digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
domingo, fevereiro 28, 2010
Se um dia

Há algum tempo que tento chorar, mas as minhas nostalgia e indiferença só me dão tristezas secas. Não há inconsistência de desejo sem incandescência de palavra. Se um dia voltar a ganhar os teus beijos, prometo nunca mais sonhar contigo. O vento é demasiado breve para só se gastar num vendaval. Se me trouxesse o que sonhamos, distantes, nunca mais contra ele andaria, não fosse trazer-me o presente.
Princípio, meio e fim

Por que hão-de as coisas ter princípio, meio e fim se podem ter e ser só uma?
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A minha vida começou e não sei se vou a meio, mas sei que não hei-de acabar.
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Fosse eu mais leve e já estaria além de qualquer coisa de tangível.
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Como se o céu tivesse um túnel para se ir dali para ali. Indo invisível, chagaria palpável.
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Bola de fumo, pesada como chumbo, a minha vida é uma embrulhada e aguarda que o vento se dissipe. Melhor diria se fosse Alcipe.
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Na boca, meu tesouro. Novelo de filigrana enleada. sabor de fios de ovos, eternidade.
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Na boca, as minhas palavras. Guardadas para se revelarem.
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Por que hei-de pôr nisto um fim, se a finalidade é ir para o fim?
Magnólia
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Carne de seiva, aroma fino e desinquietante.
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Serra afora à pergunta dum jardim. O céu de chuva não assusta.
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Assusta a noite que vem tapando as nuvéns e dissimulando o vento.
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As árvores do caminho tornam-se duma só cor e no ar misturam-se as suas cores de olfacto.
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Carne de seiva, não te diria melhor, mulher-árvore, mulher-trepadeira em mim.
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A tua carne são os montes. O teu hálito, o vento. As tuas pernas a queda, mundo abaixo.
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Passe o tempo que passar ou faça o tempo que fizer, não deixo de ter tesão por ti.
Conversa

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As noites frias servem para aquecer os pés, um gesto de amor cortês, como um preliminar.
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A chama junto à pedra, a escuridão entremeada pelo lume, chama-se conversa. Conversa com os teus silêncios, com os teus mistérios.
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Lá fora há Inverno, cá dentro, intimidade.
Lá fora há Inverno, cá dentro, intimidade.
Lisboa minha e tua

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As canções voltaram sem que tivessem partidos todos os sentimentos. Nem a memória. Uma maré alta poderia lavar tudo, levando. Para que a areia se alizasse.
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De resto, os dias continuam a ter vinte e quatro horas.
sexta-feira, fevereiro 26, 2010
domingo, fevereiro 21, 2010
Jantar romântico para um homem só – A mesa (1/8)

Eu que gosto mais dos alemães sentei-me a ouvir Verdi.
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No prato bacalhau à Braz acabado de fazer, com parcelas mínimas queimadas, que fazer um jantar sozinho é obra para muita gente.
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Sala morna, porta fechada e cortinas corridas. Atrás da música não se ouve a chuva. As gatas entram e saem quando querem, nada exigem.
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Oito velas acesas na casa, nem mais luz. Um vinho branco com vida e frescura certa. Pimenta preta na mesa.
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Incenso de sândalo, para temperar aromas de prato. Gesto de fumo, oriental, o exotismo obrigatório num jantar de amor.
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Toalha vermelha com limitados quadrados a branco. Guardanapo às riscas, azuis e brancas. A memória dum passado, recordações de mesa.
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Depois do jantar, um jogo de cartas, paciências. Baralho novo. À primeira perco. À segunda a mediocridade. É sorte ao amor que aí vem.
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Há amores que não valem este jantar.
Jantar romântico para um homem só – Sombra (6/8)

Jantar romântico para um homem só – O claustro (7/8)

