
É claro que me lembro da casa. Era alta e vasta como o céu e o universos. A minha tia-avó era a rainha, mas a regente era a criada. O sótão, um infinito paralelo. Tudo como nos livros do Tintim. Havia de tudo. Só tenho pena de lá ter ido tão poucas vezes quando tive as portas sempre abertas.
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O estendal da casa, debruçado sobre os telhados, dava para a minha varanda. No caldeirão, muito largo, das traseiras dos prédios havia pombos, por vezes gaivotas, mas raramente gatos. Os bichanos só esporadicamente, duma vizinha esporádica ou um perdido em sonhos exploratórios ou de caçador.
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O Tejo ainda hoje está presente. Lá e nos meus pesadfelos e sonhos obsessivos. Galga as margens e tinge-se de negro. Invariavelmente estou perdido, de pernas teimosamente frágeis e insustentáveis, para os lados de Santa Apolónia, caminhos-de-ferro, noite, táxis, voltas por bairros velhos e sombrios, atalhos de cidade e outras coisas de baú.
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Como o baú da cidade, como o baú que era aquele sótão. A minha vida, como todas, acho, fez-se de muitas coisas. Sonho com elas como sonho com a namorada morta; com aquela que ainda vive por aí. Está também ela num baú, mas desarrumada.
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tenho muito para arrumar: o pai, a mãe, a tal namorada, a outra namorada, uma terceira que insisto em deliciar-me com as suas mamas, as três gatas, as viagens, os vinhos, as casas, os parentescos, as amizades vagas... não sei se é muita coisa ou se é pouca. Sei é que me custa ter coisas por arrumar.
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Às vezes preciso das estórias para me lembrar dos fantasmas. Outras vezes necessito dos espectros para renovar a memória das narrativas.
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Nota: esta música é mesmo fantasmagórica... sim, sei que já foi postada.
Glomd - Koop