digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, julho 15, 2014

Timidamente escrevo descaradamente e descaradamente pinto acobardadamente

Levito ou fico sentado à espera que os anos me vistam um roupão pesado e calcem umas pantufas quentes? Levito ou passo o serão com um cão peludo, fiel e amigo, que abana o rabo quando falo com ele?
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Levito porque não sei voar.
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Algumas pessoas ganham asas, não nasceram com elas. Há quem as corte. Há quem depois disso as chore. Há momentos de tarde demais.
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Não sei voar. Nasci sem saber. Não tenho asas, perdi-as... não disse que se perderam, que mas arrancaram ou roubaram.
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Não me quero lembrar se as cortei ou se não. Evito olhar para trás a ver se as vejo. Devo tê-las cortado e destruído – há tanta coisa de que me não lembro. Sempre tive uma tendência de estragar, estragar-me. Melhor dizendo: merdificar – me e à utilidade.
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Em contra partida levito. Entre levitar e voar há grandes diferenças, além das óbvias. Quem voa, quem se atreve, cai, muitas vezes cai, e muitas vezes com estrondo, mas voa ou tenta. Alguns arrependem-se com dores e outros são pássaros teimosos. Alguns voadores conseguem viajar. Outros sabem pairar sobre a vida, ascender e descer picado e em golpe de rins traçar novo voo.
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Os levitadores são os derrotados. Têm medo do risco e vão baixinho não vá alguém reparar que não têm os pés no chão. São excêntricos como os voadores, mas não demasiado excêntricos. São cobardes e os cobardes nem dó costumam gerar.
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Alguns levitadores, mais afoitos, sobem degraus levitacionais. Essas alturas habitualmente acontecem nos segredos.
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Há uns tempos que decidi assumir-me, já não tenho paciência para esconderijos. No entanto nunca arrisquei voar... só o digo agora e acrescento que tanto sonhei!... levito apenas e não o devia fazer de modo tão aberto... ou sim, não sei. Não sei, não sei...
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Falhado e descarado – assumido, como disse – até revelo a minha derrota. Tomam-me por estúpido – o que nem tem nada a ver, parvoíce ainda vá, mas estupidez não tem cabimento –, pois ou não acreditam ou não vêem ou não querem saber ou julgam-me tontinho ou, na melhor hipótese, louco. Nalgumas situações tomam-me por bêbado, mas aí é hábito acertarem.
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Ninguém me ensinou a levitar. A minha mãe sempre achou que eu voava livre e alto como um balão de ar quente. O meu pai – que é voador – orgulhoso dizia que eu sabia voar melhor do que ele. Amores, amores, amores, olhos que vêem o que o coração sugere.
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É triste! Levito vagarosamente e sonho que sei voar... levito cada vez menos, porque tem aumentado a dor de não voar.
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Confesso que desisti de voar. Ainda ensaiei o voo e recuei. Limito-me a saber levitar e ainda assim hei-de arrepender-me sempre, mesmo que me contente só com levitanços.
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Ficarei assim à espera que a vida me dê o que desejo e nada farei para o conseguir. Já chorei demasiadas vezes por não ter tentado voar e choro quase todos os dias por dizer que é tarde e lamentar ter cortado as asas. Choro por antecipação duma situação inverificável: não tentarei voar, pelo que ninguém se rirá se for patético a bater asinhas.
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Levito e convenço-me que sou bom numa coisa ou duas, embora ninguém confirme – até desmentem de formas prática e subtil. Resumindo: quando levito, e não é às escuras, sou risível e patético. Não serei bom – não sou, já percebi – em nada.
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Levito enquanto sonho que sou capaz de voar. Depois é loucura e desprezo – perguntaram-me uma vez se não tinha amor-próprio. Nunca tinha pensado nisso e não respondi. Não devo ter, não voei.
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Não tenho amor-próprio, porque insisto em fazer aquilo que penso saber fazer e que – na verdade – poucos reconhecem uma unha cortada de competência.
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Se enganei alguém? Enganei, mas não por mal. Não enganei os pais, pois trataram de o fazer sozinhos. Enganei-me e fiz crer ser algo que não sou. Enganei-me ao desistir das asas. Engano-me na cobardia de pouco levitar.
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É muito cedo para balanço de vida – não me lembro que contrato assinei antes de entrar nesta vida, pelo que talvez o julgamento até nem seja prematuro. É tarde para o não fazer.
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Disse-me:
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– Mais vale perder dois anos do que a vida toda.
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Perdi esses dois anos – que estavam certos – e perdi o resto da vida. Nunca é tarde? Tivesse eu paciência ou vontade. Cobardia!
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Condenado a coisa nenhuma. Na velhice de anos merificados tentarei e sei que vou cair morto no chão, com o cão a suspirar a meu lado e os gatos de olhos arrelampados.

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