digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
terça-feira, fevereiro 28, 2017
segunda-feira, fevereiro 27, 2017
domingo, fevereiro 26, 2017
sábado, fevereiro 25, 2017
sexta-feira, fevereiro 24, 2017
quinta-feira, fevereiro 23, 2017
Carvalhas Memories – memória do século XIX
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Retrato de Sebastião José de Carvalho e Melo como reconstrutor da cidade de Lisboa, quadro da autoria de Louis-Michel van Loo.
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Há anos memoráveis e outros apenas uma fina camada de pó. Não
fiz levantamento do que se foi passando ao longo dos séculos. Detenho-me em
1867 por ser dessa data o tronco do Vinho do Porto que assinala os 260 anos da
Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro – mais tarde ganhou a
alcunha de Real Companhia Velha.
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Indaguei e descobri – benditos Wikipédia, estudos, livros e
memória – alguns factos interessantes acerca de 1867. Deixei de lado
nascimentos e falecimentos, memórias pouco relevantes, e escolhi eventos
significativos.
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Início das obras de canalização do Senne em Bruxelas.
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– Apesar de ter sido
quarta-feira, o dia 13 de Fevereiro assinala um evento tão idiota que representa
mil sextas-feiras 13! Os belgas começaram a fechar o Senne, para traçarem
avenidas. Já depois da segunda metade do século XX algumas canalizações
desactivadas foram convertidas em rodovias subterrâneas.
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Possivelmente a valsa mais conhecida do mundo.
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– Por falar em rios, dois dias depois estreou-se a valsa
«Danúbio Azul», de Johann Strauss, na Exposição Internacional de Paris – por onde
passa o Sena, não confundir com o Senne.
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Um atalho enorme.
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– Mais dois dias e passou o primeiro navio pelo Canal de
Suez.
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– A 1 de Março, o Nebrasca passou a fazer parte dos Estados
Unidos da América.
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Libreto de Joseph Méry e Camille du Locle.
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– A 11 de Março, em Paris, estreou-se a ópera «Dom Carlos»,
de Giuseppe Verdi.
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Um continente em transformação.
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– A 23 de Março, o Imperador Napoleão III comprou a Guilherme
III dos Países Baixos a parte que a Neerlândia detinha no antigo Grão-Ducado do
Luxemburgo – para ser rigoroso, o território pertencia ao Rei e não ao Reino. Note-se
que uma parte já se separara e fora integrada na Bélgica, durante a Revolução
Belga (1830-1839). Aquisição por França derivou em guerra com o Reino da
Prússia, que durou sete semanas e findou com o Tratado de Londres, assinado a
11 de Maio.
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– A 27 de Março, com a assinatura o tratado de paz entre o
Brasil e a Bolívia, fixaram-se as fronteiras nos rios Beni e Mamoré. A região de Acre
ficou para os bolivianos, mas em 1903 passaria a integrar o território
brasileiro.
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– O Canadá foi constituído a 29 de Março, juntando Ontário, Nova
Escócia, Novo Brunswick e Quebeque.
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– Alfred Nobel patenteou a dinamite a 7 de Maio.
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– A 20 de Junho, Andrew Johnson, presidente dos Estados Unidos
da América, comprou o Alasca a Alexandre II, imperador da Rússia.
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Império Austro-Húngaro.
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– A história da Alemanha – dos países germânicos e mais
alguns – é complexa. O Sacro Império Romano-Germânico existiu durante 844 anos,
findando em 1806. Dois anos antes de ser dissolvido foi criado o Império Austríaco, cuja
designação se prolongou até 1867. No espírito nacionalista, o Reino da Hungria
exigiu um estatuto superior, equiparando-se à Áustria. Assim, a 28 de Junho foi
constituído o Império Austro-Húngaro, que colapsou em 1918, na sequência da
Primeira Guerra Mundial.
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– O Canadá torna-se independente, no seio do Império
Britânico, a 1 de Julho.
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Confederação da Alemanha do Norte.
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– Nesse mesmo dia foi constituída a Confederação da Alemanha
do Norte.
