digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, agosto 28, 2011

Viagem com o nome de arcanjo














Um dia feliz, em que os pés de praia não foram à areia. O mar bravo esteve manso e, ainda assim, o menino ficou agarrado ao corpo do amigo, para que não fosse o breve pensamento duma brisa, ridícula e impossível, atirá-lo abaixo para a Boca do Inferno.
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O vento do cimo da terra apresentou-se, enquanto a casa de luz permaneceu quieta à espera da noite. Pedra sobre a pedra, em escadas, em escadas imaginárias, em escalada, em ideias. Um, dois e três… hop!
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Um mapa pequeno e outro grande, a mesma coisa, do tesouro escondido e guardado, ainda que se não diga. O caminho até e o que haveria. Lisboa, perguntada, talvez ansiada… a casa, essa sim.
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No caminho o sono dos pequeninos. Entre um ponto e outro, a magia das viagens sem trajecto. Entre Lisboa e Lisboa, tanta coisa para contar e algumas para lembrar.
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Colher, garfo, faca, copo… comida e toda. Uma corrida, às vezes vitória… quase sempre e em tudo. Sempre bem, como um lorde.
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Não há noite sem sono. Tantas quanto os dias e em todas brincadeiras. É faze-lo enquanto se pode.
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Tenho tanta pena de já não ser pequenino.

sexta-feira, agosto 26, 2011

A volta do pai, a volta da volta do pai



















O pai ri-se. Interroga, afirma, delira, flutua, entre este mundo e um outro. Da lucidez à fantasia real das suas horas, minutos. O pai ri-se e brinca. O pai grita, a mãe desespera. O oceano manso alevanta-se, e o pai amaina-se sem aceitar nem compreender. O pai ri-se. O pai fala. O pai diz com voz de se ouvir. Há quanto tempo não o sentia assim. O pai grita, há quanto tempo, com voz de todo o corpo. O pai grita e a mãe desespera. O pai ri-se, flutuando entre a realidade e um outro mundo.

domingo, agosto 21, 2011

Março em Agosto


















Hoje houve Sol. O calor abraçou o pai e o pai sorriu. Lembrei-me do pai, lembra-se o pai. Sorriu, como há tempo não sorria. Sorriu com a confusão do riso, sem rir e na tristeza. Sorriu num dia de Março que chegou em Agosto. Feio e prometendo luz. Ventoso e anunciando a Primavera, sorrindo. Que o sorrir seja em Março e não de São Martinho, Verão de engano, de Outono profundo, certo do fim da luz e do Inverno. Será um dia, mas não hoje. Hoje, não. Hoje sorriu.

Outubro em Agosto


















Há sempre um abraço que fica por dar. As despedidas tristes escondem minutos felizes. O vento apaga as velas, a luz perdura na memória. Há abraços que têm de ficar por dar, para que as despedidas tristes não sejam mais tristes e possam prometer alegrias. O vento leva as lágrimas e os olhos molhados reluzem amizade devida.

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Nota 1: Repararam na luz bela e triste, outonal, que caiu no final da tarde em Lisboa? Outubro. Tempo permitido à tristeza.
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Nota 2: Dedicado à Janis Joplin da Inês.

sexta-feira, agosto 19, 2011

O pai


















O pai já não é e, contudo, jaz vivo. Ali, entre a vida e já a morte da consciência. Fala para o outro lado e mal diz para este. Desama quem ama, desama quem o ama. Não quer o que quer e agarra-se à vida. Quer o que não quer e tenta alcançar a morte. Não chega a ser triste. É a constatação, a vida vai-se devagarinho, em estrondo sussurrado, em grito louco de grande voz delirante, em sopro fraco e trémulo. A indecisão, na incerteza da certeza de que irá. O meu pai foi-se, só falta o corpo e a voz.

