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Há perguntas irritantes e persistências idiotas. Compreendo
e não respondo torto, porque a realidade portuguesa convida a esses
raciocínios. Volta e meia perguntam-me qual é o meu clube.
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– Sou do Clube de Futebol «Os Belenenses».
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– Sim, mas de que clube?
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– Do Clube de Futebol «Os Belenenses», já disse.
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– Quem é que queres que ganhe o campeonato, o Sport Lisboa e
Benfica, o Sporting Clube de Portugal ou o Futebol Clube do Porto?
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– O Clube de Futebol «Os Belenenses».
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– Não tens um segundo clube? Não acredito!
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– Tenho, pois.
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– Ah! Vês?! E qual é?
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– O Clube Oriental de Lisboa.
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Obviamente que não tenho uma segunda equipa. Nem o Oriental
merece ser a segunda equipa de ninguém. É o clube de quem o ama acima de
qualquer preferência alternativa. É o que fica mais perto de minha casa e isso
dá-me algum conforto.
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A pergunta é recorrente, porque neste país, de batotas com
décadas, está convencionado que só três clubes podem ganhar campeonatos. E já
agora, uma das conquistas do 25 de Abril de 1974 foi o Futebol Clube do Porto
começar a vencer competições.
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Embora Américo Thomaz, derradeiro presidente da República do
Estado Novo, ser adepto do Clube de Futebol «Os Belenenses», tendo sido seu
presidente, em nada a instituição foi privilegiado. Não nego que o Sport Lisboa
e Benfica e o Sporting Clube de Portugal têm, tiveram sempre, mais adeptos. Os
clubes não eram do regime, o poder político é que apanhava a boleia para ter
créditos populares. Ajudas que nunca foram recusadas, cumplicidades.
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Quem espreitar a história verá que, nos primeiros anos das
competições, havia mais equipas a ganhar. O Marítimo, por exemplo, foi um caso
de claro castigo, penalizado por causa da insularidade.
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Claro que sendo do Clube de Futebol «Os Belenenses» quero
que a minha equipa vença todos os jogos e ganhe todas as provas e todos os
anos.
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Quero e não quero. Só não quero porque – perdoar-me-ão os companheiros
azuis – faltam contendores. O futebol é Portugal costuma ser um secador
exactamente porque o resultado está «viciado» à partida. Que bom seria ter
seis, sete, oito, nove, doze, quinze equipas que, alternando-se, pudessem
ganhar.
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Não quero falar das batotas, dos prolongamentos, dos
fora-de-jogo, dos penáltis, que são evidentes e batidos. A maior trapaça é a dos
empréstimos, que um modo antidesportivo. Se ainda ocorressem entre clubes de
diferentes campeonatos… Os atletas são cedidos, mas não jogam contra o «seu»
clube.
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As equipas B são outra batota. Os três suspeitos do costume insistem
que a Primeira Liga ganharia se tivesse menos clubes. É mentira! Eles
ganhariam, com poupanças em deslocações e sem as maçadas de mais jogos, que podem,
eventualmente, comprometer as carreiras europeias.
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No entanto, têm equipas na Liga de Honra, onde despejam
reservas, dão rodagem e abastecem a equipa principal. É batota! São dois
campeonatos e uma equipa, pois a outra é virtual. Além de que não os
incomodaria ter trezentas equipas na segunda liga, aí já não há racionalidade
financeira.
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O Clube de Futebol «Os Belenenses» nasceu em 1919. À data, a
minha família vivia em Belém, nela respirava-se e transpirava-se e suava-se de
emoção pelos azuis. O meu tio António e o meu pai foram sócios à nascença, em
1921 e 1924.
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Por fartos das batotas – que são antigas, como o roubo das
Salésias, uma ajudinha aos clubes do regime – aborreceram-se do futebol, mas
nunca deixaram de ser Clube de Futebol «Os Belenenses». Sofriam menos e
distraiam-se da porcaria à tona das competições.
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Um dia – não há tantos anos assim – os filhos do meu tio
António organizaram um almoço em Belém. Um dia de Sol que exigiu esplanada.
Sentado de frente para um prédio, um dos octogenários levantou o olhar e
reparou na placa da antiga sede do Clube de Futebol «Os Belenenses». Deu uma cotovelada
ao irmão e ficaram os dois em silêncio com os olhos molhados.
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Vim ao mundo em 1970. Chegado à escola primária, lembro-me,
como se fosse hoje, de ser rodeado pelos colegas:
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– És do Benfica ou do Sporting?
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– Sou do Belenenses.
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– És do quê? Do BENFIIIIICAAA ou do Sporting?
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Percebi que tinha de ser do Sport Lisboa e Benfica. Na
década de setenta os encarnados ganhavam quase sempre. Neste país de
piranguices e arranjinhos, o natural é os miúdos, fascinados com as vitórias,
se deslumbrarem com os vencedores – daí a razão de haver tantos jovens portistas
em Lisboa, o que não me faz sentido.
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Criança, ingénuo, um bocado desalinhado, frágil e com outras
intimidades que me abstenho de contar, tornei-me num benfiquista pouco
interessado. A equipa da turna vestia-se à Sport Lisboa e Benfica e lá tive de
comprar o equipamento completo, com emblema, número e chuteiras. Aselha, não pude
escolher. Como ninguém queria, só sobrava o Bastos Lopes, defesa direito,
eficaz e discreto, incontestado número dois.
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Esforçava-me para ser do Sport Lisboa e Benfica. Toda a
família do lado do meu pai era e é do Clube de Futebol «Os Belenenses». Do lado
materno, são do Sporting Clube de Portugal. A minha mãe adoptou os azuis.