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– O melhor momento do ano, em Portugal, foi a abolição da
pena de morte, a 1 de Julho. A última execução aconteceu em 1845, quando José
Maria, de alcunha «O Calças», foi enforcado em Chaves.
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Um livro que mudou a história.
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– A 14 de Setembro foi publicado o primeiro volume de «O
Capital», de Karl Marx.
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Garibaldi, um herói da unificação de Itália.
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– O século XIX ficou marcado pelo Romantismo, que além de
literário foi político. Nasceram diversos Estados baseados em conceito de
nação. Um deles foi Itália, um processo de unificação que deixou apenas de fora
a Cidade do Vaticano e a República de São Marino. A 27 de Outubro, o
nacionalista Giuseppe Garibaldi marchou para Roma, mas a cidade só foi tomada
em 1870.
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Teresa Raquin, um marco literário.
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– O século XIX não ficou marcado apenas pelo Romantismo. Oposto, o Realismo vincou as artes. Não tendo conseguido apurar as datas precisas, neste
ano foi publicado o romance «Teresa Raquin», de Émile Zola, considerado como
origem do Naturalismo, subcorrente sublimada do Realismo.
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E quanto ao vinho?
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O que se pode dizer dum vinho com 150 anos? Qualquer coisa
será demenos e qualquer coisa será demais. Podem verter-se adjectivos, mas
serão sempre substantivos. Não escrever nada, é nada.
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Valerá a pena contar se uma pequena elite o poderá provar?
Bem, há a história, a estética, a gula e a inveja. Apenas 260 garrafas de tawny
muito velho, cujo lote é 93% de 1867 e 7% de 1900.
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Rei Dom Luís reinava em 1867, pintura de autor não identificado.
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Rei Dom Carlos reinava em 1900, pintura de Alfredo Roque Gameiro.
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Os vinhos são como as pessoas: uns evoluem e outros não. Se há
gente boa que falece jovem e canalhas idosos, no vinho só os melhores vivem
longamente.
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Descrever um vinho destes é indiferente. Tem tudo o que um
tawny velho deve ter, que um racho de pessoas identifica e outras tantas
inventam. Não, não estou a dizer que os aloirados velhos são todos iguais. Têm
diferentes intensidades e nuances nas sensações, sendo excelentes, a apreciação
vai de boca.
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quarta-feira, fevereiro 22, 2017
Sala de exposições
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Um dia, onde a luz e o silêncio falam que é uma sala de
exposições, pensei e não me lembrei. Aconteceu agora, por uma nuvem passado pela
fronte interna ma ter trazido, como fosse a materialização da memória de
navio-fantasma.
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Se estiver vazia, tenho a sala como noutro sítio, separada do mundo. Aí não sou o mesmo ou talvez cá fora seja a minha mentira.
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Aí, um papel vincado por lápis 4H, tingido por fraca tinta
de aguarela, é alguma coisa, ainda que a legenda diga vermelhão e não passe de
avermelhado.
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O tempo vivível na sala de exposições não obedece aos
minutos, tal como a velocidade dos aviões é medida como se a viagem fosse por
terra. O espírito quase desencarna e há uma embriaguez de clarividência ou de ocultação.
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Se puder ter a liberdade da solidão, o vazio é o interior
duma grande esfera oca de gravidade zero. Nesse tempo nunca há fraude.
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O drama e o riso ficam entre mim e as obras e nem o autor o
saberá. Acreditará que a frágil coloração esconde o vinco da grafite?
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Um dia numa sala de exposições, podia ser outro.
Pokker
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Só sendo seu dono é possível jogar o destino. Fi-lo com a
Morte e perdi. Antes de lho entregar, apostei-o com o Diabo, perdi. Naturalmente zangados por
enganados, condenaram-me a ficar com ele.
Barca Velha 2008 – uma obra de arte
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O que se pode dizer dum Barca Velha é proporcional ao que pode
ficar por dizer. É certamente o vinho português, como um todo, mais documentado
e comentado. Cada um fala por si e…
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O Barca Velha 2008 é o mais recente. Quanto a mim, está acima
de irmãos. O tempo dirá. Aqui, o tempo é determinante. É que a declaração só
acontece quando se perspectiva uma longevidade fora do comum, além da exigida
ao um Ferreirinha Reserva Especial – também ele com vida prolongada.
