Era talvez o tempo em que os ossos estão lá fora ao frio e a carne quente na cama. Era talvez o tempo de Inverno calmo, na cama macia e na solidão. Foi talvez nesses instantes de perene paralisação que se pensou pela primeira vez na vida depois. Depois do dia, depois das horas, depois de tudo o que se conhece, depois do que se espera nunca acontecer.
A cama tinha vista para a janela. A janela não tinha vista para mais do que uma triste rua de pedras molhadas. Nem azul nem verde. Não havia rio nem montanhas, mas um sossego incomodativo. Todavia, os olhos não iam além dos lençóis e cobertores. Havia a rádio a passar músicas introspectivas.
Nunca depois da vida. Nunca antes da vida. As palavras todas por dizer. Não havia a quem dizer. Não havia por que dizer. Se houvesse uma pessoa na rua talvez tivesse valido a pena levantar e falar-lhe da janela. O soalho de madeira corrida não conheceu os passos. A mesma inércia.
A mesma inércia por tempo indefinido. Até ao momento, quiçá distante, em que se acordou longe do céu nublado e já com os pés de fora, prontos para pisar. O quarto de tédio chegara ao fim.