digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, junho 10, 2025

Já que perguntas

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 Já que perguntas.

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Digo-te que estou triste, mas sobreviverei. Fico triste, porque é triste ficar na esperança de ir. Fico triste se não me dizem. Fico triste. Triste.

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Tenho uma porta, no sítio onde me encontram. O resto são paredes, janelas e ombreiras, quem as vê, se quiser, pode acreditar ver-me a caminhar, fugir ou apanhar fruta. A quase todos, não importo.

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A porta é clara em parede escura ou ao contrário. A maçaneta parece um maçaneta, a fechadura não tem chave e se espreitarem não verão. É simples rodar a maceta e empurrar para abrir, mas não querem. Fico triste, dói.

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Acreditam que não vou, por isso não estarei, nem se interessam, sabem nada, mas não querem saber.

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Dói. Dói. Até o sangue dói. Não querem saber antes, não querem saber depois.

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Parece que o sangue se transforma em lágrimas e as gotas salgadas correm nas veias. Dói.

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Consola-me ter o seu desprezo para lhes fechar a porta, para não verem onde estou, mas não irão.

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Invisível para não lhes dar espanto. Se quisessem saber.

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Vou onde me chamam e me querem bem. Gostaria que fosse a Terra toda e todos os espíritos da carne e do éter. Mas não, e dói.

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Onde estou, não me vêem nem verão, porque lhes fechei a porta, mesmo que não o saibam nem queiram. Ainda assim, fico triste. Dói.

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Dói. Dói. Onde estou não me verão chorar.

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Se virem? Não vêem nem verão, porque não querem saber.

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Estou noutra rua, doutra cidade, a preto e branco, janota ou mendigo, invisível noutro século.

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Porém, dói. Quando me dói fico triste, fico triste e dói.

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De qualquer forma, ainda bem que perguntaste.

segunda-feira, junho 09, 2025

Às vezes os meus olhos não são castanhos

 

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O meu olhar é triste como o da minha mãe como o da minha avó e como parentes antigos.

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É a minha meia-idade, que não me envergonha nem amedronta, mesmo sem um descapotável encarnado, rede de apanhar miúdas impressionáveis, é sonolenta, interessante como a hora do almoço de balconista ou escriturário.

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Tenho a pele presa por si mesma, porque o Sol impõe. Não posso fazer nada sem viver à sombra, como vivo.

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A água morna torna-a areosa. Não posso fazer nada além de poupar a higiene e não vou cheirar mal das axilas.

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Dos meus destroços, da vida quotidiana e universal, o lixo vai para o aterro e o resto vai para reciclar.

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Os poemas sem poesia valem como os resíduos indiferenciados, não são recicláveis e, pensando a correr, não são reutilizáveis.

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Há poetas que juntam palavras como se fossem poemas e, mesmo sem poesia, têm palmas e até ganham prémios.

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Desejo que os meus poemas sejam lidos, traduzidos, estudados, premiados e que, acima de todos os tudos, sejam poesia.

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Não leiam mais do que escrevi nem diferentemente ao posto. Este texto não é um poema, é um conjunto de pequenos parágrafos.

domingo, junho 08, 2025

Digam o que disserem

 

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Então, disse-me:

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– O céu azul é lindo, não é?

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– Os cientistas dizem, li não sei aonde, que o céu não é azul.

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– Então, qual é a sua cor?

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– Não sei… talvez seja negro, tal como se vê à noite.

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– Deve ser a luz do Sol que.

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– Não sei. Os cientistas dizem coisas que não se entendem.

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– Êee… como assim? Quais? O quê?

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– Todos eles, de todas as ciências. Nunca têm certezas. Se as tiverem, outros desmentem-nos e, mais tarde ou mais cedo, os cépticos e os invejosos afinal não tinham razão… ou só em parte.

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– …

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– Para que quero as ciências? Não as entendo… só algumas pessoas… os cientistas, alguns outros sábios e gente muito inteligente e com grande memória. Há também os mentirosos, mas, se eu não souber, não perceberei que me enganam… como não me interessa, é-me indiferente o falso conhecimento. Iludem-me, mas não me roubam nada.

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– A ciência é importante.

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– Para quê? Adianta-lhe saber que a Terra é redonda? Poder calcular a raiz quadrada ajuda-o a descansar? E a fórmula química da glucose, que nunca me esqueci?…

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– …

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– Voando sobre uma esfera, a distância mais curta entre dois pontos não é através da recta. Quero ir daqui para ali e o caminho não me importa, desde que chegue o mais rapidamente possível.

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– Não lhe importam como vivem as plantas ou como actuam as vacinas?... Sem ciência não há tecnologia…

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– Interessam-me a couve no prato e as rosas no jardim. Quero as vacinas para não ficar doente e um comprimido para as dores…

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– Essas coisas não são importantes?!…

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– São coisas importantes, mas desinteressa-me o seu funcionamento. Para que quero a ciência? Não a entendo nem vou fazer uma pausa para aprender, porque não serei cientista e ser sábio ocupa o tempo em que me delicio a olhar a chuva, a afagar um gato ou a repousar em água morna…

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– …

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– Referiu-me as proezas… as ciências e a tecnologias. Quem é mais importante, o astrofísico que não me dá nada e me fala do que não entendo ou o padeiro que faz bom pão, mas desconhece química, física e mecânica?

