O teu ar doce é frágil e força. Olhos de choro e boca de
beicinho. Quando te dou a mão, entregas-me o corpo. Se te sorrio, beijas-me. Se
te dou o corpo, seduzes-me, numa guerra relâmpago, sem tréguas com beijos
prisioneiros. Num encaixe de macho e fêmea, os lábios e as águas. Abraços de mais
de dez metros de fundura. Todo o amor, toda a ternura.
digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
terça-feira, janeiro 31, 2012
Magneto
Tenho sono ou é a morte? É um túnel e lá uma luz, além do
escuro. O corpo levanta-se, parecendo leve como o dum espectro. Num arrepio, voo…
não, levito. Oiço uma surdina abafada, não distante. A luz chama-me, sem uma voz…
ouvem-se apenas alguém que conversa e alguém que chora. Os olhos fecham-se, mas
os músculos do pescoço aterram-me. A cabeça já foi, mas o corpo resta, o tronco.
Uma mão puxa e outra empurra. Tenho sono ou é a morte? Ou é a mesma coisa?
segunda-feira, janeiro 30, 2012
Saúl
– O Saúl era mesmo brincalhão…
– Pois era, que saudades…
– Pois era, que saudades…
– Sempre na reinação… ai, ai…
– Lá onde está, tenho a certeza que está a fazer rir toda a
gente.
– Que Deus o tenha em descanso…
– Já o estou a imaginar, no cemitério, a fazer caretas aos
outros mortos.
– Ahahahah!... Também acredito que sim…ai, que ponto… era mesmo brincalhão…
És preciosa, amor
– Tens olhos de rubi, sorriso de ouro e a tua cabeça é como um diamante...
– Uau!... porquê tantos elogios?…
– É a verdade… tens os olhos encarnados, os dentes amarelos
e és dura de cabeça.
sábado, janeiro 28, 2012
Concorde
Noite triste como a do Natal, fria e seca. Arrepios de
arrependimento e fantasmas, cortando o calor do aquecedor. Há Vinho do Porto,
mas falta o bolo-rei. Noite tão fria e sem um gelado de caramelo ou baunilha. Tenho
sono e vontade de vigília, para que os sonhos pesados não me quebrem a respiração
e as lágrimas possam ter fonte. O Brasil tão longe, desconhecido e imenso. Como
será o céu nocturno de São Paulo? E o vento do Rio de Janeiro? Que calor faz em
São Salvador da Baía? Se pudesse apanhava o Concorde e voava para a Lua ou para
onde a areia se esquece esta noite tão triste.
Feitiço
Por que o sexo é bom? Para alguns porque dele nasce a vida…
mas e o orgasmo? Ah! É dele que nasce a bondade e um seu antónimo, a perversão.
É nele que cresce amor e um seu antónimo, a perversão. É nele que nasce o prazer e um seu antónimo, a dor. É o alerta de que a
missão reprodutora chegou ao fim… ou de que a pila já satisfez uma vontade
concegadora, escarafunchosa e impertinente… O sexo é um feitiço. E de feitiço surgiu fetiche, coisa perversa de cama.
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Sem química não há física, falo do instinto quase impossível
de definir que leva à cama. Mais do que apenas olhar, o cheiro, o comum e o que nota
as feromonas.
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Se o sexo é vida, o abandono do corpo e da mente leva à
sensação de morte… garanto, porque passei o túnel e a espiral e experimentei a
leveza e a alvura calma e inebriante… e experimentei orgasmos. O orgasmo é uma dor boa, onde o egoísmo
rima com o prazer egoísta de dar prazer.
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Por que o sexo confunde? Porque a sua bondade afirma amar,
mesmo quando tudo não passa de ilusão efémera, fruto do psicotrópico das endorfinas,
psicadélica e aliviadora.
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Por que o sexo é mau? Porque os prazeres egoístas lembram
um pecado, o judaico-cristão, ou só cristão, do prazer. Uma agonia irritante,
que estimula ainda mais o prazer, como se fosse contra-natura.
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Sim, depois há o amor. Coisa que não tem nada a ver, que
congratula, legitima, felicita, justifica…
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Por que o sexo engravida tantas palavras?
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Nota: A imagem é duma lucerna romana, datada entre o século I dC e o II dC.
quinta-feira, janeiro 26, 2012
Patachuqui
Lembrei-me de me pôr a ladrar. Porque sim, como os cães: alarme, saudação ou outra coisa que não sei, pois, verdadeiramente, nunca tive um cão. Sei que ladram e por muita coisa. Ladrei, ladrei e derreteu-se-me o coração. Se o Chuqui é divertido, a Patachuqui é um desespero: nunca faz o que lhe mandam. Na sua vida alegre e generosa, dá o que tem, com olhar bonito e o sorriso franco de sempre. Não sabe o que são horas, na distração de quem parece não ter nada para fazer. Mas é duma dedicação que faz qualquer pessoa dar ao rabo.
quarta-feira, janeiro 25, 2012
Nascer, ser ou estar, sentir parar crer
Não nasci cristão. Talvez o fosse antes de o fazer. Nasci sem
lembrança. Baptizaram-me e cri-me ateu. Fiz-me cristão. Por isso acredito mais
na minha fé.
terça-feira, janeiro 24, 2012
Dança
É a dançar que te sei dos segredos. Escondidos, entreolhando
tímidos os meus olhos descarados e curiosos. Não falo dessas partes óbvias do
prazer, mas doutra coisa, mais frágil, quase omissa… não sei definir. São
segredos. Luzes invisíveis, que iluminam, olhos e boca, e te inebriam, e
inebriam quem te vê dançando. Felicidade tão certa, em gente distraída. Segredos
que vivem nas fotografias e ficam na recordação fugaz duma noite sem mais de
memória. Segredos como os dos bosques, dos luares, dos verões e da paixão. Segredos
de diabo cocegueiro, amante seguro. Segredos que escondem o odor do suor da
dança e caçam a respiração, fogos de artifício de estrelinhas, espirais e cornucópias,
em cores claras e amor-vontade. Segredos que a chuva leva e as canções
recompõem. Nem fazendo amor se revelarão. Ainda bem, são segredos.
