digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, agosto 10, 2011

Inferno



















A garganta escancarada, a boca do Inferno. Lá dentro milhões de demónios famintos. A cair, almas perdidas de corpo: velhos, novos, crianças, sacerdotes, cardeais, beatas, terroristas, católicos, judeus, muçulmanos, aqueles que crêem noutros deuses, cientistas, os que só acreditam no dinheiro, ou apenas no homem, machistas, feministas, homossexuais, tarados sexuais, abstinentes sexuais, abortadeiras, médicos, loucos, advogados, assassinos, fascistas, comunistas… um ror de gente, para as quais não chegam as palavras.
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As putas estão à porta, a chamar clientes. Os polícias estão a ver, aguardam ordem para serem tragados pela bocarra de enxofre. A escorregar, já dentro, de unhas cravadas na rocha, arautos da desgraça, profetas de religião e dinheiro.
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Mil torturas. Infinito sadismo. Calor e gelo. Um lago de imundices: vómitos, caganeiras, sangue, esperma, leite, suor e lágrimas. Toda a espécie de animais selvagens. E todos os animais nojentos. Todos os animais: aves com dentes, serpentes de plumas, leões de seis membros, insectos gigantes.
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A carne infecta-se e cheira. Para que não se habituem os sentidos, ventos orvalhados e com perfume de flores. Para que desenjoe e se mostre como seria o Paraíso. Depois, metamorfose, nuvens de fumo floral, para que se intoxiquem as goelas e se deseje o odor da merda.
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Dentro do Inferno há uma floresta amazónica a ser abatida, sem sentimento de culpa, sem fim… só árvores caindo e com elas as bestas tropicais e as penas das aves do Paraíso.
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O Inferno é um mundo de solidão, é a multidão. As vizinhas espiam e comentam, em inveja e medo. A paranóia e um capanga em perseguição.
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O chão do Inferno é de lava e dentro das cavernas chovem ácidos. Há padres da Inquisição para os judeus, rabinos intolerantes para os muçulmanos e almuadens a chamar os devotos à guerra santa contra os cristãos. Todos contra todos, incluindo chineses, japoneses, indianos e aborígenes australianos. Todos, incluindo antropófagos. Todos incluindo vegetarianos.
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O pesadelo dos políticos. Para os outros, a certeza de que haverá políticos. No Inferno há bolsa de valores, mercados cambiais, indulgências, Muro das Lamentações para dar cabeçadas, uma mesquita virada para Meca e um calvário para os menos aflitos. Eternidade para todos.
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O Diabo pode tudo. O diabo não gosta de ninguém. Nem gosta de si. O Inferno é uma grande balda, um mundo de confusão. Tudo de pernas para o ar, que, quando se está de pernas para o ar, continua de pernas para o ar. Desconexo. Concertante, contudo.
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Só tenho pena de não acreditar no Inferno nem no Diabo...

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