Olha-me como se fosse a primeira vez. Olha-me não como a
nossa primeira vez, mas como a primeira de todas. Olha-me como quando deixaste
de ser menina e quiseste ser mulher. Olha-me pedindo um beijo. Olha-me
desejando a cama de que tens medo. Deixa-me que te desflore pela segunda
primeira vez. Enleva-te, eleva-te, inebria-te e despe-te renitente e duvidosa. Despe-te
querendo mais e querendo menos. Leva a mão onde há dias só sonhavas e há tempos
negavas. Fecha os olhos, deixa-te ir, bêbeda e ciente. Tens a experiência da
inexperiência. Sabes que um dia saberás. Despe-te e olha-me como se fosse a
segunda primeira vez.
digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
terça-feira, novembro 29, 2011
sábado, novembro 26, 2011
O puto e a rapariga desejada
Ela era a rapariga mais bonita lá do sítio. Não me ligava e
imaginava-a a olhar, despindo-se e beijando-me. Brincava jogos de menina,
saltava à corda e ao eixo. Só queria ver a rapariga nua, mas não tinha idade
para mais do que para jogar ao pião. Nela já se notavam os seios e o rosto
deixava a infância. Ela era uma rapariga e eu ainda puto. Deixámo-nos de nos
ver. A rapariga tornou-se mulher e eu de puto passei a rapaz, de rapaz a
homem inconsciente, a presumível respeitável, a maduro. Os homens demoram
sempre mais tempo a serem adultos. Talvez por isso as mulheres envelheçam e os
homens ganhem charme. Volta e meia sonho com essa rapariga de pernas delgadas
que quando saltava, deixando ver um pouco mais acima, me fazia deixar de ser
puto e querer ser qualquer coisa que julgava ser graúdo. Em sonhos a rapariga e
eu não crescemos e penso o que teria sido de nós se tivéssemos a mesma idade.
sexta-feira, novembro 25, 2011
Documentário
A vida lá fora é um documentário sem narrador. Um aborrecimento,
com espectador participante. Do quarto andar penso em palavras densas para
mandar para a rua. No alto contemplo o ar das águias e quero o vento.
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Lá fora há gente com preocupações. Aqui vive-se um tédio
burguês. As janelas duplas fechadas fecham a vida ainda mais dentro dum
televisor.
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Voar, voar, voar, voar, voar, voar… um salto! Da sala para o
ecrã, da janela para a rua. Documentário sem narrador, espectador participante.
Uma notícia breve num jornal gratuito e talvez uma notícia na mediocridade dum
telejornal.
Se houvesse um rio
Se fosse só um nó na barriga… é um novelo, que roda, se
enleia, desceu pela goela e agonia.
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Está frio, suficiente. De tronco nu, destapado, estendido na cama, os ombros queixam-se.
Está frio, suficiente. De tronco nu, destapado, estendido na cama, os ombros queixam-se.
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A cabeça pesa, como que com febre. As pálpebras pesam, como
que com febre. As pernas fraquejam, como que com febre.
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Sei que vivo, porque sinto nos pulsos o pulsar. O sangue que
quer sair, cavalgante.
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Vencido pela vida, espero ganhar o direito à morte.
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Tivesse fé, a que anima e ressuscita… tivesse fé, mas só
tenho verdade concreta. Coração em cofre de betão-armado.
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Ansiedade de cobre electrificado. Cabeça em fusão. Coração com
vontade de se livrar.
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Tudo em convulsão. Em desagregação, por dentro e por fora. As
estruturas têm fissuras e a cúpula não levita. Os vitrais quebram-se. Eu, que
sou eu, sou isso tudo, estou dentro deste cofre… desabando sobre mim.
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Se chovesse, podia criar-se um rio e eu ir com ele. Tomara que
chova.