Dilema: poupança ou barriga cheia?
sexta-feira, janeiro 20, 2012
Luz
Para que tenho olhos se vivo no escuro. Se nunca vir a luz,
nunca conhecerei a sombra. Sei porque os passos, algures ali, me fazem pensar. Fora
isso. Sou virgem de Sol. Ainda ingénuo e ignorante, sou feliz. Se calhar só por
isso. Não sei. Fecho os olhos para pensar e dormitar, sonhando com todas as
cores. A luz seria um salto no meu conhecimento, penso que nunca a verei nesta
vida. Se fosse hipócrita rezava, sou apenas cínico e peço para ter fé de que um
dia conhecerei a luz do sabor das coisas.
Maré
Há a maré cheia e a beleza da maré baixa. Uma é cheia e
outra bela. Uma muita, gorda e abundante, plena. A baixa cria rios e entretenimentos.
O abuso duma contrasta com a magreza larga de vista da outra, com o horizonte de
areia, rios e nuances. Se bem que tudo possa ser trocado de lugar, a baixa
morre no princípio da manhã e renasce ao Sol poente. Prefiro andar, desejoso,
de mar a encher a cabeça de areia num mergulho ao primeiro passo.
quarta-feira, janeiro 18, 2012
Ainda que me chamem, não vou
Ainda que me interesses, vou-me. Ainda que a conversa me diga respeito, vou-me. Ainda que a curiosidade me chame, vou-me. Não por insolência. Não por protesto. Não por birra. Não dou conta e, não dando, finjo não ter dado conta. Não se faz nada onde não há nada para fazer.
Amor do espírito em pó
Se amo? é a mesma. É a outra, a de outrora, outrora. Não morta nem fantasma.
Corpo morto por velar. Corpo inconsumível. Múmia natural, ou não. Amor despedaçável ao toque. Corpus cristi. Relíquia de cera ou de madeira pintada. Senhor
dos passos em roxo, fingindo púrpura. Memória de dias que não existiram. Um dia,
além corpos, saldar-se-ão as contas. De um lado o avarento de mãos gordas,
insensato e insaciável voraz, do outro ossos frágeis, mumificados e em pó,
incorruptíveis, como se em aguardente conservados. Um beijo de defuntos, do
espírito e da memória em poeira.
terça-feira, janeiro 17, 2012
Jantar para um, com duas cadeiras, velas e música
Hoje há festarola cá em casa: convidei as minhas beibes… mas
nenhuma veio. Uma está lá, outra ainda mais para lá, outra tem um outro jantar,
a outra já nem se conta com ela, a outra idem, a outra também. Há uma que não
me fala, outra tem receio dos ciúmes que o marido possa sentir, outra não convidei por razões
óbvias e outra nem atende o telefone... e outra nem me lembrei.
.
Não há beibes, mas há jantar! Coisa desenrascada, coisa de
homem solteiro: ah, pois é! Não vêm, azar, como tudo sozinho, tudo, tudo, tudo.
Para que fiquem a babar pelo jantar para dois.
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É assim: massa torcidinha, que não me lembro do nome em
português e a que agora chamam fusili. Cogumelos de lata, na frigideira, com
tomate de lata, com alhos congelados, adicionados com vinho branco de Tetra
Pack, temperados com sal industrial sem sabor, orégãos de frasco e coentros
congelados. O azeite… o vinho...
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Estou em crer, que esta noite vai ser a valer…
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Tempo enevoado
Sou do tempo diferente, de quando era sempre noite e os dias
a preto e branco. Terão sido felizes, depois ficaram amargos. Nesse tempo,
havia avó… que saudades tenho dos quatro anos.
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Fantasma voando
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Por que
não a ausência? Se em vez da presença obsessiva, mas ausente e impositiva, me
tivesse abstinente de qualquer lembrança. Já que esqueceste tudo, apenas
recordas a marca tatuada, para quê lembrar o corpo morto, que, sem feder, assalta, fantasmagórico, nas noites de solidão ou pesadelo? Ainda que não tenha
cadáver, tenho espectro, plasmado e luminescente, voando, aparentemente errático,
a entrar-me nos sonhos, a despertar-me dos sonos. Por que não a ausência? Ainda
assim, mais acompanhado do que mal só. Por tudo, afasto os fantasmas, com orações.
Mas deixo um fino cordão, para que não voem para longe.
domingo, janeiro 01, 2012
Novidade do ano
O ano que agora começa quer acabar-nos com a vida,
troicar-nos a vida por cá e acabar com o mundo. Dizem os maias, o Nostradamus, o
vidente da aldeia, quatro profetas anónimos e uns quantos adivinhos famosos,
que a vinte e um de Dezembro será o fim! Falam no Diabo, nas forças do mal, mas
nisso não acredito. Seja como for, neste ano vou convidar algumas pessoas a
escreverem no infotocopiável e no joaoamesa… em português de dois mil e onze ou já com o
acordo ortográfico, com liberdade total, em torno do tema vinho. Até já, se o
mundo não acabar antes do previsto.
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