quarta-feira, agosto 10, 2011

Inferno



















A garganta escancarada, a boca do Inferno. Lá dentro milhões de demónios famintos. A cair, almas perdidas de corpo: velhos, novos, crianças, sacerdotes, cardeais, beatas, terroristas, católicos, judeus, muçulmanos, aqueles que crêem noutros deuses, cientistas, os que só acreditam no dinheiro, ou apenas no homem, machistas, feministas, homossexuais, tarados sexuais, abstinentes sexuais, abortadeiras, médicos, loucos, advogados, assassinos, fascistas, comunistas… um ror de gente, para as quais não chegam as palavras.
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As putas estão à porta, a chamar clientes. Os polícias estão a ver, aguardam ordem para serem tragados pela bocarra de enxofre. A escorregar, já dentro, de unhas cravadas na rocha, arautos da desgraça, profetas de religião e dinheiro.
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Mil torturas. Infinito sadismo. Calor e gelo. Um lago de imundices: vómitos, caganeiras, sangue, esperma, leite, suor e lágrimas. Toda a espécie de animais selvagens. E todos os animais nojentos. Todos os animais: aves com dentes, serpentes de plumas, leões de seis membros, insectos gigantes.
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A carne infecta-se e cheira. Para que não se habituem os sentidos, ventos orvalhados e com perfume de flores. Para que desenjoe e se mostre como seria o Paraíso. Depois, metamorfose, nuvens de fumo floral, para que se intoxiquem as goelas e se deseje o odor da merda.
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Dentro do Inferno há uma floresta amazónica a ser abatida, sem sentimento de culpa, sem fim… só árvores caindo e com elas as bestas tropicais e as penas das aves do Paraíso.
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O Inferno é um mundo de solidão, é a multidão. As vizinhas espiam e comentam, em inveja e medo. A paranóia e um capanga em perseguição.
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O chão do Inferno é de lava e dentro das cavernas chovem ácidos. Há padres da Inquisição para os judeus, rabinos intolerantes para os muçulmanos e almuadens a chamar os devotos à guerra santa contra os cristãos. Todos contra todos, incluindo chineses, japoneses, indianos e aborígenes australianos. Todos, incluindo antropófagos. Todos incluindo vegetarianos.
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O pesadelo dos políticos. Para os outros, a certeza de que haverá políticos. No Inferno há bolsa de valores, mercados cambiais, indulgências, Muro das Lamentações para dar cabeçadas, uma mesquita virada para Meca e um calvário para os menos aflitos. Eternidade para todos.
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O Diabo pode tudo. O diabo não gosta de ninguém. Nem gosta de si. O Inferno é uma grande balda, um mundo de confusão. Tudo de pernas para o ar, que, quando se está de pernas para o ar, continua de pernas para o ar. Desconexo. Concertante, contudo.
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Só tenho pena de não acreditar no Inferno nem no Diabo...

sábado, agosto 06, 2011

Baixa mar










A água doce não tem cheiro. Fresca, menos. É mais pobre que a que vem e vai e vai e vem, salgada.
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A água parte. No sítio, um vazio. Parece nada faltar, não falta o cheiro nem nostalgia.
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A dor é maior que a solidão da partida do mar. As lágrimas não são menos abundantes que as ondas. Só o mar é mais salgado.
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O que fazer com a ausência? Quem disse que não se pode estar cheio de nada? Que angústia ver partir o dia na maré baixa… as gaivotas recolhem-se e pela manhã, depois de a água emprenhar de Lua e partir novamente, o areal estará liso. Só as marcas dos passos pequenos das aves.
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Vazia, a maré faz espelhos e inventa rias e lagos. Os limos mergulhados surgem ao Sol ou refrescam-se na noite. Cheiro verde, junto ao azul, lavado de espuma e sal.
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Gosto da brisa do entardecer. Gosto que me sopre o corpo escaldado. Felicito-me por pôr os pés onde havia água. Iludo-me com a imortalidade das pegadas… se o mundo acabasse agora, se o mar se fosse, as marcas ficariam para sempre a lembrar-me.
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É um instante a baixa mar. Nem dá para chegar à outra margem do mundo. Como Moisés abriu o mar? Só penso nisso quando uma onda mais ousada apaga a curta eternidade duma pegada do meu passo mais atrevido.
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No Inverno, a baixa mar faz mais praia de silêncio. Não dá Deus, mas mostra o princípio do mundo. O frio agasalha-se com a vista e um só beijo aperta o amor, que se sacia no abraço enroupado. O sal está sempre, nas bocas, no vento, no mar, nas lágrimas.