Dentro destas quatro paredes evocam-se fantasmas, idos há muito. Lembranças de claustros e granito, outros corações desfeitos. O toque dos sinos, as trompas e a percussão solene a anunciar um cortejo. Sobre mim se levantam um cantar meu.
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Um caminho de flores, o chão coberto. No carreiro do bosque, taciturno. A dança dos espectros, o canto chão, o canto dos anjos, um canto de laudas.
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Por mim, não há manhã. Por mim, só esta escuridão monacal. , esta luz trémula. O medo da nudez.
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Romperei a noite numa oração, com o frio do aço temperado. Solidão fria de Inverno.
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Quando as luzes se apagarem será outra noite. Ainda tempo da oração perdida nos tragos de vinho. Que esta luz nunca se acabe e que jamais seja manhã.
Jantar romântico para um homem só – O claustro (7/8)
Dentro destas quatro paredes evocam-se fantasmas, idos há muito. Lembranças de claustros e granito, outros corações desfeitos. O toque dos sinos, as trompas e a percussão solene a anunciar um cortejo. Sobre mim se levantam um cantar meu.
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Um caminho de flores, o chão coberto. No carreiro do bosque, taciturno. A dança dos espectros, o canto chão, o canto dos anjos, um canto de laudas.
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Por mim, não há manhã. Por mim, só esta escuridão monacal. , esta luz trémula. O medo da nudez.
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Romperei a noite numa oração, com o frio do aço temperado. Solidão fria de Inverno.
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Quando as luzes se apagarem será outra noite. Ainda tempo da oração perdida nos tragos de vinho. Que esta luz nunca se acabe e que jamais seja manhã.
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Um caminho de flores, o chão coberto. No carreiro do bosque, taciturno. A dança dos espectros, o canto chão, o canto dos anjos, um canto de laudas.
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Por mim, não há manhã. Por mim, só esta escuridão monacal. , esta luz trémula. O medo da nudez.
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Romperei a noite numa oração, com o frio do aço temperado. Solidão fria de Inverno.
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Quando as luzes se apagarem será outra noite. Ainda tempo da oração perdida nos tragos de vinho. Que esta luz nunca se acabe e que jamais seja manhã.
quarta-feira, fevereiro 17, 2010
Jardim triste

Normalidades

Este é um homem normal que se julgava especial. Filho de si próprio, que cresceu quase sozinho, filho de mãe trabalhadora e de pai presente e negligente.
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A educação deve-a a si, a umas dicas dos pais, à ajuda da madrinha e a três ou quatro professores empenhados no bem comum.
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Um dia começou a trabalhar, fruto do seu mérito e mínima ajuda de sua mãe, que lhe iluminou as ideias.
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Por mérito, cresceu e lançou-se em aventuras. Um dia, depois de muitas mulheres, duas com importância emocional, conheceu Isabel e quis casar-se, ter filhos e normalizar uma vida de dândi.
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Vieram ventos do além, arrepios, dúvidas, novas ideias, poucas certezas, muito amor. Uma vida quase nova, a estrear.
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Quando tudo se encarreirava, uma onda de porto avançou e derrubou-lhe o mundo. Encharcado em lágrimas, caiu e foi engolido na vertigem dum vórtice impiedoso, para onde não foi voluntário nem certo do destino.
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Se o empurraram e rasgaram o destino, também quis uma nova oportunidade, coisa que lhe deram às mijinhas e exigindo sempre muito mais do que um homem pode dar.
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Deu por si sozinho e deixado de parte pela vida que quis, desejou, conheceu e agradeceu. Ao fim e ao cabo, levaram-lhe a roupa e a nudez. As certezas e as dúvidas.
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Doente, doente da cabeça, quase se deixou internar. Devia tê-lo feito, pois sempre recebia uma tença do Estado e a compaixão dos caridosos. Doente, doente da cabeça, tentou levar a vida. A vida que pouco lhe deixou para viver.
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Perdido de tudo, perdeu-se de quase todos. Um dia puxou da pistola, não para matar um gerente ou um patrão. Puxou da pistola e deu um tiro nos cornos.
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Dado o tiro, continuou numa espécie de formigueiro, não se deixando quieto. Não por ser irrequieto ou ter um cérebro inquiritivo, mas por as minhocas e bicharocos lhe fazerem cócegas na podridão.
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A vida não lhe valeu de nada e a outra, a que veio depois, não lhe acrescentou nada. Tudo o que teve perdeu, até que perdeu a dor que sentia por ter perdido tudo.
quarta-feira, fevereiro 10, 2010
domingo, fevereiro 07, 2010
Ma chèri amour
Céu de Rubens, minimal e enlevecido, de cinzento compacto. O avançar dá um azul-claro escurecido, depois lilás, roxo até prussiano. Enquanto conduzo, oiço uma canção sem significado na nossa relação, mas que me leva à profundidade dos lençóis. Os amores impossíveis podem ser o que quisermos, pois nada fará com que o não sejam.
sábado, fevereiro 06, 2010
Adição de amor

