digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sábado, outubro 31, 2015

X < ꝏ + 1 = 1 – Há lugar para todos?

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O vinho é prazer – assim se deseja, para que uma dependência não se traduza em doença – mas também negócio. Agora vou atirar-me a uma outra chatice e espero que a equação do título esteja correcta… sei fazer contas, mas escrever equações… os 10º e 11º anos estão muito longe, já resolvo tudo com computadores, calculadoras ou cábulas.
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Continhas, assim em diminutivo. Nada que um simples cidadão, com poucos estudos, não consiga entender: quanto se gasta e quanto sobra. Do resultado saem diversas conclusões, todas alicerçadas em vontades e que, sinceramente, penso serem todas legítimas. Penso pela minha cabeça e o blogue é meu, dito.
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Um dia um vitivinicultor perguntou-me:
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– Sabe como se faz uma pequena fortuna no negócio do vinho?
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– Não.
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– Para começar tem de se ter uma grande fortuna…
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Acaba assim de forma sintética uma verdade que dá para tudo. As empresas são para darem lucro aos seus proprietários (seja qual for a forma de constituição), mas têm de pagar a empregados, fornecedores e Estado.
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Aceitando que todo o dinheiro entregue ao Estado é bem aplicado, o que sai da caixa da conta bancária também contribui para a sociedade. As empresas têm uma responsabilidade social para com as famílias de trabalhadores, fornecedores e funcionários dos fornecedores. Por aí fora. Daí que reforce a importância da gestão com lucro, a menos que se queira fazer a tal pequena fortuna.
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Em qualquer negócio se pode retirar prazer, sou optimista; mesmo que se trate de fazer roscas em parafusos ou dobrar clipes. Porém, o vinho tem uma dimensão de amor e/ou paixão, para que contribuem laços afectivos a um bocado de terra, apreciar agricultar, colher, vinificar e beber. Há história, tradição; cultura em largo espectro. Vou tentar criar uma tipologia.
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O casal Carneiro marimba-se para ganhar dinheiro. É só prazer e a conta bancária é confortável. Vender? Não! O vinho é deles e para os amigos.
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Já o casal Santos ganhou um bom dinheiro nas suas actividades profissionais e comprou uma propriedade para os fins-de-semana e velhice. As coisas sempre vão custando a manter, pelo que pensaram que seria bom ter um negócio que sustentasse as despesas. Olharam para os seus prazeres, porque sempre ajuda, e decidiram plantar uma vinha.
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Aqui há vários tons: havia adega ou foi preciso construir, reparar ou modernizar? O vinho é um nano-negócio e os próprios tratam de tudo, porque «conseguem» e vendem à malta da aldeia? É necessário contratar um enólogo, ou para quem é bacalhau gasta? E equipamento de adega? Volta-se atrás: o que se quer fazer, quanto se quer fazer, como se quer fazer, como se paga, em que prazo, a quanto se vende? Distribuição própria ou contratada? Rótulos e design para todas as faces das exigências? Há adrenalina para se querer crescer?
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Uma variante prévia que não anula o parágrafo anterior, que é a terra ser herança ou arrendada.
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Outra ainda, vender à cooperativa… espera-se (novamente) que seja bem gerida, para que pague bem ou, pelo menos, que pague.
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Por sua vez, o doutor Magalhães fartou-se da vida de executivo de topo e quis um negócio seu, e que pode incluir a tal vontade de lazer. Porém, tem a certeza que é para ganhar dimensão. Terá uma boa adega, enólogo residente, técnico de viticultura, enólogo conceituado, distribuidora cara, empresa de comunicação, investimento em publicidade, design de rótulos, embalagens e de mais necessidades entregue a um ateliê com reputação. Joga-se pelo seguro, e contratam-se os profissionais que estão na berra e fazem-se pagar bem.
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Quanto a família Pacheco herdou um negócio, com dimensão e que conheceu melhores dias. Entra a nova geração e investe, porque os equipamentos precisam de reforma ou estão obsoletos, as marcas degradaram-se… Entram aqui vários aspectos da situação anterior.
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Os Taborda estão, mais ou menos, na mesma situação que os anteriores. Só que ninguém se entende e já há na família quem não se fale. Há que vender a companhia.
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Por seu lado, os Peneda gerem um empório, erguido há uma, duas ou três gerações, mais saudável que os anteriores, pelo que as mudanças serão mais focadas em alguns aspectos inventariados e priorizados.
