digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, julho 30, 2014

Pensamento acerca de buceta

Se buceta se lesse boceta – como boca – seria uma tradução pra um pedido de beijo.
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Se buceta se escrevesse à francesa, «boucette» ou «boucetta», haveria de ser a duma duquesa.
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Mas buceta escreve-se assim, nesta simplicidade que podia bem ser universal.
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Nota: Não gosto da palavra, mas gosto muito que ela significa.

A praia

Quando era criança tomava banhos de mar e brincava na areia. Tomo banho de água fria que não leva nem lava a areia que a vida me despejou na cabeça. 

Muitas folhas contam muita coisa

Feri de morte e no tempo da agonia morri esperando que se salvasse. Morrendo, morreu comigo – suponho que tenha sobrevivido a a agonia.
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Nota: A V.

As time goes bye

As palavras são exactamente as mesmas – não tenho impressora. Mas batidas na máquina de escrever ficam prontas e o escrever tem outro dramatismo, como as fotografias a preto e branco.
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Nota: A V e ao filme Casablanca  o título da pintura  neste caso meramente ilustrativa - é esse: As time goes bye.

Coração

O coração bombeia.
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Coração-bomba.
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Enterra-se corpo e tudo o resto.

Vai-se, foi-se o tempo


O tempo cura tudo
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O tempo mata tudo
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Fica-se com memórias
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Que as memórias não são anéis
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Ou então lembra tudo
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Que memorias são como anéis.
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Nota: A V.

