Perco sangue como quem adormece. Vida indo-se sem que me vá.
E não parto. Não é por alguém que me diluo no ar ou escorrego como a chuva-lágrima.
Mesmo que recolhesse todo o que perco e pudesse de alguma forma readquiri-lo
não me tornaria mais vivo. E não morro.
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Por vezes sinto-me num expositor de museu. Por vezes sinto
que me vêem como uma peça de museu de curiosidades. Cabeça morta à vista, com
alma agoniada presa.
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O decepado sente o membro perdido. Sinto o sangue que perco.
Sinto a vida que vai, e sem que morra.
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Tenho pensado muito na minha velhice. Ainda estarei vivo
quando morrer? E a vontade? Desejarei algum dia a luz do Sol?
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Quando me demolho na banheira, embalado no vapor, magico no
que aconteceria se ali perdesse todo o sangue. Afogamento, não, porque sei
nadar e respiro debaixo de água, essa morte já nem em sonhos.
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Quente, molhado até aos pulmões pela humidade do vapor penso
no tempo que levariam a encontrar-me. Penso em quem me encontraria. Em quem
sentiria a minha falta. O que diriam de mim. Penso no tempo que levariam a
sentir a minha falta e em quem mais faria diferença para me procurar.
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Quando acordo tenho as mãos embaciadas. Velhas ao deitar-me.
Os olhos pedem sempre o que pede o corpo… já ouvi dizer que são as janelas da
alma… tem lógica.
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Acordo sempre com voz. Posso gritar, boa garganta e bons
pulmões. Mas quando perco sangue só quero o silêncio da partida discreta. Esse silêncio
que chama o anjo auxiliador, que me sustém no precipício e beija as dores.
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Se a alma não fosse etérea e já perdera todo o sangue.
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Mergulho uma vez mais o corpo no colchão, a cabeça nas
almofadas, para entrar num comboio que me leva ao outro lado. Aqui sou turista
e tenho saudades de casa.
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