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O traço comum é o vil metal. Não é preciso ser-se grande para ganhar dinheiro, como não é preciso ser-se pequeno para o conseguir. O mesmo acontece com os prejuízos.
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Referida subliminarmente, lá para trás no texto, a dimensão conta. Vender 1.500 garrafas ou 1.000.000 não é a mesma coisa. O pequeno vitivinicultor até pode fazer uma zurrapa; a quantidade vende-se, mesmo que o consumidor não repita. O empresário com um barco maior vai ter de criar gamas, provavelmente investir em castas que não aprecia, ter um esforço permanente de olhar a concorrência e ter ideias para a diferenciação. Certamente passará a maior parte do tempo fechado em aviões, ou pagar a alguém para ir em seu lugar, para ir fazer negócios, apresentar-se em feiras, realizar demonstrações, participar em embaixadas económicas ou ndebater com distribuidores.
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Parece simples. Contudo, a questão de colocada em carne-e-osso não é fácil. Ninguém é genial para acordar todas as manhãs com uma ideia bombástica, soprada por um espírito amigo durante o sono. Nem todas as manhãs, nem todos os anos.
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Quando as empresas adquirem alguma dimensão, não sendo necessário chegar ao patamar do milhão, ganham visibilidade, pelo que há negócios que lhe vão parar ao colo. A empresa do engenheiro Gonçalves produz 250.000 garrafas numa região, mais ou menos, «desactualizada», com uma gama de três brancos, cinco tintos e um espumante, além dumas sobras em bag-in-box. Sem saber como, um dia – que por acaso estava na propriedade – bate-lhe à porta um negociante chinês. O asiático cumprimenta-o e explica-lhe quem lhe deu o contacto. Como não o conhece de lado nenhum, o português desculpa-se para arranjar um tempo para fazer telefonemas, apurando a reputação do empresário que ali foi dar. Está tudo bem e sentam-se à mesa.
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– Diga então, o que o traz por cá?
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– Em Cantão ouviram falar nesta região. Vários compradores conheceram-na através duma feira e penso que há mercado para se ganhar dinheiro com vinho daqui.
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(salto para depois da prova de várias garrafas)
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– Sim, senhor. Vamos a isso. O que quer e quanto quer?
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– Nesta primeira fase, preciso de 1.000.000 de garrafas. Começamos com um tinto e, após vermos como vão as coisas, podemos vender mais referências.
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Os túbaros do engenheiro Gonçalves bateram um no outro e vedaram, por efeito dominó, o esófago. Os bolsos a cantarem e a cabeça a matraquilhar:
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– (Porra! Não tenho tanto vinho, nem mesmo com as sobras… e duma só referência, além de tudo).
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Neste momento, Minerva, Mercúrio e Baco conjuram. A cabeça do engenheiro Gonçalves acrescenta a tarefa de tentar parecer que está tudo bem, para que o empresário chinês não se assuste ou descubra as suas cartas no poker.
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Há duas hipóteses:
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Hipótese A: Dizer a verdade e recusar a oportunidade.
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Hipótese B: Inventar uma desculpa credível para ganhar tempo, para que possa juntar a quantidade necessária para satisfazer a encomenda.
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Sublinhe-se que o empresário chinês não foi comprar vinho duma marca ou duma referência existente. Foi procurar quem lhe vendesse 1.000.000 de garrafas de bom vinho, daquela região, para que fizesse negócios em Cantão.
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A hipótese «A» termina com honestidade e sem glória:
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– Muito prazer em conhecê-lo, se um dia voltar venha beber um copo comigo e se um dia for a Cantão irei visita-lo.
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– Com todo o gosto. Muito bom dia.
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A hipótese «B» implica tempo. Com uma desculpa credível despede-se até amanhã, ou até quatro ou cinco dias, porque o empresário vai também a outras regiões à cata de oportunidades. Nesse período, o engenheiro Gonçalves, tendo um caderno de encargos específico quanto a preço e requisitos do produto, telefona a vários produtores da zona, para que consigam juntar aquele 1.000.000 de garrafas e abrir portas a mais negócios. Se consegue, óptimo. Se não consegue, azaruncho.
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Este caso foi real.
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A hipótese «B», se cumprindo os requisitos e o preço pretendido, nada tem de desonesto. Mas a hipótese «A» não tem nada de racional.
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Pequeno é lindo! Cemole ise biutifule!