domingo, julho 27, 2014

Haxixe Vintage 2011

Há vinhos para todos os gostos – quiçá até para quem não gosta de vinho. Tenho o meu, e não sendo o único que me interessa, é o que me toca. Qual é o meu gosto? Penso que, como toda a gente, não tenho um padrão a preto e branco, nem mesmo com densidades de cinzento, mas com todas as cores.
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E dou graças a Deus pelas contradições...
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Há vinhos para gostos, conceitos, tesouraria... Que mal tem fazer vinho para as massas? Nada, só que pode ser entediante, pois a tendência é para seguir os mesmos caminhos. Independentemente da qualidade intrínseca do vinho.
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Um dos meus tintos preferidos é um vinho para concurso e tem o condão de agradar ao estreante e ao conhecedor experimentado.
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Há vinhos perfeitos? Se houver uma definição taxativa talvez haja. Mas o que há, e com toda a certeza, são vinhos «perfeitinhos».
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O perfeitinho é mau? Talvez não. Mas não tenho de gostar. Compreendo perfeitamente quem os faz e quem os encomenda. Lembram-me uma namorada de Verão, uma francesa linda, de olhos azul-cobalto e cabelo dourado, boca fina, sensual... cansou-me tanta beleza e simetria.
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Há produtores que estão no vinho por arte. Outros são obrigados a fazer cedências por causa do vil metal. Há os que consideram um mero investimento ou uma forma de rentabilizar a propriedade que compraram para o fim-de-semana. Há os que insistem numa dissonância, o tropeço pensado ou permitido. Os perdulários e que perdem alegremente fortunas, os que querem fazer milhões, os que querem centenas de milhares, os que querem dezenas de milhares, os que querem milhares, os que conseguem produzir numa garagem e os que fazem num alpendre.
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Haverá mais géneros, mas a ideia é esta. Todas válidas e que, por si, não significam bom nem mau, prazer ou desgosto. Não entro na discussão se é mais difícil fazer uns milhões ou 2.500 garrafas – isso é misturar competência técnica, com ou sem talento artístico e criativo ou capacidade de diferenciação – com artesanato, com ou sem talento artístico, capacidade de diferenciação ou competência técnica.
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Só ao de leve – porque não é assunto meu – não me parece certa a aposta na promoção duma só casta. Penso que devíamos vender Portugal e isso quer dizer lote, até talvez só castas portuguesas... mas não tenho de pagar ao enólogo, ao técnico de viticultura, ao adegueiro, aos vindimadores, os fitofármacos ou os do biológico, nem designer, nem rótulos, nem gráfica, nem vidro, nem rolha, nem cápsula, nem selo de certificação, nem a comerciais, nem viagens, nem pavilhões em feiras...
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Vou dar um exemplo pessoal. Com o tempo comecei a compreender o meu pai e suas opções. A minha frustração, quase zanga, adolescente deu lugar a um agradecimento. O meu pai é artista plástico – agora chamam-se artistas visuais – e cresci entre telas, madeiras, cobre, pincéis de pêlo de marta, diluentes, petróleo, tinta de óleo (entediantes esperas para que secasse e pudesse voltar a dar tinta), vernizes, espátulas, cavaletes, estiradores, cadeiras altas, papel, aguarelas, desilusões por preferir o inacabado ao acabado...
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O meu pai, hoje com 90 anos, não pinta; falta-lhe precisão na visão, segurança na mão e outros problemas físicos comuns nos velhos – velho é uma palavra bonita!
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O nome do meu pai não é conhecido do grande público, nem mesmo de toda gente que anda no negócio. Há questões geracionais, afastamentos... Consta da mais ampla obra publicada, que conheço, de resenha de artistas plásticos portugueses do século XX. Está presente em museus de vários países, em colecções privadas, em Portugal e no estrangeiro, mais ou menos conhecidas, em instituições – pese que nunca tenha gostado nem fosse particularmente dotado para o retratismo.
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O meu pai deixou de pintar, se não erro, em 1998, quando teve um acidente vascular cerebral, que não deixou mossas, aos 74 anos, idade produtiva em qualquer actividade intelectual. Tive pena. Já há muitos anos que não expunha a solo, apenas em colectivas.
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O meu pai tinha/tem talento e foi reconhecido bem no início de trabalho. A sua geração está reduzida, embora permaneça um fresquíssimo e maravilhoso Júlio Pomar. Começou bem ou até muito bem.
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A dada altura foi pai e deparou-se com um dilema:
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– Pinto o que gosto e quero ou pinto o que gosto menos, que não pensara, que recusara, mas que me dá para pagar as despesas, agora que tenho filhos?
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Compreendo-o e hoje enternece-me e agradeço-lhe a abnegação. Deixou a vanguarda portuguesa – sem que algum par o tenha criticado pela frente ou nas costas, porque essas coisas acabam sempre por se saber – e dedicou-se ao facilmente vendável – e nunca foi um Tony Carreira ou Toy da pintura – nasceu uma frustração que deu origem a alcoolismo, em que foi, cada vez mais, desistindo dos bons vinhos e bons destilados, que em boa hora os deixou, até ao nível «do que me dá menos variações de humor ou irascibilidade».
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Apurou a técnica e a análise, estudou sempre e investigou, chegando ao ponto de ter sido referenciado (talvez injustamente) como quem, em Portugal, sabia compor tinta à moda duma época ou dum mestre e capaz de perfeitamente dominar a aplicação de folha de ouro.
