digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sábado, agosto 06, 2011

Baixa mar










A água doce não tem cheiro. Fresca, menos. É mais pobre que a que vem e vai e vai e vem, salgada.
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A água parte. No sítio, um vazio. Parece nada faltar, não falta o cheiro nem nostalgia.
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A dor é maior que a solidão da partida do mar. As lágrimas não são menos abundantes que as ondas. Só o mar é mais salgado.
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O que fazer com a ausência? Quem disse que não se pode estar cheio de nada? Que angústia ver partir o dia na maré baixa… as gaivotas recolhem-se e pela manhã, depois de a água emprenhar de Lua e partir novamente, o areal estará liso. Só as marcas dos passos pequenos das aves.
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Vazia, a maré faz espelhos e inventa rias e lagos. Os limos mergulhados surgem ao Sol ou refrescam-se na noite. Cheiro verde, junto ao azul, lavado de espuma e sal.
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Gosto da brisa do entardecer. Gosto que me sopre o corpo escaldado. Felicito-me por pôr os pés onde havia água. Iludo-me com a imortalidade das pegadas… se o mundo acabasse agora, se o mar se fosse, as marcas ficariam para sempre a lembrar-me.
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É um instante a baixa mar. Nem dá para chegar à outra margem do mundo. Como Moisés abriu o mar? Só penso nisso quando uma onda mais ousada apaga a curta eternidade duma pegada do meu passo mais atrevido.
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No Inverno, a baixa mar faz mais praia de silêncio. Não dá Deus, mas mostra o princípio do mundo. O frio agasalha-se com a vista e um só beijo aperta o amor, que se sacia no abraço enroupado. O sal está sempre, nas bocas, no vento, no mar, nas lágrimas.

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