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No final do século XX e início deste assistiram-se a vários processos de concentração empresarial. Em diferentes ramos e de modos vários, desde ofertas públicas de aquisição, troca de participações sociais, fusão ou simples compra.
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Acontece volta e meia e por todo o lado. Não me admiraria que tal viesse a acontecer em Portugal no sector do vinho. Penso ser desejável.
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Ganhar massa-crítica pode ser conseguida de diversos modos e em diferentes profundidades, desde a partilha de espaços de promoção e acções de divulgação conjunta até à constituição de empresas, participadas por várias empresas independentes, ou pelos métodos mais mediáticos e que referi.
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Para ser rigoroso e consequente, dou dois exemplos de associações felizes. Uma que não põe em causa as identidades corporativas e não lhes dá uma gestão conjunta e formal, e outra em que várias firmas são accionistas duma casa-mãe: Douro Boys e Lavradores de Feitoria. Se fugirmos do universo da individualidade, há as cooperativas – e isso é outra coisa.
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Quem faz umas centenas de milhares de garrafas ou uns milhões tem uma pressão constante, que o pequeno não tem. O anão tem umas sobras e inventa umas edições especiais, que por serem raras e bem trabalhadas em termos de comunicação, as garrafas custam trinta vezes o valor merecido. Os grandalhões têm menos flexibilidade.
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Escrevo este texto porque me pergunto insistentemente como não foram já dados passos no sentido das fusões e aquisições, ou parcerias aprofundadas, entre empresas complementares ou que acrescentem oferta idêntica.
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Pode ser o pouco racional individualismo português? Pode. Mas quem tem embarcações grandes tem tudo diferente face às pequenas sociedades. Além de complementaridade há acrescentos: a empresa da quinta duriense do doutor Fagundes junta-se à lisboeta do engenheiro Sousa e à alentejana do doutor Felisberto. Juntos somam 2.200.000 garrafas… e podem crescer.
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E se… duas, três, quatro ou cinco sociedades duma mesma região –fazem vinhos com os mesmos conceitos, têm abordagens idênticas aos mercados, quiçá com propriedades contíguas – cada qual com mais de 1.5000.000 de garrafas se juntassem?
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A união entre pequeninos, pequenos ou médio-pequenos eventualmente pode ser mais ligeira e talvez não traga grandes benefícios. Quando se passa para as centenas de milhares ou milhões de garrafas já os benefícios me parecem óbvios.
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A dimensão pode, inclusivamente, levar ao alargamento do âmbito de actuação, com aquisição de firmas, até mesmo noutros países. A Sogrape, a maior empresa do sector, é uma multinacional (familiar) e não é por isso que deixa de ser portuguesa, de apostar nos vinhos feitos por cá ou deixa de produzir vinhos de grande prestígio.
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Infelizmente para o país, a Sogrape é (verbo ser) sozinha! Quando sete das maiores empresas do sector se juntaram, na associação que ficou conhecida por G7, percebeu-se rapidamente que a multinacional não tinha muito para debater com as outras sociedades: Aveleda, Caves Aliança, Caves Messias, Finagra, José Maria da Fonseca e JP Vinhos.
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Se não erro (reporto o número que me disseram), a facturação da Sogrape é superior à soma das outras seis empresas. Isto traduz o que é o negócio do vinho em Portugal. Poderão os empresários do sector acusar-me:
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– Vem para aqui este doutor da mula ruça botar sentenças sobre negócios, quando não tem um cêntimo investido nem experiência de gestão… nem duma pequena empresa.
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Tenho de me calar. Porém, o pressuposto é verdade: as empresas são para dar lucro e a dimensão conta. De qualquer modo, reconheço que ser-se grande não significa ausência de riscos e de responsabilidades.
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Não há fórmulas mágicas – que saiba, pois se soubesse estaria a aterrar numa pista reservada, no meu jacto particular...
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Para me bronzear numa praia restrita, enquanto suspirava inquieto e puerilmente acerca a importância da estética nas sociedades contemporâneas ocidentais, tendo em conta as obras de Jeff Koons, Gilbert & George, Francis Bacon e Bansky.
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Se uma empresa for só mais uma empresa, é porque é uma empresa a mais. X < ꝏ + 1 = 1
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Jeff Koons.
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Gilbert & George.
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Francis Bacon.
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Bansky.