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Tenho em casa uma reprodução – não nas medidas do original – do retrato de Dom Sebastião, de Cristóvão de Morais, patente no Museu Nacional de Arte Antiga, onde passou semanas a analisar e estudar a obra. Este que tenho na parede foi um ensaio para a encomenda que lhe fizeram, e durante anos teve colados pequenos adesivos a indicar tons... onde vejo um ou dois pretos – a maioria das pessoas não consegue topá-las – o meu pai tinha talvez mais de dez.
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Esta partilha de intimidade – provavelmente desnecessária – serve para mostrar que compreendo e aceito todos os modos de se estar no vinho e que considero que mais do que alimento, vinho é arte. Sem soberba, penso ter alguma autoridade para opinar acerca do tema do vinho, pelo que já expliquei.
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Filho de pai alcoólico, a minha mãe, quando comecei a levar o vinho para o centro da minha vida, apavorou-se e hoje está tranquila, seria natural que abominasse álcool ou me tivesse tornado viciado. A única coisa que me destroça os nervos são as pessoas que se comportavam como o meu pai – que nunca andou bêbado na rua nem a cair, fazendo tristes figuras. Trabalhei com uma pessoa, jornalista competente, com quem me impacientava e engolia e engolia enervado, pois era um sósia.
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Deixei de comprar a revista Wine por causa duma «besta» – relativamente polida – cuja opinião é muito levada em conta: José Peñin.
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Nunca gostei das suas opiniões, embora as lesse, embora o achasse banalíssimo. Não o leio, porque não me interessa.
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O José Peñin – que talvez seja boa pessoa e amigo do seu amigo – sabe mais de vinho em coma induzido do que eu acordado e com 15 cafés. Mas é um talibã, obrigatoriamente com ideias feitas, muitas delas pouco ou mal pensadas.
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Escreveu, dando lições de moral, numa soberba insuportável, o que deve ser um enófilo. A dada altura sobe ao pedestal para se diferenciar dos demais e diz qualquer coisa deste género: O enófilo esclarecido é aquele que aprecia e que sentindo a tentação do álcool a sabe evitar e resistir à alarve tentação, que é coisa de brutos e alcoólicos... Algo mesmo MUITO assim.
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Em primeiro lugar, o que escreveu é besteira, mas o que me indignou foi a soberba. Não estou para ler parvoíces. Além do mais, o que escreveu traduz que não sabe absolutamente nada do que é a história do vinho e da cultura do vinho. Do vinho e doutros álcoois.
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O vinho chegou até nós, em grande parte, porque inebria. Se foi desenvolvido, apurado, burilado, se implicou estudo é muito por causa do álcool. Note-se que estar embriagado não é ser-se alcoólico.
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Grave, muito grave, é beber vinho e conduzir. Embriagar não é mergulhar de cabeça numa piscina de álcool.
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O álcool é a droga social do Ocidente, estendendo a longitude aos locais onde se descobriu ou inventou. Além de ser alimento, desinibidor, objecto de festejo e brinde
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Grave é o álcool entre os ameríndios e os aborígenes australianos, onde a falta de contacto secular com o tóxico causa um total descontrolo, ao ponto de ser comparável à heroína. O National Geographic Channel realizou um conjunto de documentários acerca das drogas e o que mostrou a situação do alcoolismo no Alasca lembra a década de 90, em que se viveu o píncaro do pesadelo da heroína em Portugal.
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Volto para o que me trouxe e que é bem mais leve. Ando há meses para escrever acerca duma coisa e dispersei-me.
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A tourigação entristece-me. Não há quinta que não tenha os seus pés de touriga nacional. Os produtores pronunciam touriga nacional com um sorriso orgulhoso.
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Claro que é uma grande casta. Claro que dá coisas diferentes dependendo dos locais. Mas, basta. Começo a tremer cada vez que me ameaçam com um tinto. Não que a casta seja excessiva – por vezes é-o – mas porque há demasiados vinhos de touriga nacional.
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A minha touriga é a franca, que dizem ser caprichosa com a terra e o clima onde a põem. Tantos enólogos me dizem que é a melhor casta portuguesa e que só pelo seu temperamento não é a casta que serve de bandeira ao país.
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Pois! Digo ainda bem! Deixem-na estar no Douro ou em alguns locais especiais. Digo, mas pensam diferente. Depois de alcatroarem o país com touriga nacional, parece que agora vão tourigar a francesa. Até em zonas onde se demonstrou repetidamente que não se dá bem a estão a plantar. Noutros sítios até pode ir bem, mas sinceramente noto-a banal fora de sua casa.
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Aprecio na touriga franca a necessidade que tem de companhia, não conheço muitos monovarietais – até o vinho que foi, há dois ou três anos, feito pelo José Mota Capitão, que é perito com esta trepadeira precisava duma amiga – não me fez palpitar e cantar laudes.
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Depois transmite o Douro e pouco diz doutros locais. Nisso a irmã é mais maleável.
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Tenho-me vindo a aperceber que vem crescendo em mim o prazer com a pinot noir. O meu homónimo fez um néctar ímpar e a Fundação Stanley Ho tem notáveis.
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Há também a touriga nacional das uvas brancas – a alvarinho. Há bons alvarinhos em «todos» os locais do país. Mas para quê se ela reina em Monção e Melgaço? Fora de casa, a alvarinho não deslumbra.
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Quanto a mim – entra uma ou duas provável contradição – a arinto é maravilhosa em toda a parte e tem um claro brilho em Bucelas. As contradições estão em aqui, na defesa que se espalhe e que tem um local onde deslumbra.