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No total, foram declarados 18 Barca Velha – sendo que existe
uma garrafa de 1955, ano de que não existe documentação, que não foi nem
rejeitada nem confirmada pela Sogrape. A raridade, a longevidade e o momento em
que os bebi, sendo que nem todos tive oportunidade de saborear, não me permitem
colocar numa escala que os classifique por uma ordem. Portanto, quando escrevi
que este está acima de irmãos fiz qualquer coisa de insustentável do ponto de
vista da argumetação.
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Luís Sottomayor é quem assinou, por último, o encargo de
declarar Barca Velha. Pelo que me disseram, é um trabalho colectivo, mas cuja
sentença é tarefa solitária. Possivelmente, poder assinar um vinho destes deve
pesar, mas também é um privilégio e prazer.
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O Barca Velha 2008 fez-se com touriga franca (50%), touriga
nacional (30%), tinta roriz (10%) e tinto cão (10%). Foi-me servido no maior
copo de vinho que alguma vez levei à boca, eram talvez 21h00. Contou o escanção
que fora aberto às 13h00 e decantado, com algum vigor, por duas vezes. Pois, ao
conhecê-lo mostrou-se ainda contido… levou tempo a ver-se.
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A complexidade deste vinho retrata-se também através da
evolução temporal. Os descritores iniciais, mais próximos da fruta, avançaram
para as especiarias e diferentes madeiras. Vale a pena continuar? Certamente, a
lista seria fastidiosa e, sabe-se, que as bocas e narizes têm diferentes
memórias e sensibilidades… e o Barca Velha bebe-se quando se pode e deve, seja
agora ou daqui por 30 anos. Venham eles e venham mais.
terça-feira, fevereiro 21, 2017
Letra T
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Não sei se este livro, da autoria de Pavel Klushantsev, está traduzido para português. Traduzindo a partir do Google, o título em russo é «O que disse o telescópio» e em inglês saiu como «All about the telescope», ou seja «Tudo acerca do telescópio». As ilustrações são de E. Voishvillo, B. Kalaushin e B. Starodubtsev. O grafismo é de Y. Kiselyov.
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segunda-feira, fevereiro 20, 2017
Todos os dias
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Nem todos os dias será hoje nem sempre é para sempre
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Já se inventou tudo e ainda o vazio que se agarra ao
coração-cabeça, tenho-o nas mãos e sem o poderem segurar, e seguram.
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Já se inventou tudo, infelizmente, e infelizmente não o fim,
nem o fim apenas para mim.
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Sem fim e sem dias, os meus, sem futuro, virão pesados.
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Não temo a loucura nem receio o abismo dos nervos. Este
vómito do coração-cabeça é o oitavo passageiro, a crise de
mil-novecentos-e-vinte-e-nove, o monstro de Mary Shelley, o lobisomem do
caminho entre a aldeia e a cidade, a cabra velha medieval e os deuses dos
castigos.
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Sei da sua surdez como não ser mudo, as suas orelhas ouvem
como se as minhas palavras passassem noutra rua.
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Cortinas pesadas de veludo teatral espaldam o drama, ocultando
a pulsão trágica.
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O coração-cabeça sorve-me como o mendigo a sopa numa noite de
caridade.
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Se ninguém é recluso, se depois dos muros há uma cidade
livre, se vivem próximos, estou de sentido, imóvel como a estátua na praça
deserta, no lado de fora.
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Não, não é tragédia. Não, é o meu drama, comédia para alguém.
Visto de longe, sou patético como se bradasse verdades na ágora, vestindo
ceroilas e na cabeça o elmo de Quixote.
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A maior parte de mim é remorso.
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O remorso é pior do que a saudade e diferente o
arrependimento, um alívio. Cada suspiro de remorso é um fantasma num lugar a
preto e branco. O remorso é não ter as vítimas para lhes dizer do
arrependimento.
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O sangue do coração-cabeça é a septicémia do
coração-cabeça-estômago-fígado-pulmão, é castanho e amarelo, fervendo de frio, a
vida acabada no corpo teimoso.