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No momento seguinte a escrever as seguintes palavras,
desmaio desejando que seja amanhã, vinte anos depois…
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Engulo em seco o fio do novelo, rezo para que o cofre em
betão ceda e que a razão me deixe ter um Deus.
quarta-feira, novembro 16, 2011
Sangue
Cortei-me para ver a cor do sangue. Suguei.
Há quem desmaie.
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Sentei-me etéreo pensando na Lua, nas noites longas e claras
do Verão e no vento fresco do Outono.
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Sentei-me frente ao rio, senti-me na música e pedi uma
bebida. Distraído, beijei o dedo cortado e provei o sangue estancado.
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Pensei em ti. Não pensei em nada. Pensei na cor dos teus
olhos. Vi só os teus olhos. Pensei no teu nome. Só no teu nome. As letras
colocadas em ordem, como se um nome fosse uma coisa concreta.
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Não perdi sangue suficiente para desmaiar. Nem a cor
escorrendo me impressiona. Senti-me desfalecer, no sono pela
ausência.
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Não sei se és Verão, Outono, Inverno ou Primavera. És uma
outra coisa. Ainda não sei o quê, mas tem odor de cama e profundidade de abraço
nocturno.
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O que é o amor? Umas palavras que tentam dizer alguma coisa
de indefinível aplicada a coisas concretas.
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Enquanto aprovo o pôr-do-sol, distraidamente enrolado em mim
por causa da aragem fresca e húmida, sugo o sangue, que corre novamente por puxado.
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Puxo sangue como se os meus lábios mordessem os teus. Em inconsciência
fecho os olhos e, diante do desejo, leio o teu nome.
terça-feira, novembro 15, 2011
Remorso de pecado inacontecido
Rio de palavras traídas por amores tardios. O corpo sobre o
corpo, lançados e caídos. O sono depois da euforia, os remorsos dos orgasmos. As
quedas nos braços, abraços de profunda vontade. As lágrimas por cair precipitadas
como cascata. As juras falsas que se fizeram na cama, desmascaradas na agonia
do tempo passado.
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A roupa caída pelo quarto é espólio de desconforto. Prova de
que num espaço quadrado houve viagem no ar, em rodopio ébrio de sexo e curiosidade.
Por falar, falou-se. Bocas disseram de mais. Bocas disseram mentiras. Bocas beijaram.
Bocas beijaram por engano. Bocas beijaram em sexo. Bocas bocejaram
arrependimento.
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Há tanto tempo e ainda hoje esse fantasma, ressuscitado pela
chuva que tardou em chegar. A dor do arrependimento como a dos velhos. Um dia
de desejo com dezenas de anos, ou milhares de dias, para sublinhar o pesadelo da
hora de agonia e tristeza.
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Milhares de dias de desejo e dum arrependimento por uma tarde que nunca existiu. Devia estar a chover nesse momento. Em mim, chove e, todavia, não há água que possa cair do meu céu, castigo sem pecado.
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Milhares de dias de desejo e dum arrependimento por uma tarde que nunca existiu. Devia estar a chover nesse momento. Em mim, chove e, todavia, não há água que possa cair do meu céu, castigo sem pecado.
sábado, novembro 12, 2011
Embaciamento
Perco sangue como quem adormece. Vida indo-se sem que me vá.
E não parto. Não é por alguém que me diluo no ar ou escorrego como a chuva-lágrima.
Mesmo que recolhesse todo o que perco e pudesse de alguma forma readquiri-lo
não me tornaria mais vivo. E não morro.
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Por vezes sinto-me num expositor de museu. Por vezes sinto
que me vêem como uma peça de museu de curiosidades. Cabeça morta à vista, com
alma agoniada presa.
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O decepado sente o membro perdido. Sinto o sangue que perco.
Sinto a vida que vai, e sem que morra.
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Tenho pensado muito na minha velhice. Ainda estarei vivo
quando morrer? E a vontade? Desejarei algum dia a luz do Sol?
