digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sábado, novembro 12, 2011

Embaciamento


Perco sangue como quem adormece. Vida indo-se sem que me vá. E não parto. Não é por alguém que me diluo no ar ou escorrego como a chuva-lágrima. Mesmo que recolhesse todo o que perco e pudesse de alguma forma readquiri-lo não me tornaria mais vivo. E não morro.
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Por vezes sinto-me num expositor de museu. Por vezes sinto que me vêem como uma peça de museu de curiosidades. Cabeça morta à vista, com alma agoniada presa.
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O decepado sente o membro perdido. Sinto o sangue que perco. Sinto a vida que vai, e sem que morra.
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Tenho pensado muito na minha velhice. Ainda estarei vivo quando morrer? E a vontade? Desejarei algum dia a luz do Sol?
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Quando me demolho na banheira, embalado no vapor, magico no que aconteceria se ali perdesse todo o sangue. Afogamento, não, porque sei nadar e respiro debaixo de água, essa morte já nem em sonhos.
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Quente, molhado até aos pulmões pela humidade do vapor penso no tempo que levariam a encontrar-me. Penso em quem me encontraria. Em quem sentiria a minha falta. O que diriam de mim. Penso no tempo que levariam a sentir a minha falta e em quem mais faria diferença para me procurar.
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Quando acordo tenho as mãos embaciadas. Velhas ao deitar-me. Os olhos pedem sempre o que pede o corpo… já ouvi dizer que são as janelas da alma… tem lógica.
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Acordo sempre com voz. Posso gritar, boa garganta e bons pulmões. Mas quando perco sangue só quero o silêncio da partida discreta. Esse silêncio que chama o anjo auxiliador, que me sustém no precipício e beija as dores.
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Se a alma não fosse etérea e já perdera todo o sangue.
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Mergulho uma vez mais o corpo no colchão, a cabeça nas almofadas, para entrar num comboio que me leva ao outro lado. Aqui sou turista e tenho saudades de casa.

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