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A arinto dá frescura ao chardonnay e ao meu ódio, a antão vaz.
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Não querendo generalizar, até porque se podem enumerar vários vinhos com esta táctica, chateia-me que juntem a antão vaz com a alvarinho no Alentejo, por vezes até com chardonnay. Se há arinto... é outra loiça!
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Não posso dizer que a casta antão vaz é uma má casta, ou não houvesse uma multidão de defensores, além da tradição – coisa que aprecio. Simplesmente não gosto.
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O enólogo Paulo Laureano prometeu-me conversão, que haveria de me dar a beber vinhos de antão vaz que me mudariam a opinião. Tive de aceitar o desafio, até porque é interessante. Outra contradição: bebi um antão vaz maravilhoso, onde senti, pela primeira vez e na sua forma mais nítida e agradável, coentros – o primeiro Solista, da Adega Mayor, que foi feito pelo Paulo Laureano.
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Abomino Vinho Verde tinto! Pretendo continuar. Não querendo ser egocêntrico, não quero que tentem fazer Vinhos Verdes tintos para quem não gosta de Vinho Verde tinto. Deixem-no estar com sua tradição e enquadramento na mesa e de mais cultura.
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O enólogo Domingos Soares Franco disse-me que se está a revelar – nos ensaios científicos realizados – que a sousão do Douro não é a vinhão do Vinho Verde, sendo apenas aparentadas. Como se percebeu, vinhão está «out», sendo que no Douro tendo a não ser grande fã da sousão, mas faz parte do todo e tempera.
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Há uns anos nutria uma embirração pela sauvignon blanc como a que sinto pela antão vaz. Tenho de dar a mão à palmatória, em Portugal há bons néctares desta cultivar.
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Esta já outro dia referi. Quando comecei a prestar mais atenção e tempo ao vinho, como qualquer novato, deixei-me levar por bocas alheias. Pateticamente disse mal da cabernet sauvignon. Gosto e gosto muito.
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Mais sucinto porque tenho menos para explicar: taninos e bolhinhas, não obrigado. Dispenso espumantes de baga ou doutra tinta.
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É por preguiça, por uma infantil «parece mal», por uma infantil e insegura «se não escreve é porque não sabe de vinho», que escrevo notas de prova. Na grande maioria das vezes é o mesmo que comentar o tipo de letra do rótulo. Além de que não conheço ninguém que ande pelos supermercados e garrafeiras à procura dum vinho que tenha frutos do bosque ou notas de eucalipto. Às vezes justifica-se, mas nenhum vinho é bom ou mau por ter odor a violetas.
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Embora goste de vinho com madeira, mesmo marcada, mas não sou caruncho. Beber fósforos ou tarolos não quero.
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Chateiam-me os tintos «oak free»... não tenho paciência e não bebi nenhum que não me cansasse depressa.
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Outro dia, num concurso, três vinhos diferentes eram iguais. Brancos de tangerina e madeira fumada. Oh tédio!
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Penso que se exagera nos elogios que se fazem à fruta que se sente num vinho! Também às flores, mas sobretudo à fruta. Há tanto mais que me fascina: os vegetais – maravilha – os minerais – abençoados. Na fruta, uma grande excepção: os citrinos – a laranja é a minha fruta favorita, bebo limonadas sem açúcar... é feitio!
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A grande embirração é ser-se o que não se é. O legislador – ao longo das épocas – teve por certo que uma denominação de origem controlada (DOC) significa ser melhor do que regional ou do que vinho de mesa. Por isso, ou talvez também por isso, que hoje há topónimos portugueses onde entra o syrah ou a cabernet sauvignon. Bom vinho é bom vinho! Tradição é tradição. A Bairrada entristece-me por isso – e é terra de belíssimos produtores e gente muito séria. Atenção: usar castas estrangeiras numa DOC não é falta de carácter nem de seriedade.
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Não sei se sou muito levado a sério pela malta do vinho. Escrevo esquisito, invento palavras, marimbo-me para a – desculpem – plebeia consideração acerca da relação entre a qualidade e o preço... qualidade é qualidade, raridade é raridade, marca, é marca... ou tenho dinheiro para ter ou não compro ou protesto.
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Não sei se sou levado a sério ou se pensam que sou amalucado – tenho-me vindo a aperceber, mas nem é novidade, é uma constante, pelo que não me surpreende que o pensem – pois por vezes digo umas coisas que causam uns sorrisinhos e umas expressões que mo fazem pensar nessa hipótese. Mas estou literalmente nas tintas, até porque não é de hoje. Além de que é comum nos artistas, coisa que cada vez mais penso ter de nascimento: já me assumo como poeta e reconheço que fiz um grande erro em não ter estudado Belas Artes.
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Este parágrafo é importante, porque outro dia repeti um vinho e surpreendi-me. Muito bem surpreendido. Gosto de descobertas. É por causa dos sorrisinhos e comentários que – por respeito ao produtor – não citarei o vinho, pois posso ser mal interpretado, como fui, podendo causar, se interpretarem da mesma forma, a sensação de estar a querer ridicularizar o vinho.
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Nele encontrei o que nunca esperei ou experimentei: o perfume do haxixe.
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Por que não? Se há acetona, alcatrão, fermento de pão, brioche, pimento, coentros, esteva, tangerina, lenha de azinho... por que não haxixe? Eufemisticamente: meta-eucalipto!
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A expressão fica aquém e é pouco rigorosa...
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Cheirava a haxixe e essas raridades valorizo muito.

