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Então, disse-me:
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– O céu azul é lindo, não é?
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– Os cientistas dizem, li não sei aonde, que o céu não é
azul.
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– Então, qual é a sua cor?
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– Não sei… talvez seja negro, tal como se vê à noite.
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– Deve ser a luz do Sol que.
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– Não sei. Os cientistas dizem coisas que não se entendem.
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– Êee… como assim? Quais? O quê?
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– Todos eles, de todas as ciências. Nunca têm certezas. Se
as tiverem, outros desmentem-nos e, mais tarde ou mais cedo, os cépticos e os
invejosos afinal não tinham razão… ou só em parte.
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– …
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– Para que quero as ciências? Não as entendo… só algumas pessoas…
os cientistas, alguns outros sábios e gente muito inteligente e com grande
memória. Há também os mentirosos, mas, se eu não souber, não perceberei que me
enganam… como não me interessa, é-me indiferente o falso conhecimento. Iludem-me,
mas não me roubam nada.
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– A ciência é importante.
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– Para quê? Adianta-lhe saber que a Terra é redonda? Poder calcular
a raiz quadrada ajuda-o a descansar? E a fórmula química da glucose, que nunca
me esqueci?…
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– …
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– Voando sobre uma esfera, a distância mais curta entre dois
pontos não é através da recta. Quero ir daqui para ali e o caminho não me
importa, desde que chegue o mais rapidamente possível.
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– Não lhe importam como vivem as plantas ou como actuam as
vacinas?... Sem ciência não há tecnologia…
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– Interessam-me a couve no prato e as rosas no jardim. Quero
as vacinas para não ficar doente e um comprimido para as dores…
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– Essas coisas não são importantes?!…
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– São coisas importantes, mas desinteressa-me o seu funcionamento.
Para que quero a ciência? Não a entendo nem vou fazer uma pausa para aprender,
porque não serei cientista e ser sábio ocupa o tempo em que me delicio a olhar
a chuva, a afagar um gato ou a repousar em água morna…
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– …
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– Referiu-me as proezas… as ciências e a tecnologias. Quem é
mais importante, o astrofísico que não me dá nada e me fala do que não entendo
ou o padeiro que faz bom pão, mas desconhece química, física e mecânica?
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– Êee… âaa…
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– …
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– É um homem de letras, não de números.
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– É exactamente o mesmo! Saber o que é o predicativo do
sujeito importa para dizer que se está molhado da chuva?
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– O conhecimento liberta…
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– O conhecimento científico gera desconhecimento. Por que hei-de
andar numa estrada que cresce a cada passo? Se a ignorância é escuridão e apenas
ver as sombras projectadas é, uma espécie, servidão, saber que saber significa
saber menos do que se julgava saber… Saber de ciência é uma prisão doentia. E saber
de letras não faz, do sábio, um poeta.
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– …
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– Não é possível saber tudo sobre uma coisa, tal como não é
possível saber um pouco, que impressiona por ser muito, acerca de tudo. Se não
posso saber tudo nem conhecer muitos bocadinhos de tudo, para que hei-de saber só
uma parte ou ter muitas insignificâncias na cabeça? Por que escolher esta ciência
e não outra? Porquê uma parte duma ciência e não outra parte? E, depois, como
lhe disse, os cientistas duvidam, divergem, desmentem… prefiro as certezas, o
resto – seja muito ou pouco, não me importa – é para os cientistas e para os doutores
das letras.
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– …
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– …
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– O céu azul é lindo!
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– O azul é lindo, mesmo quando não é céu. É felicidade… não
importa o que é, nada importa além de azul.
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– Digam o que disserem, os cientistas.
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– O dinheiro é indiferente para o pobre que não precisa mais
do que tem.
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– Êee…
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– Uma limusina para ir ao jardim dar pão seco aos pombos? Uma
cama com cinco metros de largura, quando o corpo tem menos dum de ombro ao
ombro? Relógio de ouro que dá as horas como um de plástico e que se atrasa
menos? Talheres de prata não tornam a carne mais macia nem a fruta mais doce.
Uma gravata de seda sobre a camisa toca maciamente na pele como uma de poliéster.
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– Um apartamento com uma vista deslumbrante custa muito
dinheiro…
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– Não espera que lhe diga que os ricos roubam os pobres e
ficam egoisticamente com o belo. Não o direi… a abomino a beleza do trabalho
esforçado, como glorificam os neorrealistas… nem disse que sou pobre nem que quero
ser… nem que negligencio o belo. Disse do pobre que não quer mais do que tem,
tal como estou satisfeito com a ignorância científica. Esse, da abastança
monetária, é outro assunto.
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– O céu azul é lindo, não é?...
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– Digam o que disserem os cientistas.