Perguntou ao poeta um homem ou mulher ou juvenil curioso:
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– Senhor poeta, o que é uma musa?
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– A musa é uma fonte de inspiração.
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– Todos os poetas têm musas?
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– Acho que sim... mas haverá alguns que dirão que não têm,
porque não sabem ou farronca materialista. Todos os poetas e todos os
artistas... até os criadores filosóficos, físicos e matemáticos.
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– E inspiração, todos os poetas têm?
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– Alguns dirão que não, que é só trabalho. Mas sem
inspiração, escrever poesia será tão oficinal quanto fazer sapatos ou ladrilhar
o chão. Os outros, os que acrescentei, também.
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– Fazer sapatos ou ladrilhar o chão são indignos dos poetas?
Valem menos do que a poesia?
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– Nada disso. Há certamente sapateiros, ladrilhadores ou
outros oficiais que serão inspirados. Não são é tão óbvios... foi um exemplo. Tal
como há poetas sem inspiração ou talento. Deixa-me corrigir, sem inspiração, a
poesia é letra, tenha ritmo ou rima, como a sola ou o prego.
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– O talento, julgo, nasce connosco...
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– Nasce, mas se não o trabalharmos não medra.
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– E sem inspiração?
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– Digo-te o mesmo que há pouco, sobre o trabalho.
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– E o talento, há inspiração?
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– Sim, há... certamente medíocre. Talento sem inspiração e
talento e inspiração sem trabalho são palavras mortas, estéreis ou inanimadas.
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– Voltamos às musas...
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– Mais reais do que sereias... também as há, e muitas.
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– Dragões?
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– Os dragões podem ser medos, consomem-nos dando-nos como
carne a nós mesmos.
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– Que comem as sereias?
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– Ilusões várias... algumas muito pirosas.
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– De que se alimenta uma musa?
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– De tusa!
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– São reais, então... as musas?
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– Quase todas.
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– As musas sabem que são musas?
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– Algumas saberão.
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– Os outros, os paisanos... sabem das musas? Conhecem as
musas dos poetas?
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– Alguns sim, uns concordam outros discordam. Podem só
conhecer a musa da letra e não o seu corpo de carne e pensamento.
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– Os poetas têm sempre musas?
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– Às vezes não. Vão e vêm. Umas partem e outras chegam.
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– Se é tusa o seu alimento... o que acontece com a disfunção
eréctil do poeta?
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– Do poeta ou da poetisa... a disfunção eréctil está na
cabeça, sonho e língua, no talento, na inspiração e no trabalho.
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– As musas permitem tudo?
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– Tudo. Tudo. Tudo.
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– Tudo?
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– Tudo, desde que a carne do poema não queira morder a
carne da musa.
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– Tens alguma musa?
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– Tenho!... e muita tusa. De fome não morrerá.
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Nota: Devo este texto ao verso inspirado de Fernando Grade, «Exclamativo à porta da cidade»:
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– Não há tusa
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Para tanta musa!
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