Quietude

Chegou e logo flor secreta despontou e se abriu.
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O céu de Sol colado às janelas.
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Num desmaio mergulhou em todos os sonhos atrasados.
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Nem uma onda de quarenta metros lhe levaria o suave sorriso.
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Dormido quieta, seda correndo como um rio.
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Diante de mim uma felicidade sossegada.

quinta-feira, julho 24, 2014

Dúvida nutricional

Os hidrocarbonetos são hidratos de carbono?
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Nota: A assinatura artística obra parece a denominação duma empresa. Mas não, são dois artistas que criam em conjunto. São eles David McDermott e Peter McGough.

Bebidas brancas

Deixei de beber bebidas brancas. Há vinte e oito anos que não toco em leite.
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Nota: Não me lembro se já tinha postado esta minha criação palerma...

O decote

Pára de olhar para mim dessa forma, porque só penso nisso.
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Não oiço o que dizes, tenho os olhos presos.
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Intuí uma pergunta...
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– Hum, hum...
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Espero que não voltes a falar-me no assunto, pois não sei que.
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Ai!
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Pede que farei. Neste momento...
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– Sim, sim...
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Estão agarrados, os olhos...
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– Ah! Não, não...
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Que diz ela?
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– Hã?! Claro que te estava a ouvir.
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Vou pensar em História das Civilizações Pré-Clássicas... não! Nessa tive dez...
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Vou pensar em Epigrafia!... A memória da matéria e das aulas às oito horas da manhã de sábado é infalível.
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Ufa!

segunda-feira, julho 21, 2014

Alfazema

Esta noite espreitei-te. Dormias quase nua numa cama de lençóis amarrotados.
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Tão delicadamente sensual que estavas num quadro, e a moldura era feita com flores de jacarandá.
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Por sugestão da cor senti-me levitando nos aromas de alfazema.
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Sonhava e sonhei-te dentro doutro.
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Lá eras a princesa Al Khozama, moira de olhos grandes.
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Tão grandes que os meus versos se faziam pequenos.
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Enquanto dormias, sonhava que sonhava contigo e que os meu dedos delicados como uma abelha te acordariam.
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Chamei-me Apis e como abelha poisei-te.
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Na boca como se beijasse, e estremeceste.
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Levantaste a camisa e revelaste os seios mais belos que alguma vez verei.
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Toquei-lhes como se beijasse, e estremeceste.
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Trabalhador, abelha poisei até que te fosses acordando, levando os dedos, aos poucos, onde se guarda uma força de dor e prazer.
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Estremeceste e acordaste à velocidade do regato que te nascia.
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Acordei dos dois sonhos desesperadamente homem.
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Só, desejei-te e não podendo ter-te, voltei a sonhar que era uma abelha que poisava na alfazema e a fazia perfumar o ar com o prazer.

Tempo

Oiço o pêndulo do relógio antigo. Diz-me cedo ou tarde. Tardas. Quando vens, vens descrente e eu carente sou crente de que te tocarei a pele mais fina e a pele mais molhada.
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A minha será a primeira boca. Se acreditares, será a tua primeira com a minha. Tremo das mãos pela longa espera.
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A noite é longa e o dia é quente. Quantas horas irão passar desde que te converto em Vénus?
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Articulo quente uma prece profana, com que espero encantar-te.
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Sabes magias e a tua boca murmura bruxedos.
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Esforço-me para sobreviver aos beijos, para que te possa levantar e voarmos.
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Contigo cair, beijar e reerguer. Subir e cair até cair a noite, até subir a manhã.

Sonho de sempre

Diante e sem mexer os olhos. As mãos sabem para onde ir e esse vestido é desnecessário. Como tirá-lo se não consigo desviar o olhar? O teu riso nervoso confirma a vontade que desejo.
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Se fechar os olhos para beijar não sei quanto tempo irei depois levar a sintonizá-los com os teus. Se os mantivermos abertos sabe-se lá.
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Desisto e desaperto-te. Quase te revelo a completa nudez. Com a mão perguntas-me se estou pronto.
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Liberto-te e confirmo a beleza que sonhei ser o teu peito. Mais lenta, deixas-me numa trapalhada de roupa. Há-de sair, seja antes ou depois do que nos servir de cama.
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Será verdade e na fome seguinte comeremos uvas e mataremos a sede com melancia.
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Nus e banhados em suor e sumo, cairemos em beijos de vinho.
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Tudo entornado num lençol que se esquecerá, mas que o sono tratará de sonhar muitas vezes.

