A água doce não tem cheiro. Fresca, menos. É mais pobre que a que vem e vai e vai e vem, salgada.
.
A água parte. No sítio, um vazio. Parece nada faltar, não falta o cheiro nem nostalgia.
.
A dor é maior que a solidão da partida do mar. As lágrimas não são menos abundantes que as ondas. Só o mar é mais salgado.
.
O que fazer com a ausência? Quem disse que não se pode estar cheio de nada? Que angústia ver partir o dia na maré baixa… as gaivotas recolhem-se e pela manhã, depois de a água emprenhar de Lua e partir novamente, o areal estará liso. Só as marcas dos passos pequenos das aves.
.
Vazia, a maré faz espelhos e inventa rias e lagos. Os limos mergulhados surgem ao Sol ou refrescam-se na noite. Cheiro verde, junto ao azul, lavado de espuma e sal.
.
Gosto da brisa do entardecer. Gosto que me sopre o corpo escaldado. Felicito-me por pôr os pés onde havia água. Iludo-me com a imortalidade das pegadas… se o mundo acabasse agora, se o mar se fosse, as marcas ficariam para sempre a lembrar-me.
.
É um instante a baixa mar. Nem dá para chegar à outra margem do mundo. Como Moisés abriu o mar? Só penso nisso quando uma onda mais ousada apaga a curta eternidade duma pegada do meu passo mais atrevido.
.
No Inverno, a baixa mar faz mais praia de silêncio. Não dá Deus, mas mostra o princípio do mundo. O frio agasalha-se com a vista e um só beijo aperta o amor, que se sacia no abraço enroupado. O sal está sempre, nas bocas, no vento, no mar, nas lágrimas.
Sem comentários:
Enviar um comentário