Vermelho-segredo

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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Aria Nuova.
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Não consegui apurar a autoria.
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Justyna Kopania.
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Não consegui apurar a autoria.
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Winslow Homer
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Lisa Congdon.
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Troy Collins.
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Zhao Shao'ang.
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Henrietta Harris.
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Keisuke Nagatomo.
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Não consegui apurar a autoria.
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Ryan Mcginley.
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Não consegui apurar a autoria.

Letra C e Letra E


sexta-feira, outubro 30, 2015

Da ordem à história

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Obediência. Respeito. Deferência. Elogio. Medo.
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Nunca todo. Até à queda. Até à festa. Depois, a história.
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Nota: Foto de Robert Polidori a partir de pintura de Robert Lefèvre.

Verde-segredo

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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Desmond Paul Henry.
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Heather Goodwind,
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Mos Burger,
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DKNG.
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Pablo Palazuelo.
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Não consegui apurar a autoria.
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Mitchell Funk.


Letra T


quinta-feira, outubro 29, 2015

Fonseca regressa a casa

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Pelo Douro vai-se para o mundo. Roubei esta verdade ao Fernando Pessoa para dizer do vale mais famoso de Portugal, onde a história se escreveu quase sempre com vinho e a água de o levar, muitas vezes assassina.
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Foi um rio selvagem até quase hoje.
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Em Lisboa estava a Corte, que ia a Santarém e a Évora, a Sintra, Queluz e Cascais. Bem podem os portuenses garantir que o Infante Dom Henrique nasceu no Porto, mas a verdade é que nenhum Rei lá dormiu em casa própria.
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A falta de visitação régia não tira brilho nem cria esplendor à cidade do Porto, que só na lei não é das duas margens. De Portus e Cale nasceu Portugal, Porto e Gaia. No lado direito está o brilho e no esquerdo o lume. De montante chega a razão.
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Elogiar e glosar o labor das gentes do Porto é tão merecido como para outros povos, entre Cevide e o Cabo de Santa Maria, de Paradela ao Cabo da Roca, da Ponta Sul, no Ilhéu de Fora, das Selvagens, ao Ilhéu de Monchique, nos Açores, do cimo do Pico à beira-mar da água fria, de que tanto gosta a sardinha, que tanto dela gostam os portugueses. Da Galiza até onde exista alguém a falar português.
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É isso, mas também certo que a fama dos vinhos do Douro não se gerou, mas criou, consubstancial à alma-amor.
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Tanto faz que Luís XIV tenha dito que o Vinho do Porto é o vinho dos reis e o rei dos vinhos. Também o disse do Champanhe. Também o disse do Tokaji. Até há quem acuse outro Luís, de três flor-de-lis de ouro sobre azul, de ter afirmado tal verdade.
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Tanto faz que a demarcação do Vale do Douro seja a mais antiga do mundo. Também os italianos reclamam para a Toscânia. Também húngaros e eslovacos exigem para Tokaji.
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O que não tanto-faz é o mundo, dos galegos que ajudaram a inventar terreno lavrável, dos camponeses daquela terra, dos morgados, dos prelados, dos ingleses, dos escoceses, dos alemães, dos… não de todo o mundo, mas metaforicamente do mundo todo.
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O Douro vinhateiro não se fez sozinho, nem só natureza, nem só homem. Tanta gente diz terroir, palavra com um conceito intraduzível, feita de chuva, sol, vento, abrigo, secura, humidade, luz, ensombramento, noite, latitude, longitude, altitude, Norte, Sul, Este, Oeste e pontos colaterais, solo, subsolo, flora próxima da vinha, flora até onde a vide sente, fauna, casta, sabedoria de campo e sabedoria de adega. O homem faz o vinho, não nasce numa fonte – horas, pressas e vagares.
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Terroir aparece em todo lado, não há quem não o encontre no seu sítio e com ele diga privar, como se Dom Sebastião se tratasse. É como Dom Sebastião, uns o viram, alguns o vêem e verão quando sempre – e no Verão também há neblinas marítimas.
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É Património da Humanidade, estatuto pela UNESCO e verdade, porque os nomes do Douro têm origem, mas não sei se têm nacionalidade; são Silva, Santos, Pereira, Olazabal, Guedes, Niepoort, Ferreira, Burmester, Pinto e pelo Douro vai-se para o mundo.
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O meu sangue do Sul não me deixa ser outra coisa que não português, que é ter na mesa Vinho Verde e gaspacho e passar horas sem tempo a viver a mesa. Dizem que as melhores laranjas são as do Algarve. Garanto que são as das laranjeiras de Castro Verde – não por dali ter tirado sangue, mas porque são muito doces e frescas de ácido. E o azeite? Do Douro. E o vinho? Do Douro. E a praia? De Tavira. E a poesia bruta do granito domesticado, chamado românico? Eterno do Minho.
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O Vinho do Porto é fidalgo, por isso há só duas famílias no Douro; a que bebe Porto e os camponeses, que dizem vinho fino. Os apelidos do Douro: Fonseca é inglês, como MacBeth é português, assim se chamava um colega de escola.
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Porquê tudo isto, esta explicação longa? Porque conto duma casa. Porque não há hoje sem ontem e o destino, que a Sul dizemos fado, existe para existir e desejar. Eu não sou eu. O meu corpo é resultado de antepassados, parentes de carne, e a cada sete anos é outro regenerado. O meu espírito encarnou muita gente.
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Já quase me esquecia do destino.
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Só queria só escrever que a casa dos Fonseca, no Pinhão, voltou à firma. A companhia é familiar e britânica, talvez ainda tenha sangue Fonseca. Tanto faz, porque do Douro vai-se para o mundo e os nossos genes unem-se numa mãe comum – a Eva, como dizem os historiadores.
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Um dia bebemos Vinho do Porto e noutro chamamos-lhe vinho fino. Mas as coisas são da terra como os nomes. No Pinhão, a casa voltou.