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Tanto faz diante dos cegos e dos surdos.
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Sou invisível, sou mudo, sou fantasma, tanto faz que
urine contra o vento.
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Além há um rio de rosas.
domingo, fevereiro 19, 2017
sábado, fevereiro 18, 2017
sexta-feira, fevereiro 17, 2017
Solidão com gato
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Há muita solidão quando apenas um gato para ser ou dois ou
três, como o vidro-martelado, das janelas das traseiras, sob a chuva numa casa sem voz.
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Não importa se há vista ou saguão, nem mesmo a disposição de
abrir as portadas. A solidão é e não as gotas e o tudo-o-mais.
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Há dias de luz perene, como a árvore, não fenece até ao findamento,
sabe-se da sua morte, quase o momento, sente-se e é noite ou tronco oco.
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O relógio-de-pêndulo repete como o dizer dos velhos e tal é
cruamente, o compasso é deixado a levitar.
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Ah, o gato. Sob coberta quente, os olhos são a nostalgia e o
gato quieto caça os fantasmas.
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Nota: Este desenho tem por título «Solidão com um gato». Não
sendo, assim, uma frase só minha, surgiu-me esta imagem quando pesquisei o
complemento para a minha ideia.
quinta-feira, fevereiro 16, 2017
As gomas
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Negros são os dias dentro como as gomas pretas quase azedas
e de carvão. Fora de mim é escarlate, cobalto e amarelo-verde-citrão, a
Primavera da infância, a primeira vez na casa dos espelhos da feira popular e o
primeiro sexo. Antes de nascer prometi-me na alegria, acreditei tanto depois de
deixar o ventre, sem passado nem futuro vivi esquecido de ontem e amanhã. Pois carrego
as ilusões, recusando-me a claridade. Não é sina, estupidez.
quarta-feira, fevereiro 15, 2017
Mágoas
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Não posso atravessar as lágrimas nem entrar pelo espelho nem
abraçar toda a gente e tanto acreditava ser amigo de todos, não fossem os meus
enganos-maus-tratos, as impaciências intransigentes para as minhas loucuras, e
ainda creio, além de nu de amor-próprio.
terça-feira, fevereiro 14, 2017
Chuinga
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Soprando, a chuinga faz-se balão. Mastiga-se e a saliva faz libertar o sabor químico concentrado que sabe a essência sintética de morango ou a o que se
desejar e haja para comprar. Os miúdos vão à escola por alguma razão. Contudo,
nada responde com verdade às elementaridades da vida, a essas e às seguintes
depois das primordiais e metafísicas, velhas como o céu e o pau incendiado e a roda.
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Nasceu pobre. Não fez fortuna nem o tentou, quis ser rico
por sorte. Viveu amargurado com as contas e os desejos, viu os dias passarem, a
vida a gastar-se, perdendo amigos, ganhando tristezas, vencendo coisas pequenas,
iludindo-se sem se convencer, mentiu e mentiu-se, envelheceu desvalido,
babando-se e comendo papas por não ter dentes. Morreu só e não deixou nada.
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Em contrapartida, os cães não querem luxos e os gatos fazem
o que lhes apetece. As árvores dão fruta e sombra. A Terra sustenta as necessidades.
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Aqui as pessoas desejam vidas sem vida e noutros lugares tentam
sobreviver. As tardes gastam-se em supermercados ou a procurar água. A algibeira
não facilita diversões incomuns e outros nem têm do que comer.
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Do lado ao outro existe uma esfera ou um cubo ou um cone ou
uma pirâmide ou uma linha ou um ponto ou ar ou o elemento que se tiver ou
inventar ou uma gaveta ou tudo ou nada e a cor ou os tons ou o branco ou o
negro ou o infravermelho ou o ultravioleta ou o raio-x ou o nada e o som ou o silêncio ou a
mudez ou a surdez ou a vontade de não ouvir ou o vácuo ou o nada e onde se está só ou a
dois contando com o próprio a dobrar ou a dois ou a três ou outro número ou nada.
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Nesse lugar ou povoação ou universo ou estado fica a arte ou
que se quiser, superando a vida, eternizando a memória, muito depois dos nomes
serem pó, e isso não importa nada.
