digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, novembro 27, 2018

Água e estrela


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Sou-te e em ti sou-me. Em ti sou e em mim despejas-te como o rio da vida na direcção de ir ao local certo por nós sabido desde o teu primeiro ver-me e meu tremor.
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Tenho-te caída sobre o peito e igual em ti. Tens-me como sempre no amor incansável da água que transborda e da que falta.
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As noites afastadas não se juntam por dor ou passado. As noites de acolher são de tudo e sempre.
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Não duvides do teu amor nem do meu. Assim do prazer, além do mais em todo – completo a ti de quem não duvido amor, além do mais em todo – não duvides.
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Fogo impensável por ser rio, incansável pela vontade do muito-amar.
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Amar-te é amar-me – os dois de tudo – daí revela-se igual.
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Por tantas viagens é esta agora o destino. Isso diz a luz e a voz da certeza-certa-celestial. Aliás mais.
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A multidão dos abraços furacãoza quem-engano-erro-desamor-olhos-coração-mente sopra as maldades da inveja e da matéria. Como seja ferro, o rio fará ferrugem.
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Nunca desistirei do destino. Tu é igual – sei porque as dores se evaporaram e choveram como alegrias.
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O destino corrige as margens da água enganada no leito. O mar só é mar se rio lhe chegar.
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Ser o destino do outro é o nosso destino. Só precisamos seguir a estrela e a ela chegar.

sábado, novembro 10, 2018

Gente viva

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Há dias em que se morre um bocadinho.
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Esses bocadinhos de morte é que são morte. A outra não existe.
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Há que sobreviva ao amor? Ao perdão? Por aí, por aí.
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Quanto se morre quando se mata. Assim, sem perguntar a resposta, devolvendo questão.
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Das palavras ao ouvido-coração-cabeça e até no movimento do gesto, o jeito de matar e vontade ou fome ou jejum.
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Hoje morri um bocadinho e em mim caíram bocadinhos de mortes.
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Não morreu ninguém. Morremos e morrem-se. Nas-das doenças do cuidar, onde se é frágil e o colo até talvez baste. Ou bruto e o regaço até talvez chegue. Da fealdade do desencanto.
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Vejo mortos diariamente e julgo a certeza de terem vida. Esta e não a do após o corpo desfalecer.
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A morte de que falo des-é corpo e des-é tempo e des-é tudo.
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Os dias da sobrevivência, não pensei o que são, se do corpo se do fluído ou se do plasma ou se.
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Não se pensa para se sentir nem para isso existe o corpo.
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Quando digo morte falo da ausência que se descobre, da perda sem aviso.
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É disso, a morte.
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Porque, de resto, a morte não existe.
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Vemo-nos por aí, daquém e dalém.
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Havemos de ir para voltar e por lá de modo gémeo.
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Vivos, sempre.
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É fácil inconseguir aclarar a mediunidade, nem sei se maior ou menor revelar da morte.

sexta-feira, novembro 09, 2018

Cristal negro – oitenta anos

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De nove para dez de Novembro de 1938.
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Pensa em quem és hoje, ainda que te lembres da última vida.
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Se significar – porque significa – mais do que acomodar a culpa, plasma a consciência e faz, a coisa como conseguires, para o pensamento não manchar igual à memória.
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Se significar – porque significa – mais do que acomodar a dor, plasma a dor-mortal e faz, a coisa como conseguires, para o pensamento, não esquecendo, te apazigue a memória.
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Noite de Cristal é uma expressão poética, cheia de negrume. É antes negrum – aquela ausência da luz, desfazendo o «E».
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É expressão tenebrosa!
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O cinzento das fotografias não mostra o cinzento-verde nem o negro furioso do assalto furioso.
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Nem o amarelo da estrela.
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Pensa no que não queres.
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Que o tido de outrora seja uma arma para pedires perdão.
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Pensa em quem és hoje, ainda que a estrela te esteja pregada.
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Tenta lavrar o teu pedido, em paz, para o perdão.
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Tenta perdoar.
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Um dia serão capazes.
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Talvez ainda por mais uma vida, para.
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Neste momento, faz a paz. Talvez lembrando-te de quem foste.
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A memória inesquecendo – o inesquecível – para outrora não ser a qualquer hora ou mais uma vez.
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Não volte a acontecer.
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