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Há o medo de perder o que não se tem nem se pode ter – o amor.
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O cerco e a reclusão não prendem, nem a liberdade garante.
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Há medo do segredo. Não da luz. De perceber a penumbra e a
sombra – uma estufa de sal e orgasmo, do ímpeto pueril.
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Não há palavra de promessa nem de arrependimento – quem não
acredita, não respeita e fala duma substância de condição e estrutura.
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Há palavras guardadas, duma claridade quase transparente, de
olhos, beijos e abraços.
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Há quem não saiba mentir, apenas calar.
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Assim mente-se, para que não chegue a verdade, da voz do
amor enganador.
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Assim se resguarda em
mudo e choro, dos dias e das vésperas, do antes ao amanhecer, das tardes longas
e das noites infinitas – melancolia e desânimo.
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Há episódios simples, repetidos e pronunciados vazios. Numa lonjura,
o mar tapa a areia – dois corpos entregando-se no sexo. Mas à luz, o oceano se
acalma e falando de amor se deixa na praia
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A paz da guerra é falso repouso. Nem há breu absoluto nem
eterno.
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Quem vai descansa crente da sua invisibilidade. Quem resta
sente o embate atrevido do ciúme.
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Não antes, agora. Um bicho irrequieto, acordando e perfurando
num qualquer momento, indiferente à vontade do perdedor.
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O ciúme é um rio que, de adormecido na represa do silêncio
castigador, se larga, atropelando a memória e crença.
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O ciúme é impronunciável. O rio que sobe as margens, se
estende secretamente fora do seu leito, mesmo na bonança é o sossego
atropelando o sossego.
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Perdendo-se se prisioneiro. Perdendo-se ausente. Perdendo
livre duma corrente. Perdido de confiança
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A fidelidade icorrespondida não será morta, porque é morta e
morrida – matando sempre e sempre.
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Não há presente sem passado e a água repete-se nos leito. A
sua jura é chuva certa sem tempo de chegar.
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Perdida a crença, não haverá outra barragem de silêncio,
todas as pedras caídas serão seixos, ficando correndo-ficando. A fonte será
outro rio e o curso a torrente para outra terra.
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Se a natureza dos rios é desaguar, não há muralha nem
confiança alterando a sua índole. Quem quer escoar, correrá – um delito de
desobediência, indiferente à beira-rio.
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O conhecimento é duma dor. Se pronunciada – sua vergonha,
pesar e inutilidade – é o momento de chorar ao brilhar das águas e da multidão
despercebida.
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Dói e dolorosamente mata. Confia-se até quando se finge
acreditar.
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Os rios desaguam, mesmo dizendo correr apenas por não haver
sexo no seu leito – e do amor ser outra coisa.
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A palavra carência, sua distância, é a mentira de quem trai o
padecente – se foi, será sempre. Uma qualquer palavra fenecida.
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Nem a detenção nem a soltura – mesmo a promessa uma sem
regresso – fidelizam calmaria mansa.
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Assim se cai. Caindo, fica o desperdício, do pretérito e tempo
vindouro.
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Nenhuma jura se ressuscita. Caindo se cai.
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O que é a dança? A liberdade e a transgressão. Qualquer ritmo
tem os seus corpos. O seu odor não diverge do da cópula.
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A fidelidade afiançada é morta na próxima sensualidade.
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Quem sabe e se cala do corpo infiel – do dizer da cabeça sem
traição do batoteiro – não se perde em ilusão, embaraça-se na desilusão.
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Há flores que se abrem repetidamente à Primavera, da volúpia
estrangeira – aquela dita vazia.
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Há heras eternas, presas até ao fim da cama do amor. Morrem
morrendo na certeza e do ciúme.
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A Hera – da boda – desponta, um dia morrerá estéril pela
cama molhada pelos beijos dos forasteiros, duma língua presa noutra língua, da
cor dum qualquer país e da sua fala.
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Do amor onde subiu soltar-se-á. O vento será para onde a
flor desabrochada numa cama – do suor da lascívia, da fruição e da falsificação
– não a encontrará.
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A dor do engano é calada, mesmo oculta, mas grita rasgando o
sangue e o espírito – tudo o que se esconde se revela.
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Assim se diz do amor e do sexo.