Na frente da casa há um jardim francês com buchos e labirintos

Não te quero perder nem tampouco ver-te voar sozinha num balão de ar quente com o rosto iluminado, numa viagem curta para tanta saudade.
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Não te quero perder e quero um jardim, onde te possa encontrar nas brincadeiras infantis de quem ama muito.
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Uma casa muito grande para no Inverno jogar às escondidas.
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O jardim desenho-o e nele árvores de nós. Não vão crescer, nascerão crescidas, para que dêem logo sombra e perfume.
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A água e o seu palrar refrescante. Aos mouros copio os com regatos falsos em tijoleira e azulejos ricos de azuis, verdes e brancos.
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Como um sultão, tu como a única odalisca do harém.
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Melhor do que regatos, um dédalo a indicar caminhos para todas as partes.
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Relvado bravio e suas flores. Para os dias melancólicos um prado de muitas pétalas de cultivo.
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Uma ilha cercada largo. Será que um rio cabe num jardim? Cabe neste meu sonhar. Nela ciprestes e uma casa aberta à volta, onde os corpos se deitam para fazerem amor e depois suspirar comendo frutas do pomar.
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Sem mais ninguém, apenas nós. Recantos de bosques e neles esconderijos onde os corpos se deitam para fazer amor e depois suspirar comendo frutas do pomar.
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Ainda que plano e levemente ondulado, o jardim terá fontes e numa brotará de água quente para lembrar termas. Todas limpas e brilhantes, como os teus olhos verdes.
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Um pavilhão grande, cruzado pelos caneiros mansos de água a cantar ladainhas. Paredes de cortinas brancas, ondulando para que luz e penumbra enfeitem água e azulejos. Nele, deitados faremos amor e depois suspiraremos comendo frutas do pomar.
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Que árvores na floresta? Tem mesmo de passar um rio, doutra forma os salgueiros viveriam tristes, provavelmente raquíticos de sede.
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Na ilha só ciprestes, com suas sombras finas e verde heráldico. Ciprestes só na ilha, para que outras possam ter espaço para graçar.
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Uma floresta misturada onde árvores e ervas têm sítio certo.
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Vou cansar-me de dizer... não direi, são muitas. Acho que não falta nenhum que na nossa terra viva, assim como as ervas.
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Trevos e neles os da sorte. Erva-moura, claro. Heras para estragarem as paredes da casa. Umbigos-de-vénus, claro. Erva-abelha, claro.
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Parece o Paraíso e com amor tão grande até cabem urtigas, erva-da-inveja, viperina, erva-mosca, erva-vespa e os perigosos medronheiros. Sem medo, que haja figueiras-do-demónio, que aqui ninguém acredita que o estramónio sirva o triste Diabo.
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Figueiras-da-índia para picar os dedos, figueiras de toda a espécie – convencido que possa ter sido uma figueira a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
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No pomar, as amigas macieiras e pereiras. As pecaminosas ginjeiras e cerejeiras. Marmeleiros para doces de Inverno. Romaneiras que para fazerem filhos às laranjeiras, e ainda limoeiros e muitos citrinos.
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Videiras de bago grande. Videiras de vinho, claro – alguém há-de apanhar a fruta e fazer o vinho que se beberá à sombra nos calores e no resguardo do tempo do frio. As videiras se fossem árvores seriam a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
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Um olival antigo e secular, árvores tão mais largas do que um abraço. As oliveiras da paz. Algumas até viram Cristo.
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Uma árvore de Natal.
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Pássaros a fugir de gatos que fogem de cães. Cantam e outros não mordem, só brincam.
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Não é muito para alegria, redes de balanço e preguiça.
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Jardim de florestas onde os corpos se deitam para fazer amor e depois suspirar comendo frutas do pomar.
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Floresta de fruteiras onde os corpos colhem a saciação que o amor pedir.
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Quero por lá perder-te para te poder encontrar. Para nos deitarmos a fazer amor e suspirar.
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Nota: Este trabalho anónimo faz parte da Colecção Real de Pinturas de Jodhpur, do Museu de Mehrangarh – Índia. Trata-se dum conjunto de obras executadas entre os séculos XVII e XIX, estando esta datada de 1830. A imagem que encabeça o poema é um pormenor da obra em que Jallandharnath e a princesa Padmini voam sobre o palácio do rei Padam.
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terça-feira, julho 15, 2014

A básica diferença entre cão e gato

Todos os gatos têm segredos. Todos os cães têm certezas.
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Nota: Que pintura tão «fofinha»... blheck!

A música da minha vida

Em quarenta e quatro anos cabem muitas músicas. Umas herdam-se outras brincaram-se, adolescentaram-se, maturaram-se, irritaram, desirritaram, irritaram e irritarão, umas alma-enchetes e outras de olhos-esvaziantes, de saudade e raiva, eruditas ou brejeiras, enormes e imortais, limonadas e de dor de corno.
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Uso camisas com colarinho cinquenta e dois (acho) e o número de calças, ainda que no mesmo padrão europeu, variam tanto que não há cifra citável. Calço quarenta e quatro, a subir para o quarenta e cinco e peso hoje cento e dez quilogramas.
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A música que me veste melhor – de sempre e por mais tempo – a mulher que eu amo é remédio para tudo. Escutem a confissão que vos faço.
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Nota: Obrigado Alexandre Sarrazola por me mostrares esta versão electrizante.