quinta-feira, agosto 04, 2011

Preia mar










As tuas mãos são vagas calmas que trazem caracóis de espuma e sal de beijo. Amar-te é o desejo maior.
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Estou abraçado pelos teus braços de algas, molhado pela tua água. Beijado no sal, deitado na areia, a pele escaldada e a cabeça, perdida, quente do Sol.
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À flor dos olhos existe a ternura que nos damos. À flor da alma estão as incertezas que tenho. Mas à flor da pele está o amor que fizemos.
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Quero-te, acima de tudo, amada. Quero essa doçura cândida, o tom de voz agudo e macio. A flor do teu olhar. A flor de sal.
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O amor contigo é tranquilo. A incerteza em mim é ácida. E tão certo de vontade. E tão certo de querer. E tão triste, por incerto.
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Por nada te quero perder. Não sei se tenho forças para que, querendo-te tanto, te queira mais.
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Sem ti não passo. Choro se te vir passar sem que esteja a teu lado.
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Que não sejas a maré baixa. Que sejas a preia mar. 

Êxtase


















A boca que te mordo. Os seios que beijo. O tronco que abraço. Sou serpente e tu árvore, numa floresta multicor, de cacofonia harmónica.
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Fazer amor contigo é a reinvenção da ternura, a descoberta adolescente. A frescura beijante no dia de calor. O suor amado.
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Os meus beijos penetram-te. Sou teu predador e tua presa. Não me sacio num só banquete e tu, tão vasta de querer, não me chegas.
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Rijo, entro-te. Rijo, com a língua entrelaçada na tua. Com os lábios encaixando-se em amor. As mãos em toda a parte. Eu em ti. Tu, anfitriã, minha senhora.
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As horas de vigília, as longas conversas. Um dia tudo será esta verdade, que te desejo em palavras. Por agora, contento-me com a boca, a que mordendo te deixa morder. 

Numa água noutra vida
















Gostava de, agora mesmo, mergulhar numa água de flores. Não de aromas, mas de pétalas. A luz que ilumina a inteligência.
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Mergulhar contigo a ver. Ver-te mergulhar. Contigo fazer amor. Deixar que os teus beijos me façam explodir de homem. Que por ser homem me faça homem, herói para ti. A força sensível do homem que deseja.
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Sem televisão, mas numa música de final de tarde frente ao mar. Sem lembrar os beijos tristes e a pensar na descoberta de redescobrir, a inocência atrás dos corpos por despir e com vontade de perder a roupa.
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Uma varanda sobre o vento quente, antes que acabe o Verão, que não chegou a chegar. O encontro por trás. De Verão e mãos sobre o peito, de boca no pescoço. De loucura.
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Quendera uma solidão. Quendera, amor novo. Sem culpa nem fantasmas. Sem dor nem dúvidas. Sem consequências da consequência do desejo. Estrelas exibicionistas, num céu de azul diurno.
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Esquecer estes dias? Nunca. Lembra-los sempre. Entre o remorso e a dúvida, o medo e o desejo. A realidade e o sonho. Gato a passear no telhado, a Lua e o Sol, as flores e os dias sem fim e sem nada que os ocupe. Esquecer estes dias? Nunca os viver.
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Tantas dúvidas nas horas de tédio. Além das certezas, a indecisão. A impaciência. O desejo de facilidade. O desejo de felicidade. Pensar em ti.
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Ondes estás? Para ir. Para não ir. Para voltar. Para ser campeão. Para acordar para a vida. Para acordar. Para viver. Para renascer. Para não saber. Para não ser.
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A água de flores. A música de jardim. A luz do Sol. A luz da Lua. A luz das velas. A luz de adormecer. A luz de acordar. A luz da voz. Desejo, consequência e ausência de remorsos.
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Deus duma paisagem maior que Deus. Intemporal, o amor finito, numa existência finita, duma vida infinita.
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Braços abertos à luz do Sol. Frente, destemido, ao mar. Beleza, incerteza. Fora de mim. Fora daqui. A incerteza da certeza.
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Fugir, que é o meu verbo. Beijo, o meu desejo. Mergulhar na água de flores e esperar que sob as águas surjas para me beijar o que me faz homem.
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Entretanto, acordar e noutra vida.