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Negro-segredo

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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Daumier.
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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.
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Não consegui apurar a autoria.

Letra D


quarta-feira, outubro 28, 2015

Fé-liturgia-maravilha

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Não há palavra que junte cheiro de palco e luz de cena. Sou aço mas anseio por magia e engano, suas sombras e vozes.
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Emudeceram-se as pancadas de Molière, que impunham ordem, e despreza-se Macbeth, fantasmagoria de tragédia e perdição no teatro onde fosse dita se não estivesse em cena.
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Um dia pensei em deixar-me enclausurar numa igreja e nela passar a noite para saber daquela solidão e (quiçá) conhecer qualquer coisa. Quase aconteceu, um acaso. Adormeci o sonho e lamento ter saído da Sé Patriarcal de Lisboa.
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Não há palavra que junte cheiro de igreja e luz de templo, ainda que as chamas das velas não sejam – até agora as suas pedras, madeiras, telas, óleos, pratas, panos, incenso, ceras e sombras.
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Incompreendo a fé dos subornos, dos arrogantes pagando aos santos por milagres. Efabulo o aroma da água benta mas inconsigo acreditar.
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Do zero ao infinito, onde é o sagrado das palavras do sacerdote e onde fica a compreensão dum tempo e motivo.
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– … gerado, não criado, consubstancial ao Pai.
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Não há palavra para a noite de lua-cheia em que trepei um poste e saltei um muro coroado com arame farpado e me perdi enamorado pela aventura em túneis, torres, fantasias manuelinas, esconderijos, lagos, jardins, cisnes, sombras e sussurros.
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Nem palavra para isso nem para o cheiro de toda essa noite.
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Parágrafos retirados, por alguma redundância, desnecessidade e ineficácia minha. Queira colocar onde entender, se assim o desejar:
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Não sei como os actores engolem todas as palavras que o cérebro digere e ordena à boca e corpo, nem como os dramaturgos sentem os improvisos. A letra é sagrada e por isso obrigatória ou há a maravilha da dádiva quando alguém a transforma… ou.
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Não sei como os crentes creem se ouvem, duma voz vazia, o do livro e da representação ritual do que não entendem nem talvez pensem.

Roxo-segredo

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Não consegui apurar a autoria.
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John Vogl.
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Olaf Hajek.
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Gustav Klimt.
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Gauthier Alain.
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John Singer Sargent.