Timidamente escrevo descaradamente e descaradamente pinto acobardadamente

Levito ou fico sentado à espera que os anos me vistam um roupão pesado e calcem umas pantufas quentes? Levito ou passo o serão com um cão peludo, fiel e amigo, que abana o rabo quando falo com ele?
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Levito porque não sei voar.
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Algumas pessoas ganham asas, não nasceram com elas. Há quem as corte. Há quem depois disso as chore. Há momentos de tarde demais.
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Não sei voar. Nasci sem saber. Não tenho asas, perdi-as... não disse que se perderam, que mas arrancaram ou roubaram.
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Não me quero lembrar se as cortei ou se não. Evito olhar para trás a ver se as vejo. Devo tê-las cortado e destruído – há tanta coisa de que me não lembro. Sempre tive uma tendência de estragar, estragar-me. Melhor dizendo: merdificar – me e à utilidade.
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Em contra partida levito. Entre levitar e voar há grandes diferenças, além das óbvias. Quem voa, quem se atreve, cai, muitas vezes cai, e muitas vezes com estrondo, mas voa ou tenta. Alguns arrependem-se com dores e outros são pássaros teimosos. Alguns voadores conseguem viajar. Outros sabem pairar sobre a vida, ascender e descer picado e em golpe de rins traçar novo voo.
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Os levitadores são os derrotados. Têm medo do risco e vão baixinho não vá alguém reparar que não têm os pés no chão. São excêntricos como os voadores, mas não demasiado excêntricos. São cobardes e os cobardes nem dó costumam gerar.
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Alguns levitadores, mais afoitos, sobem degraus levitacionais. Essas alturas habitualmente acontecem nos segredos.
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Há uns tempos que decidi assumir-me, já não tenho paciência para esconderijos. No entanto nunca arrisquei voar... só o digo agora e acrescento que tanto sonhei!... levito apenas e não o devia fazer de modo tão aberto... ou sim, não sei. Não sei, não sei...
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Falhado e descarado – assumido, como disse – até revelo a minha derrota. Tomam-me por estúpido – o que nem tem nada a ver, parvoíce ainda vá, mas estupidez não tem cabimento –, pois ou não acreditam ou não vêem ou não querem saber ou julgam-me tontinho ou, na melhor hipótese, louco. Nalgumas situações tomam-me por bêbado, mas aí é hábito acertarem.
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Ninguém me ensinou a levitar. A minha mãe sempre achou que eu voava livre e alto como um balão de ar quente. O meu pai – que é voador – orgulhoso dizia que eu sabia voar melhor do que ele. Amores, amores, amores, olhos que vêem o que o coração sugere.
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É triste! Levito vagarosamente e sonho que sei voar... levito cada vez menos, porque tem aumentado a dor de não voar.
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Confesso que desisti de voar. Ainda ensaiei o voo e recuei. Limito-me a saber levitar e ainda assim hei-de arrepender-me sempre, mesmo que me contente só com levitanços.
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Ficarei assim à espera que a vida me dê o que desejo e nada farei para o conseguir. Já chorei demasiadas vezes por não ter tentado voar e choro quase todos os dias por dizer que é tarde e lamentar ter cortado as asas. Choro por antecipação duma situação inverificável: não tentarei voar, pelo que ninguém se rirá se for patético a bater asinhas.
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Levito e convenço-me que sou bom numa coisa ou duas, embora ninguém confirme – até desmentem de formas prática e subtil. Resumindo: quando levito, e não é às escuras, sou risível e patético. Não serei bom – não sou, já percebi – em nada.
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Levito enquanto sonho que sou capaz de voar. Depois é loucura e desprezo – perguntaram-me uma vez se não tinha amor-próprio. Nunca tinha pensado nisso e não respondi. Não devo ter, não voei.
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Não tenho amor-próprio, porque insisto em fazer aquilo que penso saber fazer e que – na verdade – poucos reconhecem uma unha cortada de competência.
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Se enganei alguém? Enganei, mas não por mal. Não enganei os pais, pois trataram de o fazer sozinhos. Enganei-me e fiz crer ser algo que não sou. Enganei-me ao desistir das asas. Engano-me na cobardia de pouco levitar.
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É muito cedo para balanço de vida – não me lembro que contrato assinei antes de entrar nesta vida, pelo que talvez o julgamento até nem seja prematuro. É tarde para o não fazer.
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Disse-me:
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– Mais vale perder dois anos do que a vida toda.
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Perdi esses dois anos – que estavam certos – e perdi o resto da vida. Nunca é tarde? Tivesse eu paciência ou vontade. Cobardia!
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Condenado a coisa nenhuma. Na velhice de anos merificados tentarei e sei que vou cair morto no chão, com o cão a suspirar a meu lado e os gatos de olhos arrelampados.

domingo, julho 13, 2014

Levitações

Levito e levita o meu pensamento, que é denso e estúpido, sobre a certeza da incerteza.

Dispenso moralismos

Estou farto de palavras e dos números que somam. Dêem-me gelados. Quero beijos. Quero os momentos depois do sexo do sexo que me é devido. Quero dormir à tarde. Não quero trabalhar. Quero teletransportar-me. Quero dinheiro. Quero muito dinheiro. Quero ser um dos homens mais ricos do mundo para não ter de pensar em dinheiro. Quero mergulhar numa piscina de neve carbónica. Quero endireitar pregos com o martelo para esmagar o tédio e ter uma razão para me queixar duma dor qualquer.
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Estou exausto. Cansado de mim. Cansado de confundir esta casa com a anterior. Cansado dos jogos do mundial de futebol. Muito cansado dos comentários dos especialistas em banalidades de futebol.
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Estou muito cansado. Um cansaço autoritário que me ordena que trabalhe. Uma vontade resistente à ditadura do tem. Nem jogar computador. Estou com uma hemorragia nas cabeças dos dedos, são elas que inventam as escrituras, pois vão tão rapidamente pelo meu cérebro – só consegue dar autorizações para que teclem.
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Preciso cair. Desmaiar. Morrer. Qualquer coisa que abata o tédio e a desvontade de trabalhar.
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Preciso de pelo menos um milhão de euros.
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Dispenso moralismos.