Manuel Jorge respeitou a «minha escolha» e, com sentido democrático e de
cavalheiro, disse-me:
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– Vais ver o Museu do Sport Lisboa e Benfica e o Estádio da
Luz, mas vais também aos do Sporting Clube de Portugal, do Clube de Futebol «Os
Belenenses», do Atlético Clube de Portugal e do Clube Oriental de Lisboa.
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Na verdade, verdadinha, não era do Sport Lisboa e Benfica,
era do Nené. Adorava ver aquele cavalheiro – e o melhor jogador que vi – que não
se sujava. No final da carreira ficava no banco. Com a equipa em padecimentos,
sem vencer e a precisava, entrava em campo, já a segunda parte ia adiantada. O
relato omitia-o, como se lá não estivesse. Quando o jornalista dizia o seu nome
era sinónimo de golo.
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Sim, ouvia os relatos do Sport Lisboa e Benfica, mas era do
Nené.
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As palavras «tudo», «nada», «sempre», «nunca», «todos» ou
«nenhuns» são perigosas, batem-nos sempre à porta desmentindo-nos. Recuso
aquela «verdade» de que uma pessoa pode mudar de casa, mudar de cidade, mudar
de mulher, mudar de amigos, mas não muda nem de família nem de clube.
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Abomino esse primado. Prefiro a parábola do filho pródigo, o
tresmalhado que regressa à casa de Deus – com as devidas ressalvas.
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Sou do Clube de Futebol «Os Belenenses» não porque «nasci Clube
de Futebol “Os Belenenses”» ou porque me obrigaram ou determinaram ou
influenciaram de modo, mais ou menos, autoritário. Sou do Clube de Futebol «Os
Belenenses», porque o amo, porque o escolhi, como se encontra um amigo.
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Contudo, falta a explicação de por que me tornei Clube de
Futebol «Os Belenenses». Hoje sei que sempre o fui, ainda que tenha vibrado com
o Sport Lisboa e Benfica… com o Nené.
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Na época de 1981/82 o Clube de Futebol «Os Belenenses»»
desceu, pela primeira vez, de divisão. A tristeza foi tão grande, tão grande,
tão grande, tão maior do que qualquer alegria que alguma vez me dera o Sport
Lisboa e Benfica – e eu apanhei anos áureos dos encarnados – que percebi que era
(sou) do Clube de Futebol «Os Belenenses».
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No ano anterior, o Sport Lisboa e Benfica tinha vencido o
campeonato e naquele fora o Sporting Clube de Portugal e no seguinte o Sport
Lisboa e Benfica. Nada a fazer! Clube de Futebol «Os Belenenses». Obviamente Clube
de Futebol «Os Belenenses».
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Acerca desta minha opção adapto uma anedota:
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– Casaste por amor ou por interesse?
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– Casei por amor! [porque interesse não tem nenhum].
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O resto da anedota não faz parte da explicação, a segunda
parte. Não tanto por de mau-gosto, mas porque quando me assumi azul já a equipa
estava na sua fase complicada, sem o tal «interesse».
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Olhando para o passado, desculpo-me pela pressão que me
obrigou «a ser» doutro clube e pelo prazer de ver jogar o Nené. Que pena tenho
que esse craque nunca tenha vestido a camisola azul.
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Há uma «coisa» que me infecta o bom-humor, que é a do «quarto
grande». Há uma hierarquia? Como se estabelece? Pelos ganhos ou pelo amor que
ultrapassa o sofrimento? Pela resistência? Persistência? Pelo inexplicável?
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– O Clube de Futebol
«Os Belenenses» é o quarto grande?
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– Não há quatro grandes! Essa ideia agonia-me.
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– Porquê?
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– Porque traduz a viciação e o desgosto futebolístico em
Portugal.
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Há centenas ou milhares de clubes em Portugal e todos
merecem o mesmo respeito. Reportando-me apenas aos que jogaram nas principais
competições, o que é ser-se grande? Ter muitos adeptos? Ter muitas taças? Ter
um grande passado? Ter um grande presente? Ter muitas esperanças? Jogar sempre
para ganhar? Ter privilégios das estruturas organizativas?... secretarias,
ajustes, ajudinhas, batotinhas, batotas e batatinhas.
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Como os miúdos no primeiro dia de aulas:
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– Qual é o maior clube de Portugal?
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– É o Clube de Futebol «Os Belenenses»!
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Não é o quarto grande, nem o terceiro, nem o segundo nem o
primeiro nem o quinto nem o vigésimo. É um grande por tudo o que é, por todos
os que foram e pelos que são. Como grandes são as equipas que merecem um apoio
que não se partilha com qualquer outro, cujos adeptos têm uma só preferência e
querem lá saber da vitória doutras equipas.
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Nota: Infelizmente para o futebol em Portugal, só há cinco equipas que ganharam o campeonato da Primeira Divisão e há apenas
nove equipas que jogaram mais de metade dos oitenta campeonatos (o actual é o
octogésimo primeiro) da primeira divisão:
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– Sport Lisboa e Benfica: 80.
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– Futebol Clube do Porto: 80.
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– Sporting Clube de Portugal: 80
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– Clube de Futebol «Os Belenenses»: 73.
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– Vitória Sport Clube: 69.
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– Vitória Futebol Clube: 66.
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– Associação Académica de Coimbra: 62.
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– Sporting Clube de Braga: 58.
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– Boavista Futebol Clube: 51.
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Seria tão mais interessante se fosse como em Inglaterra!
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