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Quando me demolho na banheira, embalado no vapor, magico no
que aconteceria se ali perdesse todo o sangue. Afogamento, não, porque sei
nadar e respiro debaixo de água, essa morte já nem em sonhos.
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Quente, molhado até aos pulmões pela humidade do vapor penso
no tempo que levariam a encontrar-me. Penso em quem me encontraria. Em quem
sentiria a minha falta. O que diriam de mim. Penso no tempo que levariam a
sentir a minha falta e em quem mais faria diferença para me procurar.
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Quando acordo tenho as mãos embaciadas. Velhas ao deitar-me.
Os olhos pedem sempre o que pede o corpo… já ouvi dizer que são as janelas da
alma… tem lógica.
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Acordo sempre com voz. Posso gritar, boa garganta e bons
pulmões. Mas quando perco sangue só quero o silêncio da partida discreta. Esse silêncio
que chama o anjo auxiliador, que me sustém no precipício e beija as dores.
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Se a alma não fosse etérea e já perdera todo o sangue.
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Mergulho uma vez mais o corpo no colchão, a cabeça nas
almofadas, para entrar num comboio que me leva ao outro lado. Aqui sou turista
e tenho saudades de casa.
quarta-feira, novembro 09, 2011
Útil como um navio encalhado
Lembro-me da tristeza do Tollan, que Lisboa adoptou como seu
defunto com o nome de Tolan. Lembro-me da tristeza do Tollan abandonado às
correntes do Tejo. Um dos seus poisos foi à vista lá de casa…
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O que se pode dizer dum navio encalhado? Tombado de borco, sem respirar, sem socorro. Depois de falecido, ali esteve no Tejo, à vista para que se não esquecessem, deprimido sem sair do leito, sem ter ninguém.
O que se pode dizer dum navio encalhado? Tombado de borco, sem respirar, sem socorro. Depois de falecido, ali esteve no Tejo, à vista para que se não esquecessem, deprimido sem sair do leito, sem ter ninguém.
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Morreu ali, como uma baleia na praia. Inútil e de cara
anónima. Abusado por quem lhe pintou palavras, de reivindicação e de política.
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Um dia foi-se sem aplauso, como um mero bandido acorrentado.
Nunca perguntaram por ele e as palavras do dorso saíram com a chuva, o mar ou o
maçarico.
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Quando o telefone não toca e as janelas não se abrem… quando
a escuridão cai sobre a luz e o sufoco sobre o ar… caio de borco, encalhado…
chorando as feridas e rezando para que…
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Tanto faz! Se o telefone não toca é porque não tenho o que
dizer.
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Sairei de borco, mas depois de bem engordado com gelados de
caramelo. Sairei do lodo dos dias e do sono prolongado das noites.
terça-feira, novembro 08, 2011
Eterna dúvida e sua certeza
Olhos abertos no negrume, dentro do cilindro que conduz ao futuro, para ver que não há nada para ver.
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Um torcicolo irritante impossibilita o regresso aonde se foi feliz ou onde se perdeu a ilusão de o ter sido.
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À frente, um
sacrifício, um abismo, um grifo, uma esfinge, um buraco…
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O salto, o
eterno desejo. A vertigem. Na incerteza, ficar ou largar? A vontade na vertigem…
acto consequente na vertigem da vontade.
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Valerá a
pena viver desconhecendo o futuro? O futuro é invisível, desconhecimento
imposto pelo tempo. Olhos abertos? Bem abertos, e continuar a não ver porra
nenhuma.
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Pode estar
uma besta à frente: dragão de sete cabeças. Pode estar o Paraíso: as tantas
felicidades indescritíveis.
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Pode tudo e,
na maioria das vezes, não está nada. Uma agonia e enjoo pela mediocridade da
ausência e do vazio.
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O futuro é
invisível, caminho escuro. Vale andar sem ver? Deduzir com base na ignorância.
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Vale a pena
em toda a desesperança?
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A vida é uma
grande merda!
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