O Sarrazola e eu

Escrevo poemas toscos de contra-senso barroco.
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O Sarrazola escreve poemas finos, de arestas vivas por serem tão polidas.
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Escrevo poemas a respirar.
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O Sarrazola escreve poemas a doer de parto.
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Faço tudo em bruto, aos trambolhões da cabeça abaixo.
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O Sarrazola escreve pensando. Volta a pensar, rasga, pensa, escreve, rasga, rescreve e escreve.
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Desculpo-me no argumento do genuíno, no poema-bom-selvagem.
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O Sarrazola diz-me para limpar a sujidade do quase improviso.
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Escrevo acreditando na inspiração.
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O Sarrazola escreve com trabalho.
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Acredito em musas...
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O Sarrazola...
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Acredito no talento e no talento do Sarrazola e convenço-me que tenho algum.
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O Sarrazola...
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Escrevo poemas num blogue – serão eternos.
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O Sarrazola escreve livros pequenos.
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Os meus poemas ficarão esquecidos na multidão da internet e os que terão uma mão de fora estarão maltratados pelo tempo.
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O Sarrazola estará nas bibliotecas e será citado.
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Gostaria de um dia ser reconhecido, mas suicido-me a cada poema que escrevo.
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O Sarrazola escreve poesia e sabe escrevê-la.
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Tenho preguiça.
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O Sarrazola sua das palavras.
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Sou leviano.
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O Sarrazola é fiel.
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O Sarrazola é um grande poeta e gostava-o maior que.
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Sou um malabarista e detesto circo. Como toda arte morta circense, nem mesmo eu me lembro do que escrevi.
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O Sarrazola é um grande poeta.
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Nota: Dedico este meu poema ao meu grande amigo Alexandre Sarrazola, que publica na editora Averno – editora pequenina mas muito séria.

Auto-entrevista a um poeta que ainda treme de medo de ridículo por assumir que o é

Perguntou ao poeta um homem ou mulher ou juvenil curioso:
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– Senhor poeta, o que é uma musa?
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– A musa é uma fonte de inspiração.
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– Todos os poetas têm musas?
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– Acho que sim... mas haverá alguns que dirão que não têm, porque não sabem ou farronca materialista. Todos os poetas e todos os artistas... até os criadores filosóficos, físicos e matemáticos.
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– E inspiração, todos os poetas têm?
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– Alguns dirão que não, que é só trabalho. Mas sem inspiração, escrever poesia será tão oficinal quanto fazer sapatos ou ladrilhar o chão. Os outros, os que acrescentei, também.
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– Fazer sapatos ou ladrilhar o chão são indignos dos poetas? Valem menos do que a poesia?
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– Nada disso. Há certamente sapateiros, ladrilhadores ou outros oficiais que serão inspirados. Não são é tão óbvios... foi um exemplo. Tal como há poetas sem inspiração ou talento. Deixa-me corrigir, sem inspiração, a poesia é letra, tenha ritmo ou rima, como a sola ou o prego.
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– O talento, julgo, nasce connosco...
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– Nasce, mas se não o trabalharmos não medra.
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– E sem inspiração?
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– Digo-te o mesmo que há pouco, sobre o trabalho.
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– E o talento, há inspiração?
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– Sim, há... certamente medíocre. Talento sem inspiração e talento e inspiração sem trabalho são palavras mortas, estéreis ou inanimadas.
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– Voltamos às musas...
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– Mais reais do que sereias... também as há, e muitas.
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– Dragões?
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– Os dragões podem ser medos, consomem-nos dando-nos como carne a nós mesmos.
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– Que comem as sereias?
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– Ilusões várias... algumas muito pirosas.
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– De que se alimenta uma musa?
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– De tusa!
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– São reais, então... as musas?
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– Quase todas.
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– As musas sabem que são musas?
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– Algumas saberão.
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– Os outros, os paisanos... sabem das musas? Conhecem as musas dos poetas?
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– Alguns sim, uns concordam outros discordam. Podem só conhecer a musa da letra e não o seu corpo de carne e pensamento.
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– Os poetas têm sempre musas?
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– Às vezes não. Vão e vêm. Umas partem e outras chegam.
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– Se é tusa o seu alimento... o que acontece com a disfunção eréctil do poeta?
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– Do poeta ou da poetisa... a disfunção eréctil está na cabeça, sonho e língua, no talento, na inspiração e no trabalho.
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– As musas permitem tudo?
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– Tudo. Tudo. Tudo.
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– Tudo?
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– Tudo, desde que a carne do poema não queira morder a carne da musa.
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– Tens alguma musa?
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– Tenho!... e muita tusa. De fome não morrerá.
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Nota: Devo este texto ao verso inspirado de Fernando Grade, «Exclamativo à porta da cidade»:
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– Não há tusa
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Para tanta musa!