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– Êee… âaa…

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– …

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– É um homem de letras, não de números.

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– É exactamente o mesmo! Saber o que é o predicativo do sujeito importa para dizer que se está molhado da chuva?

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– O conhecimento liberta…

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– O conhecimento científico gera desconhecimento. Por que hei-de andar numa estrada que cresce a cada passo? Se a ignorância é escuridão e apenas ver as sombras projectadas é, uma espécie, servidão, saber que saber significa saber menos do que se julgava saber… Saber de ciência é uma prisão doentia. E saber de letras não faz, do sábio, um poeta.

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– …

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– Não é possível saber tudo sobre uma coisa, tal como não é possível saber um pouco, que impressiona por ser muito, acerca de tudo. Se não posso saber tudo nem conhecer muitos bocadinhos de tudo, para que hei-de saber só uma parte ou ter muitas insignificâncias na cabeça? Por que escolher esta ciência e não outra? Porquê uma parte duma ciência e não outra parte? E, depois, como lhe disse, os cientistas duvidam, divergem, desmentem… prefiro as certezas, o resto – seja muito ou pouco, não me importa – é para os cientistas e para os doutores das letras.

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– …

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– …

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– O céu azul é lindo!

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– O azul é lindo, mesmo quando não é céu. É felicidade… não importa o que é, nada importa além de azul.

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– Digam o que disserem, os cientistas.

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– O dinheiro é indiferente para o pobre que não precisa mais do que tem.

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– Êee…

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– Uma limusina para ir ao jardim dar pão seco aos pombos? Uma cama com cinco metros de largura, quando o corpo tem menos dum de ombro ao ombro? Relógio de ouro que dá as horas como um de plástico e que se atrasa menos? Talheres de prata não tornam a carne mais macia nem a fruta mais doce. Uma gravata de seda sobre a camisa toca maciamente na pele como uma de poliéster.

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– Um apartamento com uma vista deslumbrante custa muito dinheiro…

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– Não espera que lhe diga que os ricos roubam os pobres e ficam egoisticamente com o belo. Não o direi… a abomino a beleza do trabalho esforçado, como glorificam os neorrealistas… nem disse que sou pobre nem que quero ser… nem que negligencio o belo. Disse do pobre que não quer mais do que tem, tal como estou satisfeito com a ignorância científica. Esse, da abastança monetária, é outro assunto.

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– O céu azul é lindo, não é?...

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– Digam o que disserem os cientistas.

A beleza do

 


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O neorrealismo é feio, não por elogiar quem vive em muito esforço nem por engrandecer o trabalho de suor. Mostrar a miséria como miséria é feiura concentrada e sem diluição possível.

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Revelar a pobreza é denunciar injustiças e não é, quase sempre, arte. Não há muitas imagens das lágrimas de pobreza e do suor laboral que tenham a virtude da beleza.

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O feio é feio tal como é errado o quadrado de linhas tortas, o qual se elogia por ter nascido da inesclarecida intuição matemática dum poeta.

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Os desgostos da transpiração oficiosa e a melancolia do pouco da troca não são de envergonhar. Ainda assim, a dignidade é maior se a crueza for desbastada do óbvio.

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A maioria rende-se à expressão, do rosto e do corpo, pensando revelar uma verdade invisível e, por isso, alcançar uma graciosidade na dor. Há quem conte tudo mostrando pouco.

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Quase todos só falam da matéria, alguns mostram a carne a tocar na alma.

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Nota: tive de escrever este texto por causa da força desta imagem. Depois descobri que já a mostrara. Contudo, a força da imagem justifica voltar a mostrá-la.

sábado, junho 07, 2025

Assim como

 

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Então, disse-me:

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– Sabe, o céu azul não me liberta da dor.

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Não lhe respondi, porque não percebi por que não e não o quis contradizer e magoar e, na verdade, pouco me importou, pois tinha a certeza que sim.

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Ficámos em silêncio. Naquele silêncio, que me incomodou, percebi que é verdadeiro o que acabara de me dizer.

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Olhámo-nos, como se estivéssemos parados contemplando uma estrada imensa que não se quer percorrer, mas que é obrigatória. Pensei na escola, como sinónimo.

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Incomodado comecei uma frase, que não passou da primeira sílaba, e fui interrompido.

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– O azul salva, porque é lindo, é o começo, a essência e o fim da arte.

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– Então, o azul…

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– O céu é outra coisa. Qualquer coisa, mesmo que seja azul, não salva.

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– Então…

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– É como a felicidade. O que é a felicidade? Dinheiro? Amor? A despreocupação? Existe. Existe em muitas coisas. Coisas e estados de alma são coisas e estados de alma. O azul é um reflexo de Deus invisível. É a diferença entre ser, estar e conter. Qualquer um desses verbos tem de ser percebido, mesmo inconsciente ou desmentido com desprezos céptico ou impertinente.

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– Se conseguir ver Deus... ou o seu reflexo… ou o que julga ser Deus ou seu reflexo… estará salvo.

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– Todas as regras têm uma excepção.

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– …

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– Há uns comprimidos azuis que são milagrosos. Mas o milagre não é serem azuis. O milagre é acreditar que são miraculosos porque são azuis.

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– Compra sempre desses?

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– Só desses. Há doutras marcas, mas não são azuis.