digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, agosto 11, 2025

Amêijoas à Bulhão Pato

O prato não deve a autoria ao poeta, mas antes ao tasqueiro que lhas dava a comer. O autor de «Flores Agrestes» apreciava tanto as amêijoas da tasca que o cozinheiro as baptizou em sua memória.

Não se trata duma receita difícil nem contém ingredientes raros: amêijoas, azeite e alho. Para quem gostar pode espremer-se um pouco de limão, mas já na mesa. As porproções variam conforme as quantidades, coisa que aqui não vou entrar.

Apesar de estar muito divulgada, esta receita não é uma receita popular. Está escrita. Obedece a uma regra. Porém, esta é dos mais abastardados pratos portugueses. Nele lhe põem vinho, mostarda, margarina. Ainda agora, numa revista séria, lá vinham disparates no receituário.

A simplicidade é uma meta difícil de alcançar. A perfeição também. Muitas vezes uma e outra são sinónimos: é o caso das amêijoas à Bulhão Pato.

sexta-feira, agosto 08, 2025

Mulher fantasia, cianómetro de medir o rosa


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Anos sem ver, menos que eternidade, além da teimosia.

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A memória é animal caprichoso, tanto morde, muito beija, inventa-se na verdade e na ilusão.

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Se não é ouro, é prata. A prata quando faz de ouro, é ouro. E é ouro como a verdade.

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Foi pouco, porque poucas e pouco por muito o grande a vontade.

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Pele da cor da pele, forma de feitio exacto, na inexactidão perfeita do corpo que a roupa esconde. Ideal, por isso justo.

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Mais desejados do que lembrados, os lábios gémeos generosos.

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Curvada disse engano, por bem consumado. Modéstia injusta, sem vaidade, mas verdade.

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A boca e o Céu, palavra indizível.

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Rosácea, ogiva e botantes, templo perfeito. Doutro ponto nunca me esqueço, os pináculos.

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Se eu percorresse a nave tombaria pela luz, como um milagre.

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Religiosamente lembro, devoto digo e crédulo desejo, iludido sabendo a verdade.

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Aspiração de êxtase. Oração por atender, esperança por cumprir.

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Se a rosa é perfeita, é azul-celeste o que se diz.

quinta-feira, agosto 07, 2025

Livrocubicularista, palavra que fazia falta

 

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Quando uma palavra é dita não será silenciada. Podem apagá-la, existirá.

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Será flor na Terra, mesmo apenas no Jardim Celeste.

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Livrocubicularista do que quiser, como na biblioteca.

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Uma palavra nasceu, como se faz na cama.

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Diferentes modos

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Dizem nascer no coração e passar para a cabeça. Se assim simplesmente fosse.

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Dizem tocar na alma e borboletar no estômago. Se assim incrivelmente fosse.

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Dizem roubar o fôlego e dar à luz suspiros. Se assim respiratoriamente fosse.

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Não é de amor de que falo.

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Não falam nem dos enjoos que do fígado metastasam à vesícula nem do jiboiar do intestino. Nauseabundo é.

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Não é de amor de que falo. Dum bicho bruto, sem escrúpulos. D’olhos raiados do escuro de cegueira. Dentes lavados com sangue e garras de desesperança.

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Na jaula sem grades nem portas nem janelas nem luz sacia-se lentamente, dolorindo parcimoniamente.

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Há diferentes modos de se morrer: quando se está vivo e quando se está morto.

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Nota 1: documento fotográfico da Polícia de Londres referente a Jack, o Estripador. A vítima foi Mary Jane Kelly.

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Nota 2: a fotografia foi colorida digitalmente.

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Nota 3: muito provavelmente o formato original da fotografia foi alterado.