Sou uma máquina de somar desgostos de amor. Máquina porque repito, mecânica e obstinadamente, os meus erros, as mesmas acções e as mesmas inseguranças. Máquina de amores impossíveis. Amores finitos. Amores tristes. Amores unívocos, desafectos. Amores mal-entendidos. Amores incompreensíveis. Amores obstinados. Amores desligados. Amores invejosos, amores tomados. Amores só por amor. Amores só porque sim. Amores só por que não? Sim.
terça-feira, fevereiro 02, 2010
Desconversa ao telefone ou um texto sem graça sobre coisa nenhuma

- Está lá?
- Estou sim…
- Estou?
- Tou, tou!
- Estou sim?
- Sim, estou.
- Está a ouvir-me?
- Estou?
- Consegue ouvir-me?
- Sim, sim…
- Donde é que fala?
- Aqui de casa.
- É da Freixieira?
- Não. É da Boleta de cima.
- Ah! Desculpe, foi engano…
- Mas, com quem deseja falar?
- Com a Zulmira…
- É a própria…
- Olá! Estás boa?
- Por que me está a tratar por tu?
- Não é a Zulmira?
- Sou, sou…
- Não estás a ver quem é?
- O telefone está um pouco baço, não se vê nada… já ouvir também é uma sorte.
- Não estás a ver quem é?
- Não me trate por tu, que não a conheço.
- Mas não és a Zulmira?
- Sou!
- Então?!...
- Foi nas informações que lhe deram o meu número de telefone?
- Foi sim!
- Então, por favor, diga-lhes que é engano.
- Engano? Mas não é de casa da Zulmira?
- Oh mulher! Já lhe disse que sim…
- Da Freixiera…
- Não, da Boleta.
- Então isso é onde?
- É na Freixieira.
- É na Freixieira ou na Boleta?
- É a mesma coisa…
- A mesma coisa?
- A terra tem dois nomes. Para os da Junta é Freixieira, para a oposição é Boleta.
- Ai sim?! Como assim?
- É o nome deles…
- Deles? Deles quem?
- Do presidente da Junta e o da oposição…
- Como é que vocês se arranjam?
- Bem. Só há dois telefones na terra. O meu e o da Junta.
- Então, é da oposição…
- Sou.
- Boleto é o seu apelido…
- É o do meu marido.
- É a Zulmira?
- Sou.
- Zulmira Boleto.
- Sim.
- Então é engano. Queira desculpar.
- Não tem de quê, minha senhora.
- Então, com licença…
- Faça o favor.
segunda-feira, fevereiro 01, 2010
Dorme bem... e cala-te

- Sim…
- Estás a dormir?
- Hã?!...
- Estás a dormir?
- Estou a tentar…
- Olha, sonhas comigo?
- Hã?!
- Sonhas comigo?
- Sim, sonho contigo. Agora deixa-me dormir.
- Por que queres sonhar comigo?
- Porque me estás a pedir…
- Se não pedisse tu não sonhavas comigo?
- Não sei, querida… não sei…
- Se não te pedisse tu não sonhavas comigo?
- Sonhava…
- Não sonhavas nada!
- Sonhava…
- Dizes isso só para me calares…
- Vá lá, deixa-me dormir…
- Estás a fugir à conversa…
- Não, só estou a tentar dormir.
- Promete-me que sonhas comigo.
- Prometo!
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.
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- Bom dia, querido. Dormiste bem?
- Tive pesadelos!
- Depois sonhaste comigo e ficou tudo bem, não foi?
- Não!
- É porque não sonhaste comigo…
- Sonhei!
- O que sonhaste?
- Sonhei que passaste a noite a melgar-me para sonhar contigo.
- Vês! Nem mesmo pedindo-te tu és capaz de sonhar comigo como deve de ser. És um falhanço de marido.
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