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Nada importa nada.
Aquela conversa importante
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– Disseste-lhe?
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– Disse.
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– Ouviu?
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– Ouviu.
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– O que te respondeu?
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– Nada.
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– Como nada?
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– Não disse nada.
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– Mas porquê? Não entendo…
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– Talvez não me tenha ouvido…
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– Como assim?
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– Talvez não lhe tenha dito…
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– Diante dele vacilaste, foi o que foi.
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– Talvez não diante dele.
segunda-feira, fevereiro 13, 2017
domingo, fevereiro 12, 2017
sábado, fevereiro 11, 2017
sexta-feira, fevereiro 10, 2017
Canção-de-água /// e roubei um barco ao Cesariny
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Num navio-de-espelhos para o horizonte como geringonça de
teatro. Só é drama de silêncio. Se olhos invisíveis vêem, calam-se no tempo
íntimo.
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O navio-de-espelhos voga em canção-de-água e vagarosamente
corta o chão, enleado na monotonia do coro de sereias. As fábulas inventam-se e
são absolutas no tempo sem horas.
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O navio-de-espelhos parece ir, mas não vai. A água de sal e
escuridão é tragédia de teatro, o vento sopra-se numa coisa acornetada.
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Na escuridão sem velas, nem luz nem viagem, parado esperando
ir e qualquer coisa.
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Quando não me vejo, não estou e se não estou posso não ser. Falo
alto e oiço-me, neste chão de madeira e mar. Nada me garante que seja eu.
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Nota: «Navio de espelhos» é um poema de Mário
Cesariny. Este meu poema não tem qualquer ligação consciente ao de Cesariny. No
entanto, a imagem desse navio insistiu em aparecer-me durante toda a escrita.
quinta-feira, fevereiro 09, 2017
Letra E
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Nota: Infelizmente, não consegui identificar o autor desta fotografia. Se alguém souber, por favor informe-me.
quarta-feira, fevereiro 08, 2017
Isso dito amor
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Quem ama consciente ama inconsciente.
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Quando se abre a porta e não se deixa beijar, por que abrem
a porta?
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Quando acordo e ainda estou, por que não fui?
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Quando acordo e ainda está, por que não fui?
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Quando a cama é derrota depois da vitória, é inconsciente
quem ama.
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Por vezes, ir é ficar e também.
Buraco no tronco de árvore
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Os olhos vêem e quase só vemos o que a certeza vê. Se disto
a certeza souber seremos algures vendo o que a criança vê. Se cabeça-coração-fígado-pulmão
quiser, o tempo é difícil não ficar.
Premonição posterior
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Escrevi tanto, quase nada sei das minhas palavras e da vida
que jurei conhecer. Houve amor e tragédia, doença e fuga, chegada antes da
partida e principalmente eterno no lugar.
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Não me ouvem porque tanto disse e falei além. Tudo isso
somado é a voz frágil do homem-invisível.
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Não sei o que disse, por memória e pertinência. Uma bola na
inclinação, que os velhos não chegam, e o ácido que os miúdos recusam.
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Maré-cheia e maré-viva, chuva na água.
E não as deixeis cair em tentações
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Escrevi tantos versos mas com eles não colhi camas, só
encanto e ingratidão.
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As mulheres não querem poetas, têm medo de tapetes voadores.
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Preferem silêncios estagnados ao vermelhão.
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A lei da gravidade do momento
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Saltar não é azar. Azar é cair. Também se cai saltando e aonde
é ficar ou mudar. A morte não empurra e consciência muda.
terça-feira, fevereiro 07, 2017
Três perguntas essenciais
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Se sou fantasma por que não te arrepio? Se não me vês por
que não te desnudas? Se não te puder ter por que não te entendo?
Pássaros
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Se fosse um beija-flor e me segurasse no ar, tirando da
corola dos teus seios doces, seria sonhando ser majestade como a águia, ousado
como o corvo e manso como o pombo. Se pudesse ainda, seria feliz saltando como
o pardal.
Cama
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Quando se colhe da árvore de fruta é-se fogo. À sua sombra
saboreia-se longamente o suco e a polpa. Enfim cansado se adormece.
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