digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, agosto 31, 2025

O dicionário dos vinte anos

 

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Este não é o dicionário dadaísta nem o não-cachimbo de Magritte. É uma reunião de impressões, com razão e critério, sem qualquer prazo de validade. As entradas vão do óbvio ao desconcertante.

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O infotocopiável fará 20 anos, se eu lá chegar, a 24 de Março de 2026. Ainda que possa não conseguir viver tanto ou me falhe a capacidade, física ou mental, alcançar, para já, quase duas décadas, é um feito raro na blogosfera.

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Quando o comecei disseram-me:

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– Também tens um blogue?

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Vaticinaram que seria breve, desvalorizaram a capacidade mental, porque é pura psicologia, de manter vivo um caderno de pensamento e, neste caso específico, também pictórico. A blogosfera encolheu muitíssimo, mas o infotocopiável resiste. Embora se verifique uma grande redução de novos textos, nunca foi abandonado nem tal me passou pela cabeça.

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O infotocopiável nasceu tosco, impreciso quanto aos temas e, por isso, diverso. Não me envergonho, naturalmente não escondo, porque este género de sítios deve ser verdadeiramente um caderno onde se testam ideias.

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Começou como um local de alguma intimidade, exposição de interesses e pequenos agradecimentos. Evoluiu para um caderno onde a temática do amor foi o local central, posteriormente, quase imediatamente, ligou-se ao estado psicológico – não necessariamente de desabafo, mas pensamento sobre os problemas. Assim, rapidamente se juntaram as questões afectivas e as dores existenciais. De qualquer modo, nunca pretendeu ser, e penso que foi conseguido, uma montra do relicário íntimo.

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Naturalmente, alguns textos cruzam temáticas. Por exemplo, uma composição de amor pode ser, simultaneamente, de cariz psicológico. Por isso, a contabilização apresentada no índice é enganadora. A gaveta mental é a maior em número de textos, seguindo-se a do coração – 2.155 e 1.368, respectivamente.

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Sou autor da maioria dos textos. No entanto, pontualmente publiquei textos escritos a quatro mãos e um doutra pessoa. Paralelamente, alguns textos foram inspirados em trabalhos doutros escritores, podendo até ser quase citações.

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O blogue permitiu-me desmentir factualmente duas professoras que, claramente, me avaliaram muito mal. Enquanto arrumava os papéis dos meus pais, encontrei fichas de avaliação do período do ensino preparatório. Foi-me diagnosticada falta de imaginação nas disciplinas de português e de educação visual. Quem me conhece sabe que imaginação não me falta. Para quem me desconhece refiro que o infotocopiável atingiu 3.884 textos no final de Julho de 2025 – em contas arredondadas dá quase 200 textos por ano. Se forem contabilizadas as publicações de apenas imagem, cuja produção implica concepção, pesquisa e escolha, o total passa para 4.575.

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A imagem é a outra componente do infotocopiável. Naturalmente, o critério das escolhas evoluiu, assim como a exigência da procura do material. Cedo assumi o compromisso de evitar três situações: o óbvio, a ilustração do texto e a legenda da representação. Contudo, conscientemente abri excepções.

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Portanto, o infotocopiável vive da conjugação do texto e da imagem, sem que uma componente se torne impositiva. Todavia, sendo eu escritor e autor dos textos, a literatura é a essência do blogue. Não escolhi as imagens pela beleza ou pelo carácter de documento. O critério foi sempre a dupla leitura. Tenho cuidado semelhante relativamente aos títulos, que nem sempre têm uma sintonia óbvia. Uma vez que sou igualmente artista, apresento algumas das minhas obras.

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Não recorri a uma arte em específico: desenho e pintura, fotografia, vídeo, luz e escultura. Obviamente, a tridimensionalidade é impossível num blogue – pelo menos no estado actual da tecnologia. Assim, objecto, luz e instalação – além das artes performativas – apresentam-se em imagem documental, porque não há outro modo do conseguir.

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A periodização histórica, da imagem, é irrelevante, expectuando quando o conteúdo do texto o exige, da pré-história às produções contemporâneas. Na procura de evitar o óbvio, ilustração e legenda, não me limitei ao gosto pessoal. Esse esforço é comprovável na escolha do grotesco Greco e do piroso Renoir – possivelmente os artistas plásticos que mais abomino.

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Outro aspecto relevante, um compromisso de honra, é a identificação do autor da imagem apresentada. Nem sempre foi possível, devido a limitações na internet. Porém, esforcei-me sempre pelo reconhecimento do parceiro. Procurei não repetir imagens, embora tal tenha acontecido, independentemente de ser inconsciente ou voluntário.

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Os autores culturais não vivem de citações e de reconhecimentos, nem podem nem devem. Todavia, penso que um blogue sem fins lucrativos, sem sequer recolher pequenos donativos, é inofensivo.

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Tenho, ao longo dos anos, recolhido trabalhos dos meus «parceiros». Comecei com pequenas escolhas e evoluí para uma assombrosa pesquisa, em que cada escrita exigia mais e mais pesquisa. Ideia atrás de ideia, juntei milhares de ficheiros. Se fosse um museu estaria ao nível do Louvre, British Museum, Moma, Reina Sofia, Hermitage…

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Há uns anos criei uma secção de publicações apenas de imagem, em que a cor ou o tema se aliaram. Sem razão de conjugação com texto, essa selecção fez-se assentando no meu gosto. Essa gaveta é a excepção.

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O dicionário é um conteúdo diferente. É uma mostra dalgumas das minhas imagens preferidas. Não de todas, o que seria um exagero desnecessário.

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Dada a excepcionalidade da secção «dicionário», uma versão reduzida deste texto estará em todas as publicações. São explicações que devo a quem me procura e lê.

quinta-feira, agosto 21, 2025

Um dia um pintainho

 

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A dor faz parte da vida, mas dispensa-se.

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Nem sempre a lógica tem sentido, mas não há causa sem resultado nem retorno sem partida.

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Desilusão é verter sangue rubríssimo e fechar a alegria no luto.

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Um dia um pintainho pensou ser mais do que um tigre e mandar no mundo.

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Mostrou os seus dentes, eram todos caninos. Alargou a peitaça, rugiu e mandou e ai de.

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Na capoeira mordeu todos os bichos, aleijando sem excepções.

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O tempo manda e a vida obedece-lhe. Um dia outro bicho o irá morder.

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Irá descobrir que as galinhas não têm dentes e que um pintainho não é um tigre, muito menos só com caninos.

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As certezas são para serem quebradas, mas algumas são infinitas e eternas.

quarta-feira, agosto 13, 2025

Concentrado sintético

 


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Funciona ou fica de consolo ou despreza-se. Nos dias tristes medem-se os objectos e o resultado é o que.

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A verdade é uma caixa onde está tudo, do labor equívoco fortuna-má-sorte e do amor, ódio e desamor. Daí se escolhe para se ser pode inversamente.

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Só trabalha o trabalhante e restam os sentimentos-acções.

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Tal as palavras, os dias são por nascerem e para se gastarem. Se depois de ditas, fica, à escolha, a aceitação, a nostalgia e a desordem.

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O passado não se deita fora. Talvezmente nem se arruma. Escondido, não digo que não. Regressa como bumerangue.

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Poucas coisas laboram como as canções, colo da mãe e açoite de alguém.

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A pomada não se me segura a momento, porque é eterno o consolo, mas sem saudade.

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Agoniado, não celebro glória nem infortúnio. Amargura pela minha aflição. Cair para trás com cabeça à frente, queixam-se as costas, porque a alma tocou o fim e já não.

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Sono, lugar onde se é e se está, igual à vigília, umas vezes e outras.

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O que a canção me lembra não importa. O unguento é o seu concentrado sintético.

sexta-feira, agosto 08, 2025

Mulher fantasia, cianómetro de medir o rosa


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Anos sem ver, menos que eternidade, além da teimosia.

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A memória é animal caprichoso, tanto morde, muito beija, inventa-se na verdade e na ilusão.

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Se não é ouro, é prata. A prata quando faz de ouro, é ouro. E é ouro como a verdade.

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Foi pouco, porque poucas e pouco por muito o grande a vontade.

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Pele da cor da pele, forma de feitio exacto, na inexactidão perfeita do corpo que a roupa esconde. Ideal, por isso justo.

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Mais desejados do que lembrados, os lábios gémeos generosos.

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Curvada disse engano, por bem consumado. Modéstia injusta, sem vaidade, mas verdade.

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A boca e o Céu, palavra indizível.

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Rosácea, ogiva e botantes, templo perfeito. Doutro ponto nunca me esqueço, os pináculos.

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Se eu percorresse a nave tombaria pela luz, como um milagre.

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Religiosamente lembro, devoto digo e crédulo desejo, iludido sabendo a verdade.

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Aspiração de êxtase. Oração por atender, esperança por cumprir.

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Se a rosa é perfeita, é azul-celeste o que se diz.

quinta-feira, agosto 07, 2025

Livrocubicularista, palavra que fazia falta

 

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Quando uma palavra é dita não será silenciada. Podem apagá-la, existirá.

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Será flor na Terra, mesmo apenas no Jardim Celeste.

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Livrocubicularista do que quiser, como na biblioteca.

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Uma palavra nasceu, como se faz na cama.

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Diferentes modos

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Dizem nascer no coração e passar para a cabeça. Se assim simplesmente fosse.

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Dizem tocar na alma e borboletar no estômago. Se assim incrivelmente fosse.

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Dizem roubar o fôlego e dar à luz suspiros. Se assim respiratoriamente fosse.

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Não é de amor de que falo.

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Não falam nem dos enjoos que do fígado metastasam à vesícula nem do jiboiar do intestino. Nauseabundo é.

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Não é de amor de que falo. Dum bicho bruto, sem escrúpulos. D’olhos raiados do escuro de cegueira. Dentes lavados com sangue e garras de desesperança.

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Na jaula sem grades nem portas nem janelas nem luz sacia-se lentamente, dolorindo parcimoniamente.

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Há diferentes modos de se morrer: quando se está vivo e quando se está morto.

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Nota 1: documento fotográfico da Polícia de Londres referente a Jack, o Estripador. A vítima foi Mary Jane Kelly.

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Nota 2: a fotografia foi colorida digitalmente.

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Nota 3: muito provavelmente o formato original da fotografia foi alterado.