cinismo e os da voz de Deus que desfazem. Esses – ambos os
dois, porque é para rir da estupidez trágica – e os da moralidade de toda a
laicidade e toda a religiosidade.
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Ainda assim há gente feliz.
Glória nas alturas
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Sei que há segredo e sei o segredo e quero saber desse
segredo sempre único de aroma e pele e carne fazendo do sonho o beijo e depois
a luz rebentando nas alturas.
Penso em coisas estúpidas e adormeço entre o dia e a noite
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Não posso de mim. Chato-me no tédio teimoso, força militar
de ocupação. Como tirar esta vida de mim, pergunto-me, esqueço-me e adormeço,
sedado pela dor e pelas drogas, mergulhando ora em agonia ora no chapão da
pressa.
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As gatas acodem-me no vazio, puxam-me da realidade caminhada
uns vinte centímetros sobre a realidade. Sobem buscando-me lá tão alto.
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Trepam até olharem para baixo e param, porque os gatos têm
vertigens, quem o nega não sabe. Sobem e ferido e precisado abraço-as
amedrontadas e pouso-as onde devíamos estar.
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No tempo do vazio esqueço o tédio. É quando penso melhor e
não tendo finalidade nem proveito.
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Penso em coisas estúpidas:
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– O que seria se Eva fosse ruiva?
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Do que penso nem ócio nem negócio. A quem poderei vender as
curtas frases de preguiçoso, que me anulam e cansam e não fujo porque não sei
nem sei se quero conhecer.
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Penso em coisas estúpidas:
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– O néon é feérico.
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Iluminado pela revelação insisto até o cansaço de repetir
como o pingar duma torneira lassa, tortura chinesa, até sentença sábia seja a
onda a remolhar a certeza anterior defeituosa.
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Penso em coisas estúpidas:
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– Pelúcia é uma palavra desastrada e a visada por ser pirosa
é sã e aconchegante lembrança da infância agarrada ao urso a secar as lágrimas
e embalar. Peluche diz-se no movimento dos lábios do beijo da avó.
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Sempre grávido e incapaz de parir muito e aflito dos abortos
impossíveis. Dou por mim em locais onde não sei ou lembro o caminho. Matraquilho-me
com qualquer coisa nascida atrás dum sítio.
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Lembro-me de coisas estúpidas:
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– Isto só em Portugal! Em Portugal é tudo devagar,
devagarinho e parado! Nos outros países é a mesma coisa.
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Respiro ar ondulado e deitado penso em dormir, acordado
penso em deitar-me. Mortifico-me com todos os padecimentos que causei. Não me
importa a adolescência.
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Penso em coisas estúpidas:
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– Nenhuma vida merece um amor e nenhum amor merece uma vida.
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Aforismo impensado, sentença adolescente e facilidade da
preguiça. Espero tenha sido inouvido ou inlido ou esquecido ou perdoado.
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O amor insiste e persiste nas memórias das dores paridas a
custo, filhos relembrando actos de falha de amor-próprio.
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Penso em coisas estúpidas:
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– Não me posso lembrar. Não me posso esquecer. Não posso
lembrar-me de esquecer.
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Sinto-me único e disfarçado na multidão dos sete mil milhões
encarnados e dos muitos mais desencarnados. Ninguém tem este tédio.
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É lagarta pesada de pederneira e faíscas, de pedra
articulada sulcando e alimentando-se, agarrada como sanguessuga e soltando sal
na ferida.
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Insisto e penso em coisas estúpidas:
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– Penso mal, devia ir à terapia da fala.
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Percebo ter inventado uma metáfora. Foi sem querer. Juro que
foi sem querer, falo antes de pensar e tenho a boca à frente da mão.
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Não há remédio para o tédio. Engano-o numa cascata selvagem.
A boca escancara asneiras mais caudalosas e brutas do que o débito da água solta
pela barragem de Cabora Bassa.
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Memória e arrependimento, inconseguindo soltar o
desaparecimento da dor. A felicidade antiga é fogo de soldar. A memória triste
é fogo de cortar.
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Repito pensamentos estúpidos mas menos estúpidos, chatos, na
Eva ruiva e na púbis feminina.
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Penso qualquer coisa de acertado:
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– Ainda no Paraíso, Eva estava depilada e lisa, de pequenos
lábios rosáceos ou bordejados no escuro único do sítio ou negros como o das
negras? Teria tufo macio e de que cor, sabendo que era ruiva?
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Milagrosamente ejaculo tédio e penso na musa e digo piroso:
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– Quero ver-te dando-nos.
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Deito-me e adormeço.
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Entre o dia e a noite.
sexta-feira, abril 10, 2015
Naquele dia não parei
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Naquele dia não parei. O tempo passou depressa para a pressa
que tinha e a fome ficou afónica e descontente.
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Que cansaço! Que fome! Pensei desfalecendo duma e doutra
coisa.
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– O que fazer? Cozinhar na pressa sem força nem ânimo?... Quiçá
adormecer perigosamente sobre a comida… ou deitar-me esperando que a fome
adormecesse?
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Quanto mais indeciso, mais cansado. O peso do corpo e o peso
do dia sobre ele deitaram-me.
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Aconteceu aquela estúpida e orgânica excitação que às vezes se
cria na exaustão. Um esforço involuntário dum moribundo. E o estômago a
despertar, como uma manifestação de gente farta protestando contra a ditadura
militar.
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Como um monótono sermão para acalmação, comecei a contar
carneiros:
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– Um carneiro, dois carneiros, três carneiros, quatro
ensopados de borrego, cinco ensopados de borrego